Celleney Peny.
Como um embrulho de presente eu fui enlaçada e apertada nesse corpete incómodo, voltei a calçar os sapatos.
Uma lição, nunca mais voltar a tirar nenhuma dessas peças antes da hora, porque que martírio para sofrer outro martírio.
A duquesa de Aldercrest, vulgo mãe do infeliz do Virgil, é o outro martírio nesse caso.
Neste momento eu estou numa sala extremamente espaçosa, decoração e arquitetura clássica como todo o resto que eu vi desse palácio.
Se fosse uma suposição, eu diria que é uma sala que eles não sabem do que fazer dela, por ser enorme, e aqui só tem pouquíssimas coisas.
Quase nada de mobília.
Eu estou aqui com a Cora, e a duquesa está aqui no meio dessa ampla sala de costas para nós, as portas que foram abertas para que nós entrássemos são fechadas e eu suspiro.
Tem alguns guardas encostados a parede parecendo estátuas, e tem aqui mais uma moça que está vestida como as damas de companhia da Cora.
Eu olho para a Cora, me questionando se a tia dela não nos ouviu entrar, o que é literalmente impossível, o barulho da porta ecoa aqui.
A Cora não fala nada e eu pigarreo, eu não posso ficar aqui parada com essa coisa me sufocando, enquanto ela me ignora quando foi ela mesma que me chamou aqui.
A minha raiva não sumiu, e eu estou tentando me controlar, e ser paciente, educada como eu bem fui, para pensar direito.
Fazer as coisas direito para arranjar uma solução, para sair daqui.
- Senhora? - eu a chamo e a Cora me cutuca.
O quê?
Eu chamei porque vai que ela tem problemas de audição.
Eu vejo os seus ombros subindo e descendo num suspiro, logo após eu chama-lá e ela entrega a chávena que está na sua mão, entregando para a moça do seu lado que a recebe e ela se vira, me encarando.
Os seus olhos voltam-se para mim, não de raiva, nem de ódio, nada disso, mas com um magnetismo autoritário, tal qual ao olhar do Henrik.
Ou do meu avô quando queria que eu fosse um bocadinho mais obediente.
Eu sou, tá?! Mas quando ele queria uma obediência… digamos que extra.
- Aproxime-se, jovem. - ela manda, e quase instantaneamente eu obedeço caminhando até ela.
Jovem, senhorita, concubina, meretriz, blábláblá…
O meu nome é Celleney.
Eu até diria Neyney, mas era assim como o meu avô me chamava e eu não quero mais ninguém usando o apelido que ele usava para mim.
Eu fico próxima dela e os seus olhos fazem um raio-x em mim de cima a baixo.
As suas sobrancelhas sobem e ela vira o seu rosto para o lado.
- Eu quero que observe este lugar. - ela afirma e eu suspiro já irritada com isso.
- Eu já observei, quando estava de costas para nós. - eu a respondo num tom calmo, mais vagarosamente, com educação.
Porque eu realmente já olhei esse lugar.
O seu olhar se volta para mim, aparentemente ela não queria que eu a respondesse, mas já foi.
Ela dá um pequeno sorriso me encarando.
- Então, diga-me o que acha que essa sala é? - ela questiona.
- É uma… - a Cora ia responder, mas os olhos dela, a calaram imediatamente.
Olha só.
- Eu presumo que um cómodo que não sabem no que tornar. - eu respondo-a e ela sorri mais amplamente.
- Esse é um salão de bailes e galas. - ela conta aparentemente animada.
- Aonde as famílias mais nobres degustam dos melhores banquetes, melhores eventos, melhores danças e melhores notícias de todos os âmbitos saem e espalham-se pelo reino e mundo inteiro. - ela fala e eu assinto.
Interessante.
Mas isso é o que eu menos estou interessada em saber.
- Eu admiro muito… - seja lá o que isso for. - Mas eu realmente gostaria que a senhora pudesse me dizer porque mandou a Cora me chamar. - eu lhe digo a encarando com a mesma intensidade que ela me encara. - Com certeza não foi para me falar de festas e nem banquetes. - eu afirmo e ela assente.
- Não. - ela afirma caminhando para a enorme janela aberta, me dando as costas, mais uma vez.
- Eu sou a matriarca dessa família que carrega uma linhagem nobre e indomável. - ela fala observando a paisagem. - E não permitirei que uma estrangeira coloque a nossa reputação molde para nações, em fofocas, julgamentos em jogo. - ela afirma num tom, que me deu calafrios.
Os seus olhos voltam-se para mim.
- Eu me ofereci para ir embora, mas o seu sobrinho não permitiu. - eu afirmo e ela me observa.
- Eu sei. - ela diz e o meu coração acelera.
Então o que é?
- Por isso eu a chamei aqui. - ela fala vindo até mim.
Céus.
- Porque está aqui? - ela questiona, e a forma com que ela me interroga me deixa com frio na barriga.
- Quem me trouxe para cá devia saber, eu não conhecia esse lugar até acordar no meio da floresta. - eu a respondo procurando manter a voz firme.
- Acha que acreditei nessa história? - ela questiona e o meu coração ameaça sair pela boca e eu aperto as minhas mãos tentando controlar a minha tensão.
- Aparentemente não. - eu falo sem graça e ela continua me encarando.
- Fale. - ela ordena e eu respiro fundo, procurando manter o meu controle aonde devia estar.
- Eu disse o que disse, e é a verdade. - eu afirmo. - Não tenho mais que falar. - e os seus olhos oscilam entre os meus e ela assente, me deixando minimamente aliviada.
- Mentiras possuem cauda curta. - ela diz, me observando. - As consequências são piores que o que dizem ser o inferno. - vovô, o que o senhor fez?
Ela ameaçou me queimar viva?
É isso que acontece no inferno, não é?
Só que com mortos maus.
Para lidar comigo é preciso ânimo, energia, e um pouquinho de paciência a mais que o normal, mas eu não sou má.
- Eu não estou mentindo. - só omitindo.
É diferente.
- Eu espero que não. - ela afirma. - Para o seu bem. - arrepios tomam até a minha espinha.
- Deve saber que um baile se aproxima. - ela diz contando. - Por isso eu mandei que a trouxessem aqui. - ela afirma e eu a observo curiosa com o que ela vai dizer.
- Eu não vim para esse baile, não se preocupe comigo, se quiser, eu fico trancada lá naquele quarto e saio apenas para procurar alguém que possa me explicar como regressar. - eu apresso-me em falar.
- Eu não estou interessada nesse baile, ou em no seu sobrinho, muito menos em casamentos. - eu falo para deixar isso claro para ela.
- Enquanto estiver aqui, minha cara jovem, os meus interesses são os seus. - ela diz e eu fecho os olhos.
Nada é fácil nessa vida.
- A sua presença aqui, já se tornou um enorme caos. - ela diz e eu não achei que chegar encharcada de chuva e perdida fosse causar um alarde.
- Eu não quero que a sua presença aqui, manche a nossa reputação. - ela diz. - Vai participar dos eventos, se comportará como uma de nós, e se apresentará como uma familiar distante, de terceiro grau. - ela fala visivelmente criando essa teoria agora.
Aqui também existem familiares de terceiro grau, já não é um tempo arcaico para isso?
- Uma simples plebeia jamais se hospedaria junto da realeza e subiria na mesma carruagem que o futuro rei de Eldravia. - ela fala desapontada.
Entendido.
- Isso é… legal! - a Cora que estava calada esse tempo todo fala, e eu sorrio.
Ela gostou dessa palavra.
- Enquanto discretamente se procura quem supostamente a trouxe para cá, até a sua memória voltar, aprenderá a se comportar, a se vestir, a se apresentar para a sociedade. - ela fala, me olhando de cima para baixo.
- Pouco tempo. - a Cora diz e eu franzo o cenho.
- O baile está se aproximando e os convidados chegarão logo. - ela afirma.
- Mas esse não é um baile de acasalamento? - eu questiono confusa e elas me encaram.
- Você quis dizer baile de época. - a duquesa me corrige.
Também serve.
- Isso. - eu afirmo e ela suspira abanando a cabeça negativamente como quem pede paciência.
- Você também participará, não temos outra escolha. - quê?
- QUÊ? - eu a questiono inconformada.