Capítulo quatro

1709 Words
Sarah acordou com a sensação de que não tinha dormido nada. Ela ficou na cama, juntando aos poucos o desastre que era seu casamento e se perguntou para onde iria a partir dali. Parte dela sempre soube que Lucas nunca teria sentimentos por ela e que era tolice esperar o contrário. Provavelmente ele havia esquecido completamente do incidente no pátio da escola. Era claro que ele não se lembrava dela. Miau? Ela virou a cabeça para ver um dos gatos de Ya-Ya olhando para ela da mesa de cabeceira.  Vagamente, ela se perguntou qual era o nome desse. Sempre havia vários gatos por perto e Ya-Ya conseguia distinguir um do outro facilmente. Como eles eram sempre pretos, era impossível para qualquer outra pessoa. Sarah olhou de volta para o teto, não querendo reconhecer a luz do sol passando pelas persianas. Enquanto ela se mantivesse na cama, o tempo iria parar. Não querendo ser ignorado, o gato pulou na cama e se enroscou ao lado dela. Uma vez acomodado, ronronava contente. Distraída, ela acariciava o pelo preto macio, ouvindo seu ronronar suave e constante. O som lentamente se infiltrava nela, aliviando sua ansiedade e embalando-a para dormir. Ela não tinha certeza de quanto tempo cochilou antes de ouvir o choro do bebê no quarto ao lado. Poucos minutos depois, Aubrey estava de pé, atravessando silenciosamente o corredor para acalmar o bebê inquieto e faminto. Sarah ouvia os sons ternos da mãe e do bebê. Sua visão embaçou. Ela estendeu a mão para enxugar as lágrimas que vieram sem pedir. Como seria despertar pelo seu próprio precioso pequenino? Segurar um pacotinho sabendo que eles seriam seu mundo inteiro, e vice-versa? Agora que seu casamento havia acabado, ela supunha que nunca saberia. Nunca experimentaria essa alegria. Seu corpo estremeceu com uma nova onda de tristeza. Era por isso que esse fracasso doía tanto? Não era apenas sobre ela e Lucas, mas sobre o que eles nunca compartilhariam juntos. Os sons do quarto ao lado diminuíram enquanto Aubrey descia escadas, sem dúvida para começar o café da manhã. Ya-Ya era madrugadora, mas Aubrey não. Talvez ter um bebê tenha mudado seus hábitos. Sarah permaneceu deitada por mais alguns minutos antes de se levantar relutantemente. Ela não podia esperar que o tempo parasse para sempre. Vestindo seu suéter sobre a regata que Aubrey havia emprestado na noite anterior, Sarah desceu as escadas com o gato a seguindo. Como esperado, os cheiros a tentaram na cozinha. Lá ela encontrou Aubrey adicionando generosamente canela e baunilha a uma mistura de ovos, preparando a rabanada. O rádio tocava baixinho, respeitando as pessoas que possivelmente ainda dormiam na casa, enquanto Aubrey dançava ao som da música. Sarah segurou o riso. Era exatamente como nos dias da faculdade, no apertado e pequeno apartamento deles. Tarde da noite, eles se reuniam na cozinha, dançando ao som do rádio enquanto faziam suas refeições da meia-noite. Algumas coisas nunca mudavam. Seu olhar se desviou para a mesa, onde Jamie estava deitado em sua cadeirinha, se remexendo feliz ao som da música. Algumas coisas nunca mudavam... felizmente algumas mudavam. "Bom dia, Bella Adormecida.", cumprimentou Aubrey, surpreendendo Sarah de seus pensamentos. "Bom dia.", Sarah se aproximou da mesa. "Rabanada?" "Estava com vontade de algo doce.", Aubrey mexeu a cabeça. "Ei, Jim." Sarah seguiu o olhar para ver que o gato havia seguido ela, "O nome dele é Jim? Eu estava curiosa já que ele decidiu visitar e se aninhar na cama comigo." "Ele se aninhou na cama com você? Ele deve gostar de você. Ele nunca se aninhou comigo." "Como você sabe que esse é Jim? Eu pensei que todos eles se parecessem." "Eles se parecem, mas Jim é o único que entra em casa. Os outros são muito ferozes.", explicou Aubrey. "Como você dormiu?" "Bem." Virando-se, Aubrey a encarou com um olhar de advertência, "Garota, eu sei que você não acabou de me dizer 'bem'. Não ouse mentir para mim. Você está falando comigo." Sarah prendeu a respiração, inquieta. "Eu m*l consegui dormir um pouquinho." Aubrey assentiu e esperou que ela continuasse. "Eu fico revivendo tudo. Pensando se talvez eu tivesse feito algo diferente... talvez as coisas pudessem ter sido diferentes, mas acabou." Sarah balançou a cabeça. "Eu me sinto tão i****a. Não é como se ele nunca se importasse comigo desde o começo. Ele deixou isso bem claro na noite do nosso casamento." "Que idiota.", Aubrey balançou a cabeça. "Tenho vontade de pegar o próximo voo para Nova York e dar umas boas palmadas nele." "Por favor, não faça isso.", Sarah pediu. "Acabou, então vamos seguir em frente." "E você não precisará voltar?" "Não. O tio Tailor disse que, a menos que ele conteste o acordo do divórcio, eu não serei necessária. Não estou levando nenhum dos bens, então não há motivo para que ele conteste." "Você deveria tirar tudo o que puder dele e fazê-lo rastejar."      "Não preciso de nada disso e não preciso que ele rasteje. Encaremos os fatos, minhas expectativas eram muito altas.", suspirou Sarah. "Pensei que com o tempo, pelo menos seríamos amigas." "Chega de conversa deprimente.", declarou Aubrey. "Vamos falar de algo importante, como o Mardi Gras. Logo estará aí e, garota, você precisa disso." "Acho que não estarei no clima de festa por um tempo." "Não com uma atitude assim.", Aubrey olhou para o rádio ouvindo um riff familiar. "Vamos trabalhar nisso agora mesmo." Ela se aproximou do rádio e aumentou o volume, inundando a cozinha com "It's My Life" do Bon Jovi. Pegando a espátula, Aubrey segurou como um microfone e cantou o mais alto que pôde: "This ain't a song for the broken-hearted.No silent prayer for faith-departed…I ain't gonna be just a face in the crowd. You're gonna hear my voice when I shout it out loud... It's my life, it's now or never…I ain't gonna live forever…I just want to live while I'm alive…" Sarah revirou os olhos, tentando não rir enquanto Aubrey dançava pela cozinha como se estivesse no palco. Aubrey tinha uma voz um tanto rouca quando cantava, mas nunca se importava com o que os outros pensavam. A música era alimento para a alma e feita para ser aproveitada. Se as pessoas não gostassem da maneira como ela aproveitava, poderiam usar protetores auriculares. "Vamos lá, garota!", chamou Aubrey. "Sei que você sabe a letra! My heart is like an open highway. Like Frankie said: ‘I did it my way’.I just wanna live while I'm alive…It's my life!”    Sarah hesitou por um momento antes de permitir que Aubrey a puxasse para levantar-se e pegou a espátula quando o segundo verso começou: "This is for the ones who stood their ground. For Tommy and Gina who never backed down. Tomorrow's getting harder, make no mistake Luck ain't even lucky, got to make your owns breaks…”    "Isso aí, garota!", riu Aubrey enquanto dançavam e cantavam para sua plateia, enquanto o bebê observava do seu assento. "It's my life, it's now or never. I ain't gonna live forever. I just want to live while I'm alive…My heart is like an open highway. Like Frankie said: ‘I did it my way’. I just wanna live while I'm alive.'Cause it's my life!    "Better stand tall when they're calling you out.", disse Sarah. "Better stand tall when they're calling you out.", retrucou Aubrey antes de cantarem juntas: "It's my life, it's now or never. I ain't gonna live forever. I just want to live while I'm alive… My heart is like an open highway. Like Frankie said:’I did it my way’. I just wanna live while I'm alive… It's my life! Quando o último riff desapareceu, Aubrey e Sarah se abraçaram, rindo. Pela primeira vez em meses, Sarah se sentiu mais leve. Era bom relaxar e esquecer. Em sua cadeira, Jamie levantou os braços e balbuciou como se pedisse um bis. "Parece que estamos nos divertindo aqui.", disse Ya-Ya ao entrar carregando uma pequena cesta. Hoje, Ya-Ya usava uma blusa dourada brilhante e uma saia com padrão tie-dye verde. Seu cabelo preto e comprido estava domado por um laço vermelho. Grandes brincos de argola pendiam de suas orelhas, e um cristal roxo brilhava em um colar simples de couro. Ambos os braços tinham várias pulseiras feitas de contas e pedras de cores variadas, todas significando diferentes aspectos: felicidade, abundância, saúde. Mesmo que não fossem pelos gatos e corvos que frequentavam a propriedade, era fácil ver como Ya-Ya ganhou seu apelido, Bruxa de Baudin. Era um nome que levava muito a sério e com muito orgulho. "Ah, Ya-Ya, desculpe se te acordamos.", disse Sarah, tentando se acalmar enquanto Aubrey pegava a espátula e voltava ao trabalho. "Querida, não ouse se desculpar por se divertir.", repreendeu Ya-Ya. Sarah enrubescia. "Venha aqui e deixe-me dar uma olhada em você.", Ya-Ya colocou sua cesta no chão para segurar o rosto de Sarah em suas mãos. "Bom. Você recuperou um pouco de cor nas suas bochechas. Não consigo te dizer o quanto estava preocupada quando você chegou. Você parecia ter visto um fantasma". "Sinto muito por isso." "Você não precisa se desculpar.", Ya-Ya rejeitou sua preocupação. "Você é sempre bem-vinda aqui. Eu te disse antes: nossa casa é sua casa." "Obrigada." "Então quais são seus planos para hoje?" perguntou Ya-Ya. "Bem, precisamos fazer compras.", disse Aubrey. "Esse ser aqui saiu de Nova York apenas com as roupas do corpo e, por mais que eu não me importe em compartilhar... há algumas peças de roupa que são sagradas." A dupla deu risada. Na faculdade, elas frequentemente invadiam os armários uma da outra, mas tinham uma regra muito rígida. As gavetas de roupa íntima eram proibidas. Curiosamente, a regra não se aplicava a maiôs. "Ótimo. Vocês duas podem ir fazer compras.", concordou Ya-Ya, fazendo cócegas nas bochechas de Jamie. "Meu docinho e eu ficaremos aqui para que vocês possam colocar o papo em dia."          "Ouviu isso?" Aubrey exigiu olhando para Sarah. "Eu dei à luz a ele, mas ele pertence a ela." "Ah, cale a boca.", disse Ya-Ya. "Você vai cozinhar ou está apenas posando para o Louisiana Cookin'?" Aubrey sacudiu a espátula para sua tia como advertência. Em seguida, ela voltou para a chapa e continuou de onde parou. Em breve, o cheiro de rabanadas enchia a cozinha aconchegante.
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