SERENA
Eu fui deixada em um orfanato quando era um bebezinho.
A madre me levou direto para a enfermaria do convento, e o médico constatou que eu havia nascido naquele dia mesmo.
Meses depois, foi descoberto um grave problema em meu pulmão.
O médico falou que se tivessem descoberto nos exames de pré-natal, aumentaria consideravelmente as minhas chances de vida.
Passei pela primeira cirurgia quando ainda tinha só alguns meses, e por conta disso, só pude ser adotada pela primeira vez aos dois anos de idade.
Três meses depois que eu havia ido para o meu primeiro lar adotivo, eu tive uma grave crise respiratória. O casal que me adotou ficou tão desesperado que decidiu me devolver para o orfanato.
Depois disso, passei por mais duas cirurgias, e só aos quatro anos fui adotada novamente.
Eu lembro claramente das birras que fiz em locais públicos para que aquele casal me mandasse de volta para o orfanato, e sinto dó deles por isso.
Eles eram boas pessoas, mas a idiot@ aqui achava que a mamãe arrependida iria voltar para buscá-la, então até os meus dezoito anos, eu me certifiquei de voltar de cada lar adotivo que eu tinha sido levada.
***
As meninas geralmente quando brincam de boneca, fazem delas suas filhas. No meu caso, a minha boneca era a minha mãe.
A cena dela chegando arrependida por ter me abandonado era muito real na minha cabeça, e eu recriei ela várias vezes enquanto brincava com a minha boneca no quarto ou no pátio do orfanato. Eu lembro que eu chegava a simular até um charminho que eu faria, mas logo a perdoaria e daria aquele tão sonhado abraço nela.
Sempre que alguma irmã do convento nos levava para brincar no parque, eu ficava acenando para ela, fugindo que ela era a minha mãe.
Quando eu ia dormir, eu fechava os meus olhos e imaginava sua voz contando uma história para mim. Eu chegava a sentir o seu beijo em minha testa.
[...]
Recentemente, eu estava andando pela rua, e percebi que estava sendo seguida.
Eu fiz com que as pessoas me seguissem até uma viela deserta, e ao chegar lá, apontei a minha arma para eles.
Eu não costumo tremer na base. Encaro cada missão de peito aberto e até gosto de toda aquela adrenalina, mas nesse dia o meu corpo inteiro tremeu.
Eu estava na frente de ninguém mais ninguém menos do que o temido e lendário Guepardo.
O Guepardo era um tipo de justiceiro. Ninguém conhecia o seu rosto, mas ele aterrorizava assassinos, estuprador£s assediador£s e vermes que extorquiam comerciantes humildes.
Diferente dos agentes secretos que apenas vão lá e atiram para matar, o Guepardo usava requintes de crueldade. Quando se tratava de crimes contra mulheres, aquela fera era ainda mais c***l.
Eu havia descoberto sua identidade no dia anterior, quando ele matou um delegado de Grosseto envolvido em várias coisas erradas.
O taco de beisebol enfiado no rab0, que era meio que uma marca registrada dele para estuprador£s, foi a primeira foto que o chefe da agência me mostrou.
Por que ele me mostrou a foto? Porque eu tinha sido designada para atirar no delegado Francesco, em um outro policial e salvar a vida de um delegado de Roma que havia sido sequestrado por eles.
Acabou dando tudo errado, porque o tal Francesco havia sido atingido por um tiro que eu sabia que tinha vindo de um outro sniper, mas ainda assim eu consegui matar o outro policial.
Enfim, eu tive que sair do local, mas já tinha visto o rosto do Guepardo.
***
Naquele primeiro momento, eu achei que o Guepardo tinha vindo atrás de mim porque sabia que eu havia descoberto sua identidade, mas logo a minha teoria caiu por terra, visto que eu acompanhava a muito tempo tudo relacionado a ele, e uma coisa que eu sabia era que ele não matava pessoas inocentes.
Ainda assim, o motivo daquela abordagem ainda era um mistério.
— Calma — ele falou colocando as mãos para o alto em sinal de rendição e protegendo a moça que estava com ele, a colocando atrás dele. — Nós só queremos conversar.
Eu deixei bem claro que sabia quem ele era, e pude vê o espanto em seu rosto.
Ele começou a se explicar, parecia se importar com o que eu estava pensando.
Aquilo era bem diferente da personalidade que eu achei que o Guepardo teria. Na minha imaginação, eu sempre achei que ele era um homem frio e que não ligava para a opinião de ninguém.
Depois de algum tempo de conversa, eles me disseram que eu era idêntica a uma irmã do Guepardo que morreu aos quatorze anos.
Alice havia tirado a própria vida depois de ser abusada por anos pelo próprio pai.
"Só de pensar que esse verme, perverso e doentio pode ser o meu pai biológico, me dá náuseas"
A moça que estava com o Guepardo fazia muitas perguntas, e a princípio eu não estava segura se poderia ou não responder, mas fui entendendo tudo aos poucos.
A princípio, aquela abordagem foi porque o Guepardo imaginou que por algum motivo a sua irmã pudesse estar viva. Logo depois que eu falei o meu nome e que havia vivido entre o orfanato e lares adotivos, eles chegaram à conclusão de que eu e a sua irmã Alice poderíamos ser irmãs gêmeas, visto que não só tínhamos a mesma idade, como eu fui deixada no orfanato exatamente no mesmo dia do nascimento da Alice.
Nós combinamos que no dia seguinte iriamos até Nápoles confrontar a sua mãe.
Nosso grau de parentesco era praticamente certo. Não tinha a menor possibilidade de tudo aquilo ser uma grande coincidência.
***
Talvez eu não devesse criar grandes expectativas em relação a minha mãe, visto que não foi nada legal o que o Angelo falou dela. Ah... O Guepardo na verdade se chama Angelo.
Mesmo tentando me manter indiferente, naquela noite eu não consegui pregar o olho. Sabe o que é você passar toda sua vida imaginando como é o rosto, a voz, os trejeitos de alguém?
Eu estava indo ver a pessoa que mesmo estando longe, manipulou a trajetória da minha vida.
Desde que eu saí do orfanato, eu tenho me perguntado muito como seria minha vida se eu tivesse permanecido em algum daqueles lares adotivos.
[...]
Chegamos na casa da minha mãe e ela olhou para mim com espanto. Não um espanto de felicidade, mas um espanto de surpresa. Ela sabia do meu problema no pulmão e achou que eu não teria sobrevivido.
Eu cheguei à conclusão de que ela achava que eu iria morrer, então só quis se livrar do problema antes do tempo.
Eu nunca me senti tão m*l em toda minha vida. Aquela mulher era fria e desprezível.
Eu nunca fui de me vitimizar, sempre fui extrovertida e ao mesmo tempo durona. Era popular na escola do convento e sempre guardava para mim as frustrações por causa dessa mulher.
Ainda assim mexeu comigo vê que ela não demostrava nenhum tipo de emoção.
Remorso? Acho que ela nem sabe o que essa palavra significa.
Eu fui ficando tão angustiada dentro daquela casa, que eu cheguei a me sentir sufocada. Conhecer aquela mulher foi um verdadeiro balde de água fria nas expectativas que eu tinha sobre ela. Eu cheguei a me perguntar se não seria melhor se eu nunca a tivesse conhecido, mas não demorou para eu chegar a conclusão de que a verdade por mais que doa, é sempre a melhor opção.
E sabe de uma coisa? Eu posso não ter um pai e uma mãe, mas tinha conhecido um irmão e uma cunhada que são incríveis, e de quebra ainda fiquei sabendo da existência de um outro irmão, gêmeo do Angelo, e que havia sido deixado no mesmo orfanato que eu. Mas isso é história para um outro momento.