CAPÍTULO TRÊS
AURORA JOHNSON
Observava minha família na mesa do café da manhã. Ana, tagarela como sempre, papai e mamãe conversando sobre algo que não faço a mínima ideia e Rubens, ao meu lado, de cabeça baixa olhando para suas panquecas. Levantei uma de minhas mãos e a coloquei por cima da sua, que repousava em cima da mesa, e ele se assustou.
— Tudo bem? — Perguntei.
— Sim. — Sua voz saiu baixa e logo ele voltou a encarar as panquecas.
— Está esperando elas saírem do prato e irem para sua boca sozinhas? — Perguntei me referindo às panquecas, ele me olhou e lançou um sorriso fraco.
— Só estou pensando.
— Em quê?
— Na Christina. — O tom de sua voz saiu meio choroso e isso me deixou triste.
— Sei que está sendo difícil para vocês essa situação toda, mas logo isso vai acabar.
— Eu não sei, Aurora. Os pais dela não querem que eu apareça lá nem pintado de ouro e ainda por cima colocaram seguranças pela casa e para a seguirem onde quer que vá. — Os pais de Christina são pessoas influentes na cidade e não aprovaram quando Rubens e ela começaram um relacionamento. O senhor e a senhora Daves acreditam que na minha família só há perdidos e fracassados, algo que toda cidade pensa sobre nós somente pelo fato da nossa mãe ser uma ex-stripper. Os pais de Christina surtaram quando souberam da situação do meu irmão e acham que tudo é verdade. Já faz um mês que ambos não se veem e eu percebo que isso está acabando com o meu irmão, pois os dois se amam muito.
— Eu prometo que vou fazer o possível para essa situação mudar. — Ele me encarou.
— O que quer dizer com isso?
— Vou até a empresa do Del Frari pedir ajuda. — Sussurrei somente para ele ouvir.
— Aurora, pensei que havia esquecido disso, sabe que será inútil.
— Estou disposta a ajudar nossa família a sair dessa.
— Mas...
— Está decidido. — Vi que ele tentou falar algo, mas logo se calou.
— Bom, eu já vou. Voltarei tarde do trabalho hoje, não me esperem para jantar. — Avisou meu pai.
— Sim, querido, eu entendo e boa sorte. — Meu pai se abaixou, deu um beijo na testa da minha mãe e fez o mesmo conosco.
— Tchau, pai. — Ana, Rubens e eu dissemos em uníssono.
Ele sorriu para nós e logo em seguida saiu.
— Eu também já vou, mãe.
— Claro, filha. — Beijei sua bochecha e acenei para meus irmãos, logo em seguida saí de casa com um pouco de esperança em conseguir reverter essa situação toda.
Estava próximo do horário do almoço, a hora perfeita para ir à empresa porque meu pai deveria ter saído para almoçar. Andei a passos largos, agradecendo mentalmente o fato de o senhor Wilson deixar eu sair um pouco antes, mas tenho uma ligeira impressão de que isso vai me custar parte do meu salário, que já não é muito.
Parei em frente à grande empresa com o sobrenome DEL FRARI acima da porta de vidro da entrada, olhei para todo o prédio e fiquei intimidada com a grandiosidade do lugar, que parecia ser todo feito de vidro espelhado. Entrei na empresa e Valéria sorriu assim que me viu, mas logo o sorriso sumiu dando a lugar ao medo.
— Menina, o que faz aqui? O senhor Del Frari disse que...
— Eu sei o que ele disse, mas eu preciso muito falar com ele. — Ela me olhou confusa.
— Falar?
— Sim, é algo muito importante e além disso, quero me desculpar pelo que disse ontem. — Embora eu soubesse que ele também me devia desculpas, naquele momento não estava em posição de exigir nada.
— Aurora, eu não acho uma boa ideia, ele é um homem muito difícil, não acho que vá aceitar suas desculpas e muito menos te ouvir! Eu trabalho aqui há cinco anos, e todos que ousaram subir o tom de voz com ele, tiveram suas vidas resumidas a cinzas. — Arregalei os meus olhos.
Porra! Será que ele vai querer fazer o mesmo com a minha vida? — pensei.
— Valéria, eu imploro, por favor, eu preciso...
— Precisa sair daqui. — Me assustei com uma voz grossa e alta. Quando olhei na direção dos elevadores, eu o vi.
Tenho de admitir, ele pode ser grosso, esnobe, metido, arrogante, o que for, mas que esse i****a é lindo, ah, ele é.
Minha pele se arrepiou toda somente com o seu olhar, que varreu meu corpo por alguns segundos. Engoli em seco quando ele já estava próximo o suficiente para que eu sentisse o cheiro do seu perfume masculino, tão gostoso.
Oh merda, por que eu estou pensando nessas coisas?
— O que faz aqui? — A raiva era nítida em seu olhar e tom de voz.
— Preciso muito conversar com o senhor. — Ele riu.
— Conversar? Ontem você chegou aqui na minha empresa, disse um monte de desaforos e volta hoje querendo conversar comigo?
— Senhor Del Frari eu...
— Saia agora da minha empresa ou eu mesmo farei o favor de tirá-la daqui à força! — Ele disse tão alto que todos que estavam ali no hall pararam o que estavam fazendo para nos olhar.
— Eu juro que isso não vai tomar muito do seu tempo. Eu quero primeiramente me desculpar com o senhor pela forma como falei ontem, e, depois, preciso muito que escute o que eu tenho para lhe dizer. Prometo que não vou roubar muito o seu tempo.
— Saia! — Sua voz saiu ameaçadora e isso me assustou.
Vi os seguranças caminharem em nossa direção e logo entrei em desespero.
— Por favor, senhor Del Frari. Eu imploro. — Senti uma louca vontade de chorar. Ele não disse nada, só ficou me encarando sem nenhuma expressão. Quando pensei em chegar ao ponto de me humilhar ainda mais, ele segurou meu braço, me impedindo de fazer o que eu ia fazer. Olhei para ele assustada.
— Quer que cuidemos disso, senhor? — Um dos seguranças perguntou e ele me olhou rapidamente.
— Não, pode deixar. — Ambos saíram sem dizer nada e fiquei assustada com toda a situação.
— O que vai... — Fiquei quieta quando ele voltou a me olhar.
— Venha. — Olhei para Valéria, que arregalou os olhos e, antes que eu dissesse mais alguma coisa, ele saiu andando e me puxando a passos largos para fora da empresa.
— Entre. — Ordenou segurando a porta do banco de trás de um lindo carro preto que deve ter custado uma fortuna. Olhei assustada para ele.
— O que vai...
— Estou no meu horário de almoço, não vou perdê-lo por causa de você. — Lancei um olhar confuso para ele, que bufou. — Você vai comigo até o restaurante e lá você diz logo de uma vez o que quer. Pode almoçar também, vejo que precisa, está magra demais.
Escancarei os meus olhos.
Almoçar? Com ele? Por que tenho um pressentimento r**m em relação a isso?
Ao entrarmos no tal restaurante, fiquei completamente intimidada com o lugar e com as pessoas, que me olharam com muito desdém. Andei completamente encolhida bem atrás de Del Frari.
Assim que chegamos em uma parte afastada dos demais clientes, agradeci mentalmente por isso.
— Senhor Del Frari, sua mesa já está pronta, como sempre. — Uma loira alta, magra e com o olhar de "Me f**a por favor" disse.
— Mande colocar mais um lugar à mesa. — Nossa, ele é autoritário assim com todo mundo?
— Sim, senhor. — A mulher gritou por alguém e um homem apareceu. — Coloque mais um lugar à mesa. — Ela me olhou e tentou disfarçar a cara de nojo.
Pelo menos meus p****s são de verdade. — Pensei; os dela pareciam artificiais demais, assim como todo o resto.
O homem saiu correndo e voltou com mais três pessoas e, em menos de um minuto, a mesa já estava pronta para dois.
Assustei-me quando senti alguém me puxar pelo braço.
— Ande logo. — Ele resmungou e me levou até a mesa e educadamente, puxou a cadeira para mim.
Ele consegue ser educado? Não imaginava.
— Vai ser o de sempre, senhor? — A loira perguntou.
— Sabe que é, agora saia. — A mulher praticamente correu.
— Por que é tão grosso com as pessoas, o que elas te fizeram? — Me reprimi mentalmente por ter aberto a boca.
— Odeio incompetência. — Disse friamente.
— Mas...
— Aconselho você a falar logo o que tem para me dizer antes que te mande embora. — Engoli a minha raiva e minha dignidade e comecei a falar.
— Minha família tem passado por muitos problemas. Estamos com uma dívida enorme para pagarmos e meu irmão está prestes a ir para a cadeia caso sua inocência não seja comprovada.
— O que seu irmão fez?
— Ele não fez nada! Gustavo, para se vingar do meu irmão, plantou uma grande quantidade de cocaína no quarto dele e chamou a polícia, dizendo que ele estava vendendo drogas pelo bairro. Tudo isso porque, há algum tempo, Gustavo havia quitado uma dívida do meu irmão que antes era viciado em jogo. Em troca, pediu para meu irmão matar uma pessoa e ele não aceitou.
— Gustavo?
— Sim, ele é filho do prefeito e meu ex-namorado. — Ele olhou para meu rosto estudando não sei o quê e logo seus olhos caíram em meu braço ainda roxo, que me apressei em tampar.
— Você namorava o filho do John? — Ele pareceu perguntar isso para si mesmo, e fiquei confusa quando ele riu de algo.
— A dívida que temos é de cinquenta mil dólares. — Disse.
— Deixa-me ver se entendi. Você quer que eu dê esse dinheiro para você? — Falou como se fosse engraçado.
— Não, emprestar.
— E como pretende me pagar?
— Dou um jeito de pagar, nem que isso dure anos. — Ele riu outra vez.
— A resposta é não. — Senti as lágrimas descerem por meus olhos.
— Senhor Del Frari, por favor, eu preciso de ajuda. Minha irmãzinha, que é adotada, pode ser tirada de nós, podemos morar debaixo da ponte.
— Nunca terão esse dinheiro para me pagar. Eu poderia dá-lo, pois não vai me fazer falta, mas não faz sentido eu dar meu dinheiro para pessoas que eu nem sequer sabia da existência. — Respirei fundo engolindo tudo, até mesmo minha dignidade.
Deus! Onde eu cheguei para conseguir dinheiro?
Joguei-me de joelhos no chão, sem me importar se as pessoas estavam olhando ou não.
— Eu estou disposta a fazer o que for necessário. Por favor. — Meu choro era de soluçar, senti meu corpo tremer por tamanha humilhação.
Senti alguém me puxar.
— Nunca mais, ouviu? Nunca mais se ajoelhe diante de ninguém, mesmo que a sua vida esteja dependendo disso. — Ele disse em forma de ameaça.
— Não é só a minha vida que está em jogo. — Arregalei os meus olhos quando ele levou uma de suas mãos até o meu rosto e passou o polegar por uma lágrima que já iria descer pela minha face.
Olhei em seus olhos e, de novo, vi inocência em seu olhar.
Por que os olhos dele transmitem algo que sua personalidade não tem?