Naquela segunda feira eu me levantei mais desanimado como de costume. Depois de ter passado o domingo inteiro dormindo, e respondendo as cem mensagens de Deborah. Eu finalmente tomei uma decisão; Eu ia trabalhar! Eu sei que você pensou... "Ele já tem um emprego!" Mas eu estava falando sério!! Eu ia receber algum paciente, o primeiro que aparecesse... Que me ligasse marcando um horário, eu ia atende-lo.
Desci as escadas e fui para a cozinha.
- Bom dia Naná!
- Bom dia Pither! Seu café. Ela me entregou a xícara e ficou me observando por alguns instantes.
- O que foi? Perguntei analisando a mim mesmo. - Tenho alguma coisa de errado?
- De errado não! Mais de estranho sim... Ela sorriu. - Você de camisa social, jaléco e indo trabalhar antes das nove horas... hum...Tá tudo bem ?
Tomei um gole de café e me encostei na porta.
- Hoje eu acordei um trapo! Pensei diversas vezes em nem ir pro consultório. Mas depois pensei! Vai adiantar eu ficar aqui me lamentando? Dei de ombros.
Naná também se serviu de uma xícara de café.
- E o que pretende fazer?
Tomei o restante do café e entreguei a xícara á ela.
-Vou trabalhar Naná. E hoje é de verdade!
Beijei sua face e saí rápido da cozinha, antes pude ver o seu sorriso ao cruzar a porta.
══════ஜ▲ஜ══════
Cheguei na clínica, e percebi que papai parecia bem ocupado. Muitas pessoas aguardavam na recepção e sabia que não eram pra mim.
- Bom dia Doutor Pither!
- Bom dia! Pâmela na minha sala por favor!
Ela assentiu meio assustada. Pâmela sabia que eu não atendia ninguém e ficou se perguntando o que eu queria dessa vez. Entrei na minha sala, coloquei a minha pasta na cadeira e fiquei esperando-a. Quando uma batida soou na porta.
- Com licença Doutor?! No que posso ajudar ?
Pâmela entrou na sala e encostou a porta.
- Pâmela qual é a minha agenda pra hoje?
- O quê? Ela me respondeu tão rápido que a mesma se assustou com o seu jeito. -Desculpe Senhor mais eu cancelei todos os seus pacientes, há dias vem me pedindo isso...
Eu parei por um instante. Pâmela tinha razão eu estava em negação, não queria ver ninguém. Como posso pedir uma agenda!
- Tá! É verdade. Mas hoje ninguém me ligou? Nenhum paciente?... Nada?
- Sim... Ligou hoje cedo uma mulher. Parece que se trata de um orfanato.
- Um o que ? Perguntei confuso.
- Sim. Ela disse me que era diretora de um orfanato e queria marcar uma visita.
Andei por alguns instantes pela sala, e passei a mão pelo rosto.
- Pâmela! Liga para essa tal diretora, e marque uma visita com ela!
- O senhor tem certeza? Tive vontade de rir naquela hora, Pâmela parecia tão surpresa que m*l podia se conter.
- Sim Pâmela, ligue pra ela imediatamente! Depois volte a minha sala!
Ela saiu do consultório e meu celular começou a vibrar em cima da mesa, era ela a Déborah.
- Alô!
- Oi Amor, Bom dia! Como você está ?
- Bom dia! Eu vou bem e com você?
- Também... Te liguei pra gente almoçar juntos hoje!
" Nossa justo hoje que eu realmente estava disposto a trabalhar." Pensei.
- Então querida... É... Que hoje eu não sei que horas vou almoçar, estou com alguns pacientes. Nessa hora Pâmela bateu na porta outra vez.
- Entre!... Só um instante Déborah!
- Doutor! Eu liguei para a paciente ela deseja encontra-lo ainda hoje.
- Okay! Fiz um sinal para que Pâmela se sentasse, e continuei a conversa com Déborah. - Oii ta aí aínda?
- Estou... Então a gente não vai poder almoçar hoje?
- Que tal amanhã? Perguntei.
- Amanhã eu tenho compromisso...
- Tá! E hoje à noite? Sugeri.
- A noite eu não tenho nada! Déborah respondeu.
- Tabom! Tá marcado, a noite te pego pra jantar. Agora eu preciso desligar linda!
- Tá vê se não esquece. Até mais tarde. Eu já estou com saudades! Beijos!
- Tabom... Beijos. Eu desliguei o telefone antes que Déborah tivesse mais um assunto pra me dizer. Pâmela me olhava como se quisesse dizer alguma coisa.
- Diga Pâmela !
- Eu gostaria de Parabenizá-lo pelo seu noivado sábado com a Senhorita Déborah...
Franzi a testa meio intrigado:
- Aaaah então você já soube?!
- Sim Senhor! O Doutor Álvaro pediu que eu cancelasse todas as consultas de sábado, devido a esse evento...
- Obrigado... E a respeito da visita ao orfanato?
- Aah sim... Ela me entregou sua agenda. Eu coçava a minha barba enquanto analisava o endereço daquele lugar. Tive uma dúvida sobre a localização, foi quando percebi que Pâmela me olhava esquisito. Pude ver pelos óculos que ela me observava atentamente.
- Algum problema?
Pâmela desviou seu olhar, disfarçando-a.
- O doutor precisa de mim pra mais alguma coisa?
- Sim.. Pâmela. Você saberia me dizer onde fica esse orfanato?
Ela deu uma verificada no seu tablet.
- Aqui está! Fica na saída da cidade, perto da fronteira.
- Nossa tão longe assim? Pâmela sorriu.
- Doutor ela o espera as 13 horas. Mas alguma coisa?
- Sim ! Como chama essa tal diretora?
- Lúcia.
- Me mande a localização por favor...
══════ஜ▲ஜ══════
Eram quase meio dia quando cheguei em um posto de gasolina pra abastecer. Tinha andado quilômetros de rodovias e não sabia ao certo onde estava. Parei pra almoçar ali mesmo e aproveitei a boa vontade do garçom.
- Mais alguma coisa senhor ?
- Sim! Você poderia me dizer se estou perto desse lugar?
Mostrei a localização do orfanato no meu celular.O garçom ficou analisando e por alguns instantes me pareceu preocupado.
- O senhor tem certeza que é esse o lugar que procura?
- Sim, é esse! Estou perdido né?
- Não! Pra falar a verdade o senhor tá perto, é só retomar a sua rota e daqui uns sete quilômetros vai vê lo a sua esquerda. Sentido a uma estrada de terra.
- Okay! Muito obrigado... Mas se eu estou tão perto, por que ficou tão surpreso?
O garçom se aproximou de mim, e cochichou:
- É que ninguém nunca vai lá...
- E porque? Perguntei curioso.
- Dizem que é amaldiçoado!
- Okay! Obrigado é só isso mesmo!
O garçom se retirou e eu fiquei imaginando como as pessoas são tão más de mencionar um lugar onde crianças carentes residem, de amaldiçoado.
Terminei meu almoço, e voltei pra estrada. O garçom ficou me olhando pelo vidro, até eu sair daquele posto. Ignorei sua presença e continuei minha viagem. Passando seis quilômetros e meio eu pude ver a estrada de terra, e segui a esquerda como o garçom doido tinha mencionado. Alguns metros adiante e lá estava o lugar que eu procurava....
O Prédio era antigo, com muros alto e cerca elétrica, em frente tinha um portão enferrujado e ao lado uma campanhia. Em cima do portão tinha uma placa enorme que Dizia.
Orfanato Lar Boa Ventura
Desde 1989
Toquei a campainha duas vezes, e o portão se abriu. Um homem bem velho me recebeu, ele estava com um rastelo nas mãos e imaginei que fosse um jardineiro.
- Boa tarde!
- Boa tarde.. Ele me respondeu sorrindo.
- A Senhora Lúcia está ?
- O senhor é o médico?
- Sim sou eu... Respondi sorrindo pela simplicidade daquele senhor.
- Entre! Me acompanhe! Por favor...
Acompanhei aquele senhor e o portão se fechou, fazendo um barulho tão alto que dava impressão que estava caindo tudo pra baixo. Olhei pra atrás assustado, e depois continuei seguindo aquele senhor. Passamos por um corredor que precisava urgentemente de uma reforma, junto com todo o resto daquele lugar e depois passamos por um jardim. Apesar daquele lugar ser um orfanato não vi criança nenhuma, estava tudo muito calmo. E silêncio pra mim é sinal de alerta.
Entramos dentro daquela instituição,
depois de cruzarmos uma porta de ferro enorme, havia uma sala ali com um sofá a esquerda muito velho por sinal.
- Espere aqui. Vou anunciar sua chegada.
Assenti para o velho e fiquei imaginando, quem estaria precisando de mim num lugar desses.
- O Senhor pode entrar. Ele me disse e eu dispersei dos meus pensamentos e voltei para ele.
- Obrigado.
Entrei naquela sala e uma mulher um pouco menos de 40 anos se levantou de sua cadeira sorrindo. Ela me olhou de cima a baixo, me senti desconfortável naquele instante.
- Boa tarde. Doutor Pither de Fragma né?
- Sim! Boa tarde Senhora Lúcia..
- Encoste a porta por favor, as crianças estão em aula e talvez o barulho nos incomode.
Encostei aquela porta imaginando que barulho ela estava ouvindo se alí parecia não viver ninguém.
- Sente-se por favor. Confesso que quando liguei para a sua secretária, não pensei que o Doutor era tão jovem!
- Aah sim ... Por meu nome ser igual ao do meu avô as vezes confundem os pacientes! Respondi dando um meio sorriso.
- Entendo!E me perdoe o comentário mas o 'Doutor é muito bonito'!
Raspei minha garganta sem reação, nunca imaginaria que aquela senhora me diria isso.
- Seus olhos são verdes? Ela se aproximava mais com seus cotovelos sobre a mesa. - São lindos...
Franzi o cenho e retomei a conversa.
- Obrigado... Mas a senhora me chamou aqui, suponho que pra atender alguma criança?! Respondi incomodado.
- Sim... Na verdade não é bem uma criança e sim uma moça!
- Uma moça? Perguntei intrigado.
- Sim Doutor! Ela tem por volta dos 17 anos, e sofre com vários problemas mentais.
- E o que sucedeu para que ela ficasse assim?
A diretora girava sua cadeira pra lá e pra cá, como se tivesse medo de me dizer a verdade.
- Ela foi diagnosticada com esquizofrenia, depois de ter sofrido um grave acidente no orfanato.
- Nossa! Um acidente? Perguntei ainda mais interessado.
- Sim Doutor! Um acidente que ela mesmo provocou.
Fiquei preocupado com o caso dessa moça. E muito mais interessado ao mesmo tempo.
- Veja Doutor esse é o último laudo médico que ela teve.
Verifiquei e lá constava um caso sério de esquizofrenia e outros problemas que a garota possuía. E os remédios que ela tomava.
- Senhora Lúcia, esses medicamentos que ela toma são muito fortes não acha ?
- É preciso Doutor, ela já se portou muito agressiva com as colegas, tivemos que isola-la das demais.
- E como ela tem reagido aos medicamentos?
-Se ela tomar frequentemente conseguimos controla-la... Doutor essa garota é um caso inreversivel. Muitos médicos vieram aqui e não nos deram nenhuma esperança.
A diretora colocou suas mãos na mesa e aproximou o seu rosto um pouco pra frente como se quisesse me encarar.
- Doutor, eu conheço essa jovem praticamente desde que nasceu. Ela nunca obteve nenhuma melhora! Só estamos o senhor e eu aqui na sala. Se quiser pode transcrever esse laudo médico do Doutor '' Ferreira" e nós dois nos poupamos de momentos desagradáveis.
Aquela mulher continuou me olhando, como se quisesse me convencer de algo. Foi aí que me toquei, ela não queria que eu visse a garota.
Pisquei meus olhos duas vezes e desviei meu olhar do dela, que me observava como se eu fosse uma "torta de chocolate".
- Senhora Lúcia, agradeço a preocupação mais eu vou preferir ver esse caso de perto. Se me permite gostaria de conhecer essa garota para que eu fizesse o meu o próprio diagnóstico.
A diretora engoliu em seco, depois levantou-se da cadeira e passou por sua mesa.
- Me acompanhe por favor...
Levantei na hora e fui atrás daquela mulher. Passamos por um corredor e vi uma sala onde algumas crianças desenhava em seus cadernos, elas eram tão quietas que eu podia jurar que era uma sala para crianças especiais.
A diretora continuou andando e eu a seguia olhando para todos os lados. Eram corredores atrás de corredores.
Até que chegamos a uma escada de ferro, ela fazia um caracol e descemos por ali. Naquela hora entramos em um corredor escuro, com luminárias antigas, lâmpadas quase se apagando de tão velhas, me senti em um filme dos "Jogos Mortais".
No fim do corredor tinha um quarto, em frente a ele tinha um guarda, que mais parecia um guarda roupas.
- Cleiton, deixe o médico entrar ...
A diretora virou se pra mim e disse. -Vou estar lá em cima se precisar de alguma coisa o Cleiton está aqui. Volto em alguns minutos pra te buscar.
Ela se virou e foi embora, com seu salto ecoando pelos corredores vazios. Cleiton destrancava a porta, enquanto eu aguardava ao seu lado. Imaginando como seria feio o quadro que eu ia ver. Com certeza ela estaria numa situação deplorável de se ver. Um arrependimento bateu lá no fundo, pois o meu primeiro caso seria um assunto tão triste.
A porta se abriu fazendo um barulho rangendo-se de tão velha. Ele me deu sinal para que eu entrasse, e foi o que eu fiz. Entrei naquele quarto, e ele encostou a porta atrás de mim. Me virei e percebi que era um pouco escuro lá dentro, as paredes eram velhas e rachadas. O piso era chão queimado e um cheiro de mofo quase insuportável.
Quando olhei para o fundo dele, vi um abajur ligado, ao lado dele tinha uma cama de ferro. Semelhante aquelas de hospitais psiquiátricos.
Em cima dela havia uma moça . Ela parecia estar lendo um livro, me aproximei um pouco mais estreitando os olhos para enxergar melhor, e ela percebeu a minha presença.
Naquele momento vi quando ela foi abaixando o livro bem devagar até a altura do seu colo, e eu pude enfim ver o seu rosto. Fui me aproximando cada vez mais até chegar aos pés da cama. Eu não estava acreditando..." Uma Moça loira, cabelos compridos, e olhos azuis me encarava como se tivesse medo de mim. Meu Deus!Eu não acreditava no que via, era a coisa mais linda que eu já vi na vida.''
Fiquei observando-a por um momento, e quando tentei me aproximar mais ela tentou recuar. Então parei.. Fiquei imóvel naquele instante.
- Não tenha medo eu não vim te fazer mal...
E quando enfim ela me olhou outra vez eu não tinha dúvidas..." Era o reflexo de um anjo."