Horas depois, ao fim da fatídica festa e com a respiração normalizada, Elisabeth foi deixada no jardim coberto dos fundos para conversar a sós com seu noivo.
A ideia foi de seu avô. Ele queria dar a eles a oportunidade de se conhecerem sem tantas pessoas ao redor, sem o caos da doença dela, achando que o ar livre impediria outra crise. Elisabeth não teve coragem de dizer que culpa de sua crise era do rapaz com quem se casaria.
Com as mãos apertadas no colo, mantinha a cabeça baixa, sem entender como seu Destinado, de declarações apaixonadas, podia ser o garoto que a atormentava.
— Belo espetáculo, Bombi! — ele soltou próximo ao seu ouvido, fazendo-a inclinar-se para longe, o máximo que o banco permitia.
Ele riu, claramente satisfeito com sua reação.
— Sabia que ficaria assim, parecendo uma ratinha assustada, quando soubesse que sou seu noivo.
— Porque nunca me disse... que é meu noivo...? — perguntou em um murmúrio.
— E estragar a surpresa? Perder sua decadente crise de peixe fora d´agua?
Sem consideração nenhuma com os sentimentos dela, a imitou, fingindo perder o ar, os olhos virando, as feições bonitas transformando-se em uma carranca horrorosa. Ao fim, gargalhou.
— Sério, Bombi, valeu esses anos de silêncio.
— Você me odeia — disse com a voz embargada. — Suas cartas... Porque escreveu declarações tão bonitas se me odeia?
Andrew a fitou em silêncio, a cabeça inclinada, um sorriso zombeteiro cortando sua face.
— Não te odeio, Bombi. Não sinto nada por você — ele declarou com desdém. — Esse noivado é ideia dos nossos avôs. Jamais me envolveria com uma garota fraca, inútil e feia como você.
Incapaz de suportar as p************s do rapaz, sofrendo pela perda da ilusão criada pelas cartas dele, saiu correndo para longe. Poderia ter entrado na casa, mas lá estavam os familiares de ambos, comemorando o noivado deles e, mesmo sendo desprezada pelo noivo, havia em seu coração uma vozinha dizendo que seu Destinado apareceria, riria e diria que na verdade não era Andrew, era um homem diferente, que a amava.
Em meio a seu desespero e desilusão, até mesmo imaginou o próprio Andrew pedindo desculpa, dando alguma justificativa, loucura de amor, medo de admitir seus reais sentimentos, para dizer que na verdade a amava, que era o rapaz das cartas e não o garoto intimidante.
Parou ao sentir os pulmões em sofrimento. Puxou a bolsinha, dada por Carmem, retirou sua bombinha e a usou para aliviar a crise.
— Não deveria correr no escuro, ainda mais depois de uma crise.
Virou-se espantada para o rapaz alto, parado junto ao muro.
Como ele foi parar ali?
— Como...? Como...? — Tentou perguntar, mas seu cérebro parecia incapaz de finalizar a questão.
— Meus pais e os seus estão conversando sobre o casamento com o Andrew. Nossos avôs falando do passado. Decidi andar um pouco — Mikhael disse, respondendo a pergunta não completada.
— Ah... — soltou, ainda não compreendendo o motivo dele estar no jardim dos fundos, distante da casa.
Então percebeu que também estava muito longe de casa, no escuro, com somente as luzes do lado de fora iluminando o ambiente. Sozinha com um rapaz que era à sombra de Andrew, o garoto que fazia de seus dias um inferno.
Recuou, decidindo que o melhor era voltar para a mansão, mas seu salto decidiu naquele momento afunda-se na terra molhada e causar sua queda, de cara na grama e na poça de água da chuva.
— Elisa!
Mikhael abaixou-se para ajuda-la a se erguer. Com ela segura em pé, afastou com suas mãos grandes as manchas de lama cobrindo a face branca como o luar.
Elisabeth o fitou, reparando o quanto ela grande em relação à estatura dela. Não que fosse uma surpresa de todo. Com seus 1,60 era pequena perto da maioria dos garotos, e Mikhael conseguia passar em muitos centímetros os rapazes da mesma idade, mesmo sempre se mantendo encurvado perto do irmão.
Em meio as suas divagações, um detalhe a tocou no fundo do coração.
— Você me chamou de Elisa.
Mikhael a encarou, ou pelo menos isso que parecia. Havia pouca luz e, com cabelos e olhos tão escuros, os traços dele se perdiam na noite.
— Hum, é seu nome, não é?
— Me chamo Elisabeth — explicou, logo deduzindo que Andrew, por chama-la de Elisa nas cartas, quando não a chamava de Bombi, levou o irmão a achar que esse era seu nome. — Mas não tem problema me chamar de Elisa — disse encabulada.
Podia estar enganada, e naquela escuridão era bem possível, mas algo lhe dizia que ele sorriu, e isso ficou ainda mais forte em sua intuição quando ele aconselhou com certa alegria na voz:
— Melhor voltar para o calor da sua casa, Elisa.
~*~
Durante todo o fim de semana Elisabeth sentiu-se triste e a aproximação da segunda só fez piorar seu estado.
A descoberta que Andrew era seu noivo, aliado aos insultos do rapaz após serem apresentados como noivos perturbavam seus pensamentos. Não entendia como alguém que escrevia palavras tão bonitas e gentis podia ser o garoto que a atormentava.
Em sua agonia e confusão, leio cada uma das cartas que ele lhe enviou, buscando nelas uma explicação para a diferença de tratamento, algo que conectasse a escrita ao rapaz.
A única e dura justificativa era a decepção. Apesar de dizer em suas cartas que não se importava com aparências, ele provavelmente se importava com a opinião dos outros.
Compreendia que não era exatamente uma garota bonita e deslumbrante como as moças que cercavam Andrew no colégio. Era muito magra e pálida, devido à sua saúde precária e a constante proteção dos pais, que impediam que saísse sem ser para o colégio. Seu cabelo tinha excesso de oleosidade, que nem lavar todo dia resolvia, e corte reto sem graça. E seu rosto era repleto de espinhas desde os onze anos. Sem contar os dentes tortos, que o aparelho metalizado só daria jeito em mais dois anos.
Se lidasse com todos esses pontos sabia que Andrew não teria vergonha de tê-la como noiva.
Conversaria com ele na segunda e encontraria nele o rapaz apaixonante das cartas. Ainda tinha medo dele, do tratamento intimidante, mas, agora que ambos sabiam que estavam destinados a casarem, e levando em consideração as cartas que ele lhe enviava, esperava que Andrew a tratasse melhor.
Além disso, as famílias dos dois estavam empolgados com o compromisso, tanto que ninguém reparou na lama no vestido de Elisabeth quando passou rapidamente por eles dizendo que estava tarde e se retiraria para dormir.
Deitou-se e apagou a luz do abajur. Porém não conseguiu dormir de imediato, ainda pensava e repensava em seu encontro decepcionante com o noivo.
Aliado a teoria que ele só lamentava aparência dela pelo que os outros diriam, deduziu que o avô dele tinha uma ponta de culpa. Assim como o dela, o avô de Andrew provavelmente exaltou sua beleza, sua cultura e bondade, dando ao jovem uma imagem idealizada. Descobrir que a noiva era o patinho feio da escola, a fraca e doente Bombi, só podia o decepciona-lo.
Precisavam mostrar um para o outro que eram os jovens das cartas apaixonadas, que ele poderia ser o gentil Destinado, e ela a Elisa, a garota dos sonhos que despertava sentimentos puros, de amor, no coração dele.
Inspirou fundo, mesmo ainda com certo receio de Andrew, seu amor pelas palavras apaixonadas lhe davam forças e esperança de se acertar com seu noivo. Necessitava do garoto das cartas, que enchia seu coração de alegria e amor.
~*~
Na segunda, mostrando pensar da mesma forma que ela, Andrew lhe mandou um bilhete através do irmão.
Assim que passou pelos portões do colégio, uma barreira humana se colocou a sua frente, as mãos estendendo um envelope idêntico aos que ela recebia todas as sextas.
Seu coração pulou acelerado, tanto por reconhecer o envelope com adesivo de rosa, quando por erguer os olhos e encontrar Mikhael curvado em sua direção.
Mesmo o rapaz nunca participar ativamente na intimidação de Andrew, ele por si só costumava deixar as pessoas inseguras e até assustadas, incluindo Elisabeth.
Diferente do irmão, que sempre sorria, mostrava-se agradável para a maioria das pessoas, misturava o uniforme com peças informais e tinha o cabelo num tom claro de castanho, que no sol parecia ouro. Mikhael sustentava diariamente uma expressão indiferente e soturna, sempre estava com o uniforme azul-marinho completo, incluindo o agasalho fechado até o pescoço, e seu cabelo escuro como carvão alcançava seus ombros. Por sempre manter-se levemente encurvado, provavelmente por vergonha de se destacar dos outros alunos, o olhar de Mikhael ficava praticamente oculto pelo cabelo desgrenhado.
— Andrew pediu pra te entregar — ele disse com tom suave, um contraste gritante com sua aparência soturna.
Aceitou e o observou se afastar até sumir no corredor.
Voltando seus olhos para o envelope, Elisabeth sentiu uma onda de felicidade atingi-la. Ansiosa abriu e leu as poucas linhas. Ele só pedia para conversarem na hora do intervalo, nada além disso, mas deu a Elisabeth a certeza que, assim como ela, ele passou o fim de semana pensando sobre os dois e decidiu dar ao noivado deles uma chance, justamente pensando nas cartas apaixonadas que trocavam.
Com um risinho apaixonado, estreitou a carta contra o coração e seguiu para as aulas, ansiosa pelo intervalo.
~*~
Caminhando em direção ao pátio, lugar em que Andrew a aguardava, Elisabeth notou que era o foco da atenção dos colegas. Mesmo tensa, estranhando o comportamento dos demais, com a carta apertada contra o peito, seguiu de cabeça baixa para o ponto indicado por seu noivo.
Aos poucos algumas risadas e vozes, masculinas e femininas, alcançavam seus ouvidos.
— Essa é a noiva do Andrew? Coitado!
— Sério, que ela acha que vai se casar com ele.
— Pobre coitada!
— Pobre nada! Certeza que os pais riquinhos que conseguiram esse milagre casamenteiro.
Ignorou todos os comentários maldosos, provas de que esse de fato era o motivo da rejeição de Andrew, a opinião c***l dos outros. Não ligaria para eles. O único que lhe importava era se entender com seu noivo, resgatar o rapaz das cartas que tanto amava, mostrar que ele poderia enxerga-la para além de sua aparência. Certamente, depois de uma longa conversa, mostrariam que eram as pessoas gentis e amorosas das cartas, destinados um ao outro.
Ao alcançar o ponto de encontro, ergueu o rosto... E viu Andrew aos beijos com uma garota, na frente de todos, mesmo com o anúncio do noivado deles agora ser de conhecimento dos colegas.