Celleney Peny.
Eu acordei, mais uma vez.
E não acordei na oficina, e tampouco no meu quarto, para o meu desespero.
Eu estou num quarto, não f**o, mas nada moderno também.
Literalmente um quarto daqueles de princesa da Disney, com arquitetura e ‘design’ clássico, extremamente bonito, mas definitivamente não o que eu queria ver e nem aonde eu queria estar.
Sem as minhas roupas, o que eu agradeço, porque estavam molhadas, mas não esperava estar vestida com uma bata de vovó assim que eu acordasse.
Neste momento eu estou, sentada na cama com a minha cabeça doendo e me recusando a acreditar na m***a que está acontecendo.
O que está acontecendo? Eu não estou entendendo.
Eu retiro às minhas mãos do rosto e vejo o Henrik se sentar na poltrona que está de frente para a cama em que estou, me encarando preocupado com os seus olhos verdes e o meu coração falha.
Ele é extremamente bonito.
Celleney, pelo amor de Deus.
- O doutor disse que está bem, não possui nenhum ferimento ou fratura. - ele diz descendo os seus olhos para os meus pés agora descalços e obviamente vermelhos e meio inchados.
Eu estive cerca de treze horas em cima deles, não era nenhuma novidade que estariam desse jeito, quando me livrasse deles.
- Mas os seus pés, estão marcados. - ele fala levantando novamente o seu olhar. - Senhorita Celleney, precisa me dizer o que aconteceu para que eu a possa ajudar, o que fazia na floresta, de onde veio? - ele questiona e cruza as suas mãos viris e atraentes, e o meu rosto ruboriza.
- Fugia de alguém? Alguém a fez algum m*l? - ele questiona sério e eu sinto o meu coração entalado na garganta.
Eu não sei dizer se eu estou feliz, pela descoberta que fiz, ou se simplesmente estou com medo.
Porque se ele não está a brincar comigo, a resposta para tudo isso, é a mais absurda possível, mas é apenas uma.
- Aqui está protegida, não tem com o que se preocupar. - ele me assegura e eu suspiro, enlouquecida, levando o meu olhar para esse relógio.
Vovô, era isso que o senhor quis dizer, com:
"Sabe, as melhores descobertas são feitas por meio da complexidade, Neyney." - ele disse e eu suspirei.
"O que vai descobrir com ele? Como ler às horas" - eu brinquei e ele sorriu.
"Provavelmente outro tipo de horário, ande venha ver."
Com "provavelmente outro tipo de horário" o senhor estava se referindo a p***a de viagem no tempo, senhor Peny?
Viagem no tempo, eu Celleney Peny-Mille, viajei no tempo?
O meu coração está extremamente acelerado.
Como isso é possível?
Isso não devia existir, era suposto essa história ser apenas ficção, para quê ele faria um relógio desses?
Para quê?
Como?
A minha cabeça quer explodir.
- Senhorita? - eu fiquei aqui olhando para ele como uma estátua.
Que porra...
Como eu explico uma coisa dessas?
Inquieta eu levanto-me, caminhando no mesmo lugar com os meus pés pedindo por descanso.
Isso é uma loucura.
Se acalme Celleney...
Ele levanta-se e eu paro o encarando.
- Em que ano nós estamos? - eu o questiono só para dar uma confirmada e ele me encara atenciosamente.
- Mil oitocentos e quarenta e cinco. - ele responde normalmente, sem piscar. - Hoje é dia sete de setembro. - ele fala e eu me sento, sentindo o meu coração falhar batidas seguidas, sentindo as minhas pernas enfraquecerem e colocando a mão na cabeça.
Como isso é possível?
- E você é um príncipe? - eu o questiono incrédula levantando o meu olhar novamente para ele. - De verdade? - eu o questiono tentando não tremer de nervosismo.
- Sim. - ele diz como se fosse óbvio. - Eu sou príncipe do Reino de Eldravia, e é aonde estamos neste momento. - ele explica pacientemente, sem tirar os seus olhos de mim.
Eldravia, eu me recordo desse nome, já devo ter lido esse nome em alguns dos livros do meu avô.
Eu nunca fui muito ligada a geografia e história, então se existe em dois mil e vinte e três esse reino, eu não faço a mínima ideia.
Deve existir, se o nome existe em livros.
Muitos países e reinos mudaram de nomes ao longo dos anos.
- O doutor afirmou que não sofreu nenhuma queda grave, mas parece que ainda está confusa. - a maneira dele falar não é forçada, para ao menos dizer que ele está ainda fingindo.
Isso é surreal.
Calma... uma coisa de casa vez Celleney.
Respira e pensa.
- Eu estou confusa porque nada faz sentido. - eu o confesso em pânico interno. - Eu não sou daqui. - e sinceramente não sei como vim parar aqui e tampouco como regressar.
Ele suspira e se senta novamente me observando.
- Me diga, de onde é. - ele diz calmante. - Se for de outra cidade, de outro reino ou continente, não precisa se agoniar os nossos navios podem levá-la de volta se assim desejar. - ele fala pacientemente e é incrível como a subtileza dele ao falar de certa forma, me deixa um por cento menos nervosa.
Ele apoia os seus braços nos seus joelhos, se ajustando na poltrona, cruzando as mãos, sem tirar o seu olhar penetrante e um tanto persuasivo de mim.
Como ele pode ser alguém do século XIX?
- Esclareça-me, está fugindo de alguém? - ele me questiona e eu suspiro fazendo um coque nos meus cabelos húmidos, que estão me deixando ainda mais inquieta.
Perder o controle agora não me vai valer de nada, eu preciso pensar.
Ele me trouxe para um palácio, o palácio dele, é mais viável eu me comportar, e usufruir da ajuda dele para entender o que aconteceu do que ficar na floresta, que não apenas é um lugar estranho, mas um século... totalmente desconhecido por mim.
Mas é sério isso?
Não bastou ele me abandonar nesse mundo, como também fez com que eu ficasse nele, mas viesse para o século que nem ele existia ainda.
Muito obrigada, senhor Peny.
Será que eu estou morta na oficina, ou desmaiada?
Celleney, por favor. Esse é o menor dos seus problemas agora.
Como eu explico para uma pessoa que nunca viu uma minissaia na vida, que eu sou do futuro?
Se ele achar que eu sou maluca, ele me coloca para fora daqui, e para onde eu vou?
Eu estou ferrada e m*l paga.
Ele é confiável? Não posso ter tanta certeza disso.
Ele não me fez m*l, me ajudou isso sim. Mas isso não o torna confiável, para falar um absurdo desses, que nem eu mesma estou engolindo até agora.
Caralho, eu estou simplesmente num século passado.
Mas se eu esconder, como caralhos eu saberei o que fazer para sair daqui? Nem o que exatamente eu fiz para estar aqui, eu sei.
Não sei se ficou claro, mas não estou conseguindo me acalmar de todo.
- Não, eu não estou fugindo de ninguém. - eu o respondo me levantando novamente.
- E o que fazia sozinha no meio da floresta? - ele me questiona desconfiado agora e eu suspiro o encarando nervosa.
- Você disse que hoje é dia sete de setembro de mil oitocentos e quarenta e cinco, certo? - eu o questiono e ele assente me observando. - Pois bem, como eu digo para você que eu sou de um ano completamente longínquo desse sem que você ache que eu seja louca? - eu literalmente o questiono precisando de uma resposta e ele levanta-se.
Porque isso é doido.
- Vou pedi-lá para que seja mais clara, eu não conseguirei ajudá-la se não souber qual foi o seu problema. - ele diz, e eu suspiro.
Tudo bem, se ele não acreditar em nada. A culpa não é minha, eu não estou com cabeça para inventar uma mentira agora.
E o que eu inventaria? Eu não sei o que faria uma moça da minha idade fugir num século como esse.
- Tudo bem. - eu digo o encarando. - Eu vou pedir apenas para que me prometa, que isso ficará entre nós, e que se você não acreditar, ao menos tentará me ajudar até eu me virar, ok? - eu o questiono e ele me observa desconfiado e confuso.
- Alguém fez-lhe m*l? - ele questiona e eu suspiro irritada o encarando.
- Henrik, apenas prometa para mim, que não vai contar para ninguém o que eu vou dizer para você, só isso. - eu lhe digo e ele suspira.
- Eu prometo. - ele fala, mas algo me diz para não confiar tão rápido assim.
Trata-se da p***a de uma viagem no tempo!
- Bem, eu... - que p***a!
- Eu não me recordo de como vim parar aqui. - eu o respondo e ele me observa atentamente, seu olhar é atraente e um tanto expressivo e opulente que parece decifrar a minha mentira nos lugares mais obscuros da minha alma.
Mas isso não me importa agora.
- Eu estava na minha casa, tinha voltado de uma festa. - eu o digo e coro, como se fala com essa gente? - Um baile. - eu me retifico.
- Eu sei o que quis dizer com festa. - ele responde, como quem diz, "não me trate como um ignorante."
Mas eu não sei o que eles entendem ou não.
Eu estou falando com o antepassado de alguém.
Belo antepassado, já agora.
- Pois bem. - eu falo assentindo, apertando as minhas mãos tentando conter sorrateiramente a minha inquietação. - É por isso que estava vestida daquele jeito, aquilo é uma roupa de festa, não significa que eu sou uma meretriz ou algo parecido, nunca foi meu sonho de consumo inclusive. - eu deixo claro indignada com a sugestão deles, e agora os seus olhos brilham, e um pequeno sorriso toma os seus lábios.
Boa, ao menos divertida ele me achou, se ele quiser me mandar embora, eu posso sempre sugerir ser seu bobo da corte, até eu entender que mágica o meu avô aprontou, para me levar de volta para onde eu jamais deveria ter saído.
Ele deve ter muitas meretrizes, visto que o outro moço parecido com ele, só que na versão cabelos escuros, que estava na porta mencionou o facto de eu parecer "mais uma" assim que me viu, então é importante esclarecer isso.
- Eu estava extremamente exausta. - eu lhe digo com o meu corpo aquecendo querendo contar a verdade, mas isso não é coisa que se conta do nada, eu já estou com um problema e não posso criar outro. - E sinceramente eu não me recordo do que aconteceu depois. - eu minto.
- Eu acordei no chão, na lama daquela floresta sozinha. Como fui parar lá, eu não faço a mínima ideia. - eu prossigo e busco dar uma mentira mais credível. - Eu devo estar alucinando, minha cabeça dói. - eu finjo, colocando a mão na minha testa, me sentando novamente e ele me observa.
- Quer que eu chame o doutor, novamente? - ele questiona e eu suspiro retirando a mão da minha testa suspirando.
- Não. - eu o respondo. - Eu, sinceramente não me recordo, é como se um branco tivesse se formado em minha mente, que não me permite recordar do que aconteceu nesse meio período. - eu falo e eu não consigo decifrar se ele realmente acreditou ou não, mas ao menos preocupado ele parece.
- Isso é grave. - ele afirma e eu me limito em assentir.
- O seu nome. - ele diz. - É apenas Celleney? - ele me questiona.
- Celleney Peny-Mille. - eu falo. - Ou apenas Celleney Peny. - eu o digo e ele franze o cenho.
- Mille, não é um apelido comum aqui. - ele diz e eu assinto e ele me observa silenciosamente e eu sinto o meu rosto queimar.
Ele é mesmo muito bonito.
O silêncio é quebrado pela minha barriga fazendo o barulho da vergonha.
Mas tem razão, desde que o senhor Peny resolveu me abandonar por conta de não conseguir controlar o próprio coração, não que ele tivesse como, mas eu estou frustrada o suficiente para achar que sim, eu não tenho tido muito apetite.
Mais sede, sede de álcool para ser mais específica.
- Me desculpe. - eu falo sem graça. Se ele fosse f**o ou velho eu não me importaria, mas isso é uma vergonha, para além de ser lindo, ele é um príncipe.
Agora vai achar que eu sou meretriz, fugitiva e esfomeada, quando graças à Deus, comida nunca foi um problema, o problema, sempre sou e fui eu.
Ou o meu avô, que costumava-me dar lição de moral, mas olha o que ele estava fazendo?
Montando a p***a de um relógio do tempo? O que ele estava pensando?
- Por favor, acompanhe-me para o jantar. - ele diz se levantando, e own.
Quando foi que os homens perderam as boas maneiras no tempo?
- Ficará cá instalada até a sua memória regressar, poderemos conversar com mais vagar, após se alimentar e descansar. - ele diz, atencioso e eu sorrio assentindo um pouco mais calma sabendo que posso ao menos passar a noite aqui.
- Obrigada. - eu falo e ele assente aguardando por mim enquanto eu calçava esses sapatos de seda nos meus pés.
E assim que me calço, saímos do quarto, e sinceramente eu estava sim com uma expectativa de ver câmaras assim que saíssemos de lá, mas no lugar disso encontrei simplesmente um corredor extenso, extremamente iluminado e luxuoso, o ‘design’, a arquitetura, tudo faz o meu coração ameaçar sair pela boca.
Viagem no tempo? Eu realmente não acredito que isso está acontecendo.
O meu olhar vai para o bendito relógio no meu pulso, e eu me recordo avidamente dele simplesmente radiar uma luz ofuscante nele.
Isso é uma loucura.
Um relógio do tempo? Isso explicaria o porquê dele ter gastado bilhões numa minúscula peça de relógio, mas, eu não...
Por agora, isso está muito além da minha compreensão, como isso existe, porquê, como ele estava criando isso?
Como o meu avô estava fazendo isso o tempo todo debaixo do meu nariz, e eu simplesmente não me apercebi?
Eu sinto o olhar do Henrik em mim, e retiro os meus olhos do relógio.
Mil oitocentos e quarenta e cinco, não havia... quer dizer, aqui ainda não existem relógios de pulso.
Eu sou neta de um relojoeiro renomado, e aparentemente... meio cientista louco, por mais que relógios nunca tivessem sido do meu completo interesse, eu conheço a história e evolução deles.
O máximo que eles devem ter agora são relógios de bolso.
Ele não fala nada, apenas continua caminhando e eu fico surtando em silêncio, o seguindo, observando as pessoas me encararem nesses corredores, basicamente me julgando por algum motivo.
Qual era a chance de uma coisa dessas acontecer comigo?
Fala sério senhor Peny...