Celleney Peny.
O silêncio é ensurdecedor, os olhares de pessoas estranhas me julgando e me observando de cima a baixo, está me deixando com a língua acirrada.
Só não uso ela, porque não estou em posição para tal, mas o que eu sou?
Alguma aberração?
O meu corpo está em estado de pânico, e eu tentando agir com racionalidade, não é o meu ponto forte, mas a questão é que eu não estou na minha casa para agir sem pensar agora.
Não tenho o meu avô, nem o Saul, o mordomo, para me proteger das minhas burradas.
Eu estou na p***a do século mais passado que o passado sem ninguém, completamente sozinha.
Todos estão vestidos exatamente como se vê nos seriados, e é assustador, me deixa literalmente em pânico.
Espera...
Eles não escravizam pessoas, não?
Caralho, mas um problema para eu me preocupar.
Ser escravizada... pelo amor de Deus senhor Peny, onde você estava com a cabeça?
Ao menos se fosse para a p***a do futuro, o que você queria fazer num sítio aonde nem TV existe?
Como é suposto eu sobreviver aqui?
Vou morrer ou por falta de entretenimento, ou devido a alguma guerra criada nessa época ainda mais machista, ou o mais óbvio, por ser escravizada.
Nós caminhamos até uma porta aonde risos comportados soam através das enormes portas, abertas pelos... guardas parados como estátuas do lado de fora.
Verdade seja dita, todos eles têm um charme.
Nem parecem arcaicos.
As portas são completamente abertas, exibindo uma sala de jantar extremamente iluminada, luxuosa, tal como os corredores, seria irónico se não fosse, e para fechar, simplesmente um banquete na mesa.
As meninas e o moço que vi mais cedo estão aqui na companhia de outro moço.
Todos são extremamente bonitos sem exagero, eu sofri uma experiência científica, claramente, e eles, uma biológica, porque a genética é realmente muito boa.
As duas moças estão com vestidos diferentes dos que eu tinha visto mais cedo ambas usarem, visivelmente pesados e eu me questiono porque o uso de tanto tecido?
Eles são extremamente apertados na cintura, questiono-me como é suposto comerem desse jeito.
Os seus s***s sobressaem por conta do aperto da blusa do vestido, e elas estão realmente vestidas como princesas, o que eu suponho que elas sejam a esse ponto.
Ai minha cabeça...
Os seus olhares voltaram-se para a entrada e os seus sorrisos decaíram assim que me viram.
Ah, valha-me!
Eu garanto que de todos vocês eu sou a mais legal aqui, mesmo deprimida e abandonada por um idoso que para além de me ter deixado sozinha, também me mandou para o século passado.
As moças encaram-se, mas apenas a que veio me cumprimentar mais cedo dá um sorrisinho, já a outra – revira os olhos.
Os outros dois, sorriem, mas um sorriso bem de homens que aparentemente ganharam numa aposta maliciosa.
Pois é.
Eles ainda devem achar que eu sou a besteira que eles sugeriram mais cedo.
Sinceramente...
- Ora, vossa majestade! - o de cabelos ruivos e olhos verdes diz num tom sarcástico e animado para o Henrik, e eu entro com o mesmo que o ignorou, na sala e as portas são fechadas logo atrás.
Todos me encaram como se eu fosse um projeto de laboratório, como se esperassem que eu fizesse alguma coisa, e eu me questiono o que é suposto eu fazer?
- Olá! - eu exclamo sem graça e eles olham para o Henrik.
Fui eu quem os cumprimentei, por que estão olhando para ele?
Eles não sabem o que quer dizer 'olá'?
- Saudações. - eu me retifico e a mais nova ri levando a mão para a sua boca.
- Esta é a senhorita Celleney Peny-Mille. - o Henrik apresenta-me quebrando o clima que cá se instalou e eu ofereço um sorriso para eles, ansiosa para saber quem é quem.
Todos aqui parecem novos, eu questiono-me onde estão os reis.
Que surreal, eu me questionando por reis...
A minha vida costuma ser uma montanha-russa, mas dessa curva eu não estava à espera.
- Ela ficará cá hospedada. - ele conclui e eu suspiro os encarando sem graça.
- E por quê? Quem é ela? - a moça mais velha de cabelos loiros escuros, fala e eu suspiro.
- Ela é a minha convidada, Lyra. - ele fala sério e a mesma assente insatisfeita e ruborizando.
- Eu também não gostava muito de receber visitas, na minha casa. Principalmente de pessoas desconhecidas. - eu digo buscando quebrar o clima e eles me encaram como quem diz "é mesmo?". - Mas eu acho que sofri um acidente, e estava na floresta quando o Henrik me achou e trouxe-me para cá, o que eu agradeço. - eu lhes digo com o meu coração acelera com os olhares deles.
Eles não são muito recetivos pelo que estou notando.
- Assim que eu entender o que aconteceu, eu prometo que me vou assim que descobrir, não é a minha vontade dar trabalho para ninguém. - eu lhes afirmo sendo sucumbida pelos seus olhares atentos em mim.
- Seja bem-vinda! - eles dizem por fim e eu sorrio assentido.
- Seja bem-vinda, o meu nome é Cora, princesa de Eldravia. - a moça com a aparência de mais nova, olhos iguais aos do Henrik e cabelos iguais ao do moço que suponho ser seu irmão diz, se aproximando de mim e eu sorrio, pegando na sua mão e a apertando.
- Prazer. - eu a respondo e ela simplesmente cora, olhando para o aperto de mão, e assente se afastando.
- E eu sou o Charles, príncipe de Eldravia. - o moço parecido com o Henrik se apresenta e eu assinto sorrindo, ele é muito parecido com o Henrik, porém tem cabelos escuros.
Porém, se o Henrik é príncipe regente, então o Charles só pode ter nascido depois dele, logo a Lyra, e depois a Cora.
O Henrik parece ter no máximo uns vinte e cinco anos.
- E eu sou o duque, o meu nome é Virgil, senhorita. - o de cabelos ruivos que parece um bocado mais velho que o Henrik se apresenta e eu assinto.
- Prazer. - eu os respondo e eles assentem com a cabeça me observando atentamente.
- Por favor, sente-se. - o Henrik diz, afastando a cadeira da mesa para que assim eu o fizesse e o meu rosto aquece.
Cavalheiro.
- Obrigada. - eu o agradeço me sentando logo em seguida.
- Deve aguardar primeiro à realeza se sentar, antes que se sente, senhorita Peny. - a Lyra fala para mim seca, me fazendo levantar o meu olhar para eles, que se sentam como se não tivesse sido nada de mais eu ter simplesmente me sentado.
- Eu não sabia que tinha ordem para se sentar a uma mesa. - eu falo achando isso ridículo.
Onde estamos no século passado?
Argh... sim.
- Eu não estou habituada a essas formalidades reais. - eu falo observando pessoas, eu penso que serviçais servindo-nos.
- É notável. - a Lyra diz cortante e eu não posso responder.
Eu estou no século dela e ainda no palácio dela eu vou-me segurar mais um bocado.
Ela pode ser uma princesa, mas eu sou a neta do senhor dos relógios mais famosos do mundo, e a Celleney, e mesmo se eu não fosse, ninguém me pode destratar a mim ou outra pessoa, desse jeito, mesmo que seja no século passado aonde absolutamente ninguém sabe quem eu sou.
Meu Deus do céu, socorro!
- Não tem reis no seu país? - a Cora me questiona genuinamente curiosa, enquanto o prato apelativo é colocado na minha frente pela serviçal.
- Obrigada. - eu a agradeço e o seu rosto ruboriza, assentindo enquanto a mesma se retira e eu pego os talheres.
- Não, tem um presidente. - eu respondo a Cora e o seu olhar se torna curioso, enquanto eu como. - Basicamente o governante muda de anos em anos. - eu a explico, e ela assente.
- Interessante. - ela diz e eu assinto.
- Então senhorita Peny, nos conte mais do seu evento fatídico? - o Virgil diz num tom sarcástico e eu o encaro. - É de outro país, como veio parar justo na floresta do reino? - ele questiona aparentemente desconfiado. - Inabitável. - ele acrescenta e eu suspiro com o seu tom de desconfiança.
- Eu sinceramente não sei explicar. - eu digo e eles me observam. - Tudo o que eu me lembro é de ter perdido a consciência em casa e do nada ter acordado aqui, no meio da floresta. Como ou o que realmente aconteceu, eu não sei. - não é uma total mentira, exceto a parte de não me recordar de nada, porque eu me recordo de tudo avidamente.
- Pois, isso é muito estranho. - o Charles comenta num tom desconfiado e eu concordo como se nada fosse. - Todos os países próximos e territórios próximos ao reino, são governados de forma monocrática, portanto deve ser de um lugar distante. - ele conclui e o meu coração acelera, enquanto eu conduzo a comida até a minha boca assentindo só para disfarçar.
Você não imagina o quão distante, Charles.
- Portanto só tem uma e única maneira de ter chegado aqui, um navio. - ele diz, me encarando desconfiado e o meu coração acelera ainda mais. - Mas o porto fica distante da floresta, é inexplicável ter chegado lá sem que ninguém a notasse. - ele fala e eu fecho os olhos.
Navios...
Nada de aviões, nada de carros, eu estou realmente ferrada e m*l paga aqui.
- Eu... eu realmente não me recordo. - eu minto.
- O doutor falou que não sofreu nenhuma batida, nenhum ferimento, como é possível que tenha simplesmente se esquecido como chegou aqui? Num reino que nunca esteve? - a Lyra questiona, me atacando, literalmente, e não posso achar as questões dela implicância, eu faria as mesmas.
Eu estou me fazendo as mesmas!
- Simplesmente na época do baile, encontrada justamente pelo meu irmão que assumiu o trono, naquela estrada, aonde nenhuma moça deve pisar, ainda mais sem companhia. - ela continua e o que ela está sugerindo?
- Lyra. - a voz do Henrik soa, chamando a sua atenção e sinceramente, eu estou muito confusa com o facto de eu estar aqui, para isso.
Eu deveria estar a tentar descobrir o que aconteceu e achar uma maneira de voltar dessa loucura.
- Você viu o estado em que ela chegou, meu irmão, eu tenho o direito de falar. - ela diz indignada. - As roupas com que chegou eram inapropriadas, continuam sendo até agora. - ela diz, me desdenhando com o olhar, como se eu fosse realmente uma moça qualquer.
- Não tem pai, mãe, para que vissem as suas roupas? Para que saísse de um país e viesse para cá sem supervisão? - ela questiona e eu suspiro frustrada e me levanto atraindo os seus olhares, e os outros três pousaram os seus talheres me encarando.
- Lyra. - eu digo a encarando porque quem ela acha que é? - As roupas que está chamando de inapropriadas são dos melhores ‘designers’ do mundo. - eu deixo claro, e ela franze o cenho. - Eu não ousaria sujar os meus saltos e as minhas roupas com lama, para vestir essa bata de avó como essa. - eu falo indignada e ela abre a boca também indignada.
- Bata de avó? - ela questiona ultrajada.
- Acredite ou não, eu acordei na lama daquela floresta, e o seu irmão apareceu para a minha sorte e foi gentil o suficiente para me trazer para cá. - eu deixo claro. - Não tinha como eu saber se ele era um príncipe ou não, quando ele passaria por lá se pensa que isso foi um plano meu, e nem se ele seria gentil o suficiente para me trazer para cá. - eu falo irritada para ela, farta e com a mente saturada e olho para o Henrik.
- Diz que não sabia quem ele é, o que eu acho extremamente estranho, mas mesmo assim, subiu na sua carruagem? - ela questiona sugerindo minhocas da cabeça dela.
- Muito obrigada por ter-me recebido, aqui e me ter ajudado. - eu o agradeço, porque eu não estou para isso e ele se levanta visivelmente chateado com a irmã.
- Mas eu não me importo se vocês são da realeza ou não, eu não aceito que ninguém ouse insinuar que eu seja algo que eu não sou e me falte com o respeito. - eu deixo claro.
- Oh... - o Virgil diz sorrindo, ele está achando isso divertido.
O humor dele é meio-ácido, eu já notei.
- Olhe como se dirige à mim, plebeia. - ela fala e...
Ah—ah.
- Plebeia, eu? - eu a questiono indignada. - Eu não vou ficar discutindo com alguém como você. - eu falo irritada, tirando os meus olhos dela para o Henrik.
- Obrigada por tudo, eu vou embora. - eu falo saturada o suficiente. - Não quero ser nenhum motivo de desavença e desentendimento na sua família. - eu falo saindo daqui, sem esperar a resposta dele.
Para onde eu vou, o que eu vou fazer?
Eu não faço a mínima ideia.
Mas ficar aqui e escutar desaforo de uma princesa que não sabe nem o que é uma festa direito me tratar desse jeito, não é uma opção.
Eu preciso entender o que aconteceu e acabar com tudo isso o quanto antes.
Eu preciso voltar para a minha casa.
Os guardas abriram as portas e eu saí de lá sem muito dizer, caminhando para longe dali, quando a voz do Henrik soa, me fazendo trancar a respiração.
- Celleney. - ele me chama no meio do corredor e o jeito que os meus pés paralisam é surreal, eu fecho os meus olhos suspirando fundo, vendo ele vir.
Ele me chamou apenas pelo meu nome dessa vez.
Ele chega perto e eu suspiro, que frio na barriga.
- Olha, me desculpe eu realmente não quero ser e nem parecer m*l-educada, mas eu vou embora. Eu devo descobrir o que aconteceu e voltar para de onde eu vim, o quanto antes. - eu me justifico e ele me encara.
- Eu achei que estivesse combinado que eu a ajudaria nisso. - ele fala subtilmente, me observando e eu sinto cócegas na minha barriga.
Caramba...
- E eu agradeci, mas não vou ficar aqui para ser destratada também. E muito menos para causar uma desavença familiar. - eu deixo claro.
- Não causou desavença alguma, eu irei pedir para relevar a Lyra, ela está apenas confusa. - ele explica e eu o observo, meu filho, ela deixou bem claro o que falou na mesa.
Mas muito obrigada, por querer ser gentil.
- Não se preocupe com isso, eu irei e não serei mais nenhum empecilho. - eu falo.
- Eu não posso permitir que vá, no estado em que se encontra. - ele fala e o meu coração acelera, enquanto eu o encaro, ele está falando sério.
- Mas eu não quero ficar aonde não sou bem-vinda. - eu deixo claro. - Não quero que pensem que eu tenho segundas intenções, e sinceramente, eu tenho uma casa e é para onde eu preciso descobrir como voltar. - eu lhe digo.
- Já anoiteceu e continua chovendo, não sairá daqui sozinha para vagar por um reino desconhecido. - ele fala e eu suspiro frustrada. - Está mais do que claro que não tem segundas intenções, e eu não a traria para perto de minhas irmãs, se assim eu achasse. - ele diz e o meu rosto aquece.
- Venha terminar o seu jantar. - ele convida e sinceramente, não.
Eu estou sem apetite de verdade.
- Não obrigada, se não se importar então, eu vou voltar para o quarto em que eu estava. - eu falo e ele me analisa com o olhar.
- Precisa se alimentar. - ele sugere.
- Eu estou bem, obrigada. - eu falo e ele suspira assentindo.
- Eu acompanho-lhe. - ele diz e eu assinto, observando ele me levar até ao quarto novamente.
O caminho até lá é silencioso, mas o barulho na minha cabeça não me deixa em paz.
- Obrigada. - eu o agradeço após adentrar no quarto e ele assente me encarando. - Me desculpe por ter interrompido o seu jantar com a sua família. - eu peço desculpas.
- Se precisar de alguma coisa, as damas de companhia estarão à sua disposição. - ele me informa e eu assinto.
- Certo, boa noite. - eu despeço o homem mais bonito e charmoso que eu já vi na minha vida.
Nem sei se posso dizer isso, afinal, eu estou no século passado, e eu não nasci no século passado para ter uma vida.
- Boa noite. - ele se despede e assim que sai, eu fecho a porta me deixando suspirar fundo, e apoio as minhas mãos em meus joelhos de tão enfraquecida que estou.
Essas coisas só acontecem comigo!