Nosso Legado

1713 Words
Assim que saíram do aeroporto, dois carros já estavam à espera deles. Hellen observou com surpresa quando os dois homens, que estavam aguardando, praticamente se ajoelharam diante de seu pai, como se ele fosse uma entidade divina. Eles falavam em um italiano rápido e complexo, com uma reverência evidente em suas vozes. Hellen entendeu o suficiente para captar o essencial da conversa. "A casa de Cross já está pronta para recebê-los, Don Didion", disseram, os olhos dos homens brilhando de excitação por estarem na presença de uma lenda viva. "Estamos honrados de tê-lo de volta." Cross, com a expressão dura, os corrigiu sem rodeios. "Meu filho, Marcos, é o Don agora. Eu sou apenas a Peste Negra." Hellen percebeu como um dos homens tremeu levemente ao ouvir as palavras do pai. O sutil aviso na fala de Cross não passou despercebido. Ele ainda era alguém a ser temido, mesmo que agora estivesse em um papel mais retirado. Aquilo não era uma simples correção, mas uma reafirmação de sua posição, um lembrete de que seu poder ainda estava ali, latente, pronto para ser liberado se necessário. Enquanto a maioria dos homens embarcava em um carro estilo utilitário, Hellen e Cross foram conduzidos a um carro de luxo. Ela manteve a expressão neutra, como uma soldado em uma missão, mas assim que se viu sozinha com o pai no banco de trás, o silêncio que se seguiu a fez não segurar a curiosidade. "Você tem uma casa em Veneza?" perguntou ela, quebrando a tensão, mas tentando manter o tom casual. Cross deu de ombros, sem parecer muito impressionado com a pergunta. "Devo ter uma casa em cada cidade importante da Itália, minha filha. Ou esqueceu que este é meu país?" Hellen não podia negar que sabia pouco sobre a vida de seu pai antes de ele se mudar para os Estados Unidos, e aquilo era um lembrete claro. Antes que pudesse perguntar mais, o carro parou de forma abrupta. Ela franziu o cenho, olhando confusa para o pai, que não parecia nem um pouco surpreso. "Já chegamos?" questionou, olhando ao redor. Mas ao sair do carro, Hellen viu que não estavam em uma casa ou mansão, mas em um cais. Uma pequena, porém moderna lancha os aguardava, com sua estrutura elegante, flutuando calmamente nas águas de Veneza. Hellen não pôde evitar sorrir ao ver aquilo. "O que foi?" perguntou Cross, notando o sorriso dela. "Esqueceu que estamos em Veneza, a cidade das águas?" Ela riu de leve, balançando a cabeça. Veneza sempre lhe parecera um lugar mágico, quase surreal, das histórias que ouvira, mas agora estava ali, vivenciando tudo aquilo. Ao embarcarem na lancha, Hellen aproveitou o momento para observar os detalhes da cidade. Conforme a lancha começava a navegar pelos estreitos canais, Veneza revelava sua beleza única. As ruas de pedra e as construções antigas se erguiam majestosamente nas margens, como guardiãs de uma história antiga. As pontes de arco, ligando uma parte da cidade a outra, davam um charme extra, com suas passagens estreitas sobre a água, que refletia as luzes suaves do início da noite. Os prédios de tons terrosos, com venezianas coloridas e varandas adornadas com flores, pareciam suspensos no tempo. Gôndolas passavam ocasionalmente, com turistas e moradores sendo transportados de um lado para o outro, enquanto o som leve da água batendo nas laterais da lancha criava uma melodia tranquila. O movimento da lancha era suave, quase hipnótico, e Hellen se perdeu por um momento naquela atmosfera. Cruzar a cidade de barco era uma experiência completamente nova para ela, e de alguma forma, aquela sensação a fez relaxar um pouco, embora seu coração ainda estivesse acelerado por estar tão perto de reencontrar Mateo. O pai, sentado ao lado dela, não parecia tão impressionado quanto ela com a beleza do lugar. Para Cross, aquilo era apenas mais um dia na Itália, mais um pedaço de território que já fora seu. Mesmo assim, Hellen sabia que ele estava em alerta máximo, observando tudo ao redor, preparado para qualquer eventualidade. Ninguém mexeria com sua filha sem enfrentar a ira da "Peste n***a". Eles seguiram pelos canais, passando por palácios antigos, igrejas com cúpulas imponentes, e praças que, mesmo àquela hora, ainda mantinham a agitação dos turistas. A água refletia as luzes douradas das janelas e das luminárias, criando uma visão que parecia saída de um quadro renascentista. Hellen observava cada detalhe, encantada. Ela m*l podia acreditar que estava finalmente ali, em Veneza, a cidade que tanto ouvira falar, agora a caminho de uma mansão que ela sequer sabia que existia. Depois de um tempo, a lancha começou a diminuir a velocidade, aproximando-se de um cais particular. Quando finalmente atracaram, Hellen saiu da embarcação com a mesma postura rígida que mantivera desde que desembarcara no aeroporto. Ela não estava ali como uma turista, mas como uma representante da máfia Didion, e precisava manter essa imagem. A mansão que se erguia à frente deles era imponente, com uma fachada de mármore claro, colunas que sustentavam a entrada e grandes janelas com cortinas pesadas. O lugar exalava riqueza e poder. Cross saiu da lancha logo atrás dela, com a expressão de quem já estava acostumado a ser recebido em grandes palácios. "Bem-vinda à minha antiga casa", disse ele, com um meio sorriso. Hellen olhou para ele de lado, sem conseguir esconder a surpresa . "Antiga casa? Isso aqui parece um palácio." Cross deu de ombros novamente. "Apenas um dos muitos que já foram meus. Prepare-se, filha, porque esta será apenas a primeira de muitas surpresas." A casa de Cross, que se erguia em meio aos canais de Veneza, era uma obra-prima de arquitetura veneziana. Assim que Hellen e seu pai entraram pela grande porta de madeira esculpida, foram recebidos por uma infinidade de criados, que faziam reverências profundas. Tudo ali estava impecavelmente limpo e organizado, como se o retorno de Cross fosse aguardado há muito tempo. Os pisos de mármore polido brilhavam sob a luz suave dos lustres de cristal que pendiam do teto. As paredes estavam adornadas com tapeçarias renascentistas e quadros antigos, retratando cenas clássicas de Veneza. O hall de entrada era amplo, com uma escadaria central de mármore que levava ao andar superior. O corrimão dourado reluzia sob a luz, e ao redor, colunas de estilo coríntio sustentavam o teto alto, decorado com pinturas de anjos e nuvens, em uma clara referência aos tempos áureos da cidade. Cada detalhe da casa era meticulosamente pensado, refletindo o gosto refinado de Cross e sua herança italiana. Cross caminhava à frente com a calma de quem estava completamente à vontade, como se nunca tivesse saído dali. Os criados, todos vestidos de forma impecável, seguiam suas ordens silenciosas com um respeito quase reverencial. Hellen observava tudo com uma expressão neutra, mas por dentro estava impressionada. A casa exalava poder e história, como se tivesse sido preservada através das gerações para aquele momento específico. Os homens, incluindo Hugo, foram conduzidos discretamente para os quartos no andar de baixo. Eles passariam a noite em acomodações luxuosas, porém menos extravagantes que as do andar superior. O andar de cima, reservado para Cross e Hellen, era claramente o mais imponente da casa. Quando Hellen finalmente chegou ao seu quarto, ficou surpresa. Era um verdadeiro quarto de rainha. As janelas arqueadas se abriam para uma vista incrível dos canais de Veneza, e cortinas pesadas de veludo vermelho adornavam as aberturas. O chão era coberto por um tapete persa, e o centro do quarto era dominado por uma cama de dossel, com lençóis de seda que brilhavam à luz das velas espalhadas pelos cantos. O teto tinha afrescos detalhados, retratando cenas da mitologia italiana, enquanto os móveis eram todos em estilo barroco, com acabamentos dourados e detalhes esculpidos à mão. A penteadeira, com um grande espelho de moldura dourada, refletia o brilho suave das lamparinas que iluminavam o ambiente. Ao lado da cama, uma poltrona de veludo, em um tom bordô profundo, parecia convidar ao descanso. Hellen observou o quarto por alguns instantes, sentindo-se imersa naquele luxo. Tudo ali parecia ter sido preparado especialmente para ela, como se cada detalhe estivesse à espera de sua chegada. Era como se o tempo tivesse parado naquela casa, preservando a grandeza do passado de Cross e esperando seu retorno. Cross, por sua vez, a observava de perto enquanto subia as escadas e se dirigia ao seu próprio quarto. Ele notava o brilho nos olhos da filha, mesmo que ela tentasse manter a compostura. Apesar de Hellen estar ali representando a máfia Didion, não havia como negar que aquele lugar a afetava. O peso da história, da sua linhagem, parecia finalmente cair sobre seus ombros. Assim que entraram no corredor do andar superior, Cross pigarreou, quebrando o silêncio: "Lembre-se, Hellen, que este é o nosso legado. Nada aqui foi dado, tudo foi conquistado com sangue e suor. E agora, você faz parte disso." Hellen apenas assentiu, sem conseguir encontrar palavras. O silêncio que seguiu era pesado, carregado de significados que ambos entendiam perfeitamente. O quarto de Cross, ao lado do de Hellen, tinha um ar igualmente imponente. Ao entrar, ele sentiu um leve formigamento de nostalgia. Ali, ele havia passado muitos anos antes de se mudar para a América, e o quarto estava exatamente como ele se lembrava. Impecável. Enquanto Cross se acomodava, Hellen se permitiu sentar na beirada da cama, alisando com a mão os lençóis finos. Ela finalmente relaxou por um momento, embora sua mente ainda estivesse a mil. A viagem até ali tinha sido apenas o começo. Nos próximos dias, ela teria que manter sua postura firme, representar a máfia Didion e, ao mesmo tempo, encontrar Mateo. Mas ali, naquele quarto luxuoso e em meio à história de sua família, ela se permitiu uma pequena pausa. O silêncio da casa, quebrado apenas pelo som distante dos criados lá embaixo, lhe deu uma rara sensação de paz. A casa inteira era um reflexo do poder de Cross, de seu passado brutal e vitorioso. Mas, ao mesmo tempo, era um lembrete do que Hellen agora precisava fazer. Ela tinha grandes responsabilidades à sua frente, e o reencontro com Mateo se aproximava. Ela não sabia o que o futuro reservava, mas, por ora, estava preparada para encarar o que viesse, como a guerreira que havia se tornado.
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