Celleney Peny.
As portas da sala foram abertas, dando uma visão da esplendorosa sala de dança.
Estão aqui as duas irmãs, a professora de dança, e as damas de companhia também estão aqui.
- Olá! - eu falo entrando na sala, e a Cora é a única acena toda feliz.
Ela é igualzinha a Alice, uma amiga minha, está toda a hora feliz.
Será que ela é uma reencarnação da Cora?
Agora não é hora para isso, Celleney...
A professora olhou-me de cima a baixo, minuciosamente, não sei se ela está me julgando, mas eu acho que terei de me habituar a essa falta de discrição dessas pessoas rudimentares.
- Celleney. - a Cora diz. - Está é a madame Victoire, a nossa mestra de dança. - ela apresenta e eu assinto olhando para a mesma, que é de uma elegância em tanto.
Mas não se difere em nada das professoras de dança que conheci, a postura, as expressões faciais.
Ela é igualzinha a minha professora de balé.
- Madame Victoire, essa é a senhorita Celleney, nossa prima distante, ela veio para o baile. - a Cora fala entrando na mentira da sua tia.
Ela faz uma curta reverência.
- É um prazer conhecê-la, senhorita Celleney. - ela diz e eu limito-me em assentir positivamente com a cabeça.
- Ela não teve preparo, talvez deva ser mais lenta explicando-lhe o que puder até o dia do baile. - é óbvio que isso saiu da boca da Lyra.
- Eu sou muito rápida para aprender as coisas, não se preocupe. - eu digo para a professora delas que dá um sorriso conveniente.
- Estou aqui para ajudá-la a brilhar no baile que se aproxima. - ela diz e eu sorrio em resposta.
Ela prossegue em explicar algumas coisas, e a pequena orquestra aqui presente começou o seu ‘show’.
Uma pequena orquestra realmente, o som, a melodia produzida pelos instrumentos deles, preencheram essa sala com uma intensidade envolvente.
Tão envolvente que por mais animador que isso deixou à sala, a minha cabeça ficou remoendo tudo o que não era suposto estar a remoer agora.
Sabe, quando você está escutando uma música triste e você mesmo torna a sua vida um filme digno de um Óscar?
Pois é, é desse jeito que essas melodias de valsa, estão me fazendo sentir, e para aumentar esse dramaturgo, parece mesmo que eu estou vivendo num filme.
Parece uma trilha sonora de filme sendo literalmente tocada aqui.
O ensaio começou com aquecimento físico, o que não é um problema, depois disso, exercícios de postura e motivação, começaram, o que também não foi um ‘stress’, como eu já mencionei, durante um tempo eu dançava balé, e para quem treina balé sabe que postura e movimentação elegante é algo que pisam muito no pé de uma bailarina.
Impressionadas, eu diria que é o que elas e a duquesa estão, ela chegou depois da professora de dança começar a passar a coreografia.
Pegar as coreografias não foi difícil, o difícil mesmo foi manter-me calma e quieta perante os comentários camuflados e desnecessários delas.
Ou o simples ato de me subestimar.
Não tem quem não deteste ser subestimada.
Mas enfim, milésimos, segundos, minutos e horas passaram-se.
E o quão a duquesa é exigente ficou ainda mais claro, porque por mais perfeitamente que as sobrinhas dançassem, ela tinha sempre um ponto para citar.
- Bom. - ela diz após as meninas terem terminado o ensaio hoje.
Eu achei que tinha terminado também, até ela falar.
- Você ficará aqui, continuará a ensaiar. - a duquesa diz, e para contexto, se passaram três horas que eu estou nessa palhaçada.
- Eu terminei as duas danças que eram supostas eu aprender. - eu lhe digo a encarando, exausta e sem cabeça para isso.
O que o Henrik falou está a ecoar as profundezas da minha consciência:
“Você entrou no meu reino sem permissão alguma, sem documento e sem registo algum, Celleney.”
“Eu posso coloca-lá nas masmorras agora.”
“Pois então pense no que falei, e depois venha e me explique quando achar que for a hora certa.”
“Apenas saiba que eu não tenho muita paciência.”
Eu estou num problemão, para ao invés de ficar pensando numa solução, ficar aqui dançando como se isso fosse resolver os meus problemas.
- Pois ficará e aprenderá as outras e as aperfeiçoará o máximo que puder até ao dia do baile. - a duquesa diz autoritária, e os meus pés não aguentam.
Eu poderia lhe dar uma resposta, e dizer que não, mas depois da conversa com ela, não me parece que aqui, enquanto eu estiver a morar de favor, tenha muita escolha, para além de fazer o que me dizem.
Nas masmorras eu não conseguirei arranjar forma de sair daqui de todo e descobrir como esse relógio funcionou.
- Ela deve estar cansada. - a Cora balbucia para ela que a oferece o bendito olhar que cala qualquer um na hora.
- Ficará com ela até a hora do jantar. - ela diz para a professora de dança que assente positivamente.
Era só o que me faltava.
- Quanto mais se esforçar, melhor será para você. - ela diz virando o seu olhar para o meu, e eu suspiro fundo, vendo ela virar as costas e sair da sala sem querer uma resposta minha.
Eu não acredito que estou a viver de ordens, agora.
Senhor Peny, você me paga!
As portas são fechadas assim que as três e as suas respetivas damas de companhia saem da sala e o meu olhar vem para a Victoire indignada até ao subsolo.
- Vamos a isso, o que mais eu tenho que aprender? - eu questiono-a, a encarando nos olhos, soltando os fogos de raiva dentro de mim.
A orquestra volta a bombear os meus ouvidos, os meus pés doloridos, voltam a tentar assimilar mais uma dança.
Decorar coreografia não é muito complicado, mas eu estou tão exausta e sem cabeça para isso, que torna tudo ainda mais frustrante.
Ela está exausta, eu estou exausta, os instrumentistas também estão exaustos.
Resumindo a história, passei mais algumas horas massacrando os meus pés, até a dama de companhia que foi me buscar no quarto para me trazer para cá, retornar e me salvar dessa tortura ambulante.
Cheguei no quarto, e m*l pude descansar porque não foi apenas a tortura de viajar no tempo que recebi de presente de luto do meu amado avô que decidiu me abandonar, eu recebi a tortura de viver no tempo dos dinossauros, aonde eu sou asfixiado por causa de um abominável vestido para simplesmente jantar.
- Não gostaria de tirar esse acessório? - a dama de companhia me questiona se referindo ao meu pulso, já no corredor.
É a milésima vez que ela me questiona o mesmo.
- Tem algum problema com o meu acessório? - eu a questiono virando o meu olhar para ela que ruboriza.
- Não senhorita. - ela me responde.
- Então por que está insistindo tanto para eu tirar? - eu questiono-a.
- É que ele é um acessório pungente, parece um pouco forte para acompanhar com o vestido. - ela diz e eu suspiro entendendo.
É, normalmente no meu dia-a-dia, por mais que eu seja a neta do meu avô, que possuía um império de relógios, também não usava relógios de pulso o tempo todo.
Eu já mencionei que eu preferia ler as horas no meu celular e não necessariamente ligava para relógios.
Acho que isso aqui é mais uma lição, a lição chave de ouro, cereja no topo do bolo do senhor Richard Peny Mille, como castigo mesmo.
- Eu gosto muito dele. - odeio. - Não consigo me ver sem ele. - eu acrescento e ela dá um sorrisinho compreensivo.
Até ele me levar de volta para casa, depois disso, eu explodo com essa geringonça o mais rápido possível.
Um perigo em ponteiros e tic-tacs para a sociedade e para mim.