Celleney Peny.
Bem, após embrulhada, com o meu rosto meio-inchado de tanto chorar, nós caminhamos até essa sala de jantar que está começando a me dar uma ansiedade h******l.
Vantagem, eu não sei para vocês, mas normalmente a minha cara pós-choro, fica mais bonita.
Estou a dizer, tem alguma coisa nessas lágrimas que simplesmente deixam a pele mais bonita, também inchada, e com o nariz entupido, mas bonita.
Enfim.
Eu entrei com a Cora na sala, e procurei não baixar a cabeça com o olhar de nenhum deles e foi isso que fiz com a minha mente a mil por hora, pensando em todos os tipos de teorias existentes sobre viagens no tempo.
Tão a mil, que eu me mantive calada o tempo inteiro presa na minha própria mente, enquanto eles desistiram de me torturar, ao menos durante o almoço e conversavam coisas que os meus ouvidos não compreendiam, porque estava demasiado ocupada escutando as vozes da minha cabeça.
Eu nem sequer sei como terminei de comer, ou como estava a comer, eu estou no modo automático.
Quanto mais eu penso, menos sentido as coisas fazem.
Se eu estou no passado, o que aconteceu comigo no futuro?
Será que eu tenho um clone lá? Estou acordada, dormindo, desmaiada, entrei em coma?
Ninguém está naquela casa para além dos funcionários, o único que poderia me encontrar inconsciente, talvez, na oficina seria o nosso mordomo, o Saul, ou a Vera, a funcionária da limpeza lá de casa, que limpava aquela zona.
Mas nem sequer sei se alguma dessas teorias é correta.
Porque se eu estou aqui no passado, eu não devia saber tudo o que aconteceu aqui?
O porquê exatamente eu estou aqui, e não num outro lugar?
Eu nunca fui supersticiosa ou algo do tipo, mas tudo isso faz-me querer acreditar em qualquer bobagem que a minha mente cria a cada milésimo que passa.
- Celleney! - eu levanto o meu olhar com a Lyra literalmente gritando o meu nome, mas eu estou tão grogue que nem liguei para o facto dela querer perfurar os meus tímpanos.
- Oi? - eu questiono-a ainda aérea.
- Oi? - ela questiona e depois suspira frustrada. - Para você, é sua alteza. - ela diz e eu simplesmente a encaro.
Nem com forças para revirar os olhos eu estou:
- Como preferir. - eu a respondo e eu acho que ela estava a esperar uma resposta diferente da que dei, que ela simplesmente ficou me observando.
- Escutou alguma coisa que lhe foi dita? - ela questiona mudando de assunto.
- Não. - eu respondo, e tiro o meu olhar do dela, para todos eles que me encaram. - Estavam falando comigo? - eu questiono os encarando e os meus olhos param no do Charles.
- Nós dizíamos que o baile será daqui a dois dias. - ele conta e o meu cérebro vai acordando e eu assinto vagamente, começando a sentir o meu coração bater mais forte. - Será pouco tempo para conseguir acompanhar o restante das debutantes. - ele completa e eu assinto, deixando o garfo que estava na minha mão remexendo a comida no prato.
- Eu espero que até lá a minha... memória tenha voltado. - eu falo e ele assente. - Realmente não me importo com o estar atrasada em relação às moças debutantes, eu não estou aqui para isso. - eu completo.
- Mesmo se tentasse jamais estaria. - a Lyra afirma e eu limito-me em ignora-lá.
Garota chata para caramba.
- Pois devia se preocupar, vai se apresentar aos demais como uma sobrinha distante minha. - a duquesa fala. - Não quero que nos envergonhe. - sério, isso está me tirando do sério.
- Não se preocupe, o que eu menos quero é destruir a imaculada linhagem da vossa família. - eu a digo ironicamente e ela assente.
- Assim eu espero. - ela diz e eu levo o meu olhar para o Virgil e sorrio.
- Com que então agora eu sou a sua prima distante, duque de Aldercrest? - eu o provoco e ele sorri com o típico sorriso de sarcasmo dele.
- Aparentemente. - ele me responde e eu sorriu.
- Que irónico, não é? - eu questiono-o só por divertimento e vejo ele lutando para não fechar o sorrisinho dele.
- É. - ele responde amargurado e eu sorrio de satisfação.
- Nós começaremos pelas danças daqui a uma hora. - a Cora diz do meu lado, animada. - Elas costumam a ser mais complicadas. - ela fala e eu posso imaginar o quão difíceis elas possam ser.
Pausa irônica.
Não deve ser tão complicada se é suposto dançar com todos esses ferros e tecidos no corpo, não é?
- Como estão as suas habilidades com a dança, Lyra? - a duquesa questiona.
- Ela dança como se tivesse dois pés esquerdos. - o Henrik fala inesperadamente provocando a irmã, fazendo todos rirmos, e a mesma a encarar emburrada.
Até os guardas tiveram uma expressão facial forçada a ser disfarçada.
- Que mentira... - ela balbucia olhando para o Henrik ofendida. - Henrik! - ela exclama indignada e o mesmo ri ainda mais da própria provocação.
- Eu estou dançando perfeitamente, tia, a minha instrutora irá confirmar isso para a senhora. - ela diz decidindo ignorar o Henrik que leva a taça até a sua boca, ainda sorrindo e observando a reação que quis provocar da irmã.
E os meus olhos saem da sua expressão facial, para os seus dedos segurando a taça, e depois para a sua mão.
Ele tem belas mãos.
Por que eu estou a olhar para as mãos desse homem?
Por favor, Celleney.
Como se lesse os meus pensamentos de forma telepática, os seus olhos verdes se viraram para os meus, me fazendo quase ter o meu coração saindo pela boca, e a única coisa que pude fazer, foi retirar o meu olhar do dele e voltar para a duquesa na outra ponta da mesa sem ar.
Merda, Celleney.
- Eu acompanharei os vossos treinamentos esses dias. - a mesma diz para a Lyra e eu suspiro fundo.
Eu juro que estava achando que podia evitar ao máximo ficar próxima dela estando no palácio dela.
Olha quem é a ingénua agora?
Está na casa de dono e acha que vai se ver livre dos donos, como se fosse simples assim.
- Tem alguma experiência com danças, Celleney? - ela questiona-me aparentemente sentindo a minha aflição por ter que ficar no mesmo recinto que ela outra vez.
- Provavelmente, não das vossas, mas eu aprendo rápido. - eu a respondo.
- De primeira só tem que saber quadrilha e valsa, já dançou alguma vez? - a Cora me questiona.
- Nunca dancei quadrilha. - eu deixo claro.
Será que o significado de quadrilha aqui já é o mesmo que no futuro?
- Mas eu já dancei algumas vezes valsa. - eu completo.
- Não se preocupe, assim que eu tiver tempo eu dou uma passada nos vossos treinos e ajudo vocês. - o Charles diz mais simpático e eu sorrio.
A conversa prosseguiu mais leve que a de hoje mais cedo, mesmo eu recebendo umas cutucadas ou outras durante ela, mas nada que me fizesse perder a cabeça novamente.
Assim que terminou o almoço, a Cora tinha alguma aula, na verdade, todos eles tinham alguma coisa para fazer, e eu fui ficar no quarto, até quando fosse hora de ir para esses ensaios de dança.
O que fiz durante esse tempo foi simplesmente, escovar os meus dentes e surtar mais uma vez, caminhando literalmente de um lado para o outro, procurando alguma solução que vai me fazer sair de dentro dessa matrix que eu estou vivendo.
Estava saindo do closet para o banheiro, do banheiro para o closet, e quando estava passando pelo quarto novamente, eu fiz o que a minha mente mandou e subi, na penteadeira, com essa tonelada de roupa no meu corpo para tirar o relógio da parede.
- Uh... - eu balbucio descendo da penteadeira com o relógio, me sentando no chão e simplesmente comecei a observá-lo, e comparando com o meu, que eu sei de cor e salteado de tanto que eu tentei montar ele.
Talvez, assim que eu arranjar alguma ferramenta para abrir essa geringonça, eu posso usar algum dos acessórios que esse daqui têm nesse, caso algum tenha se estragado.
Eu fiquei observando esse relógio antigo, por vários minutos, até quando uma moça veio para cá.
Mais uma dama de companhia.
E a troca de roupa foi feita, mais uma vez.
Ao menos dessa vez, não estou embutida numa estrutura de ferro, muito pelo contrário, o vestido é bem leve, de cor azul clara, um azul bebé na altura dos joelhos, ele é discreto, possui mangas longas, meias-calças, e sapatos.
Nada demais, mas também, tudo contra.
Aonde em mil anos eu estaria a ir ensaiar uma dança esquisita para um baile de acasalamento, depois de um almoço caótico?
Só aqui, mesmo porque com certeza no mundo real, no meu Universo, no ano em que eu vivo… vivia, isso jamais seria uma possibilidade real.
- Em que Universo paralelo eu estou vivendo? - eu me questiono atônita, caminhando para a sala aonde devo praticar essas danças.
- Senhorita? - a dama de companhia questiona curiosa com o que eu acabei balbuciando sem querer e eu a ofereço um sorrisinho.
- Estou apenas pensando alto. - eu falo e ela assente.
A última coisa que me falta, é acharem que sou maluca, também.
Os meus pensamentos estão todos fora de órbita.