Celleney Peny.
Eu estava com muita fome, então comer dessa vez não foi um sacrifício.
Sem contar que o cheiro da comida também é extremamente apelativo, eu acabei comendo até não aguentar mais.
Teria sido mais prazeroso comer, olhando para uma tela, mas...
Não existe.
Terminei de comer, e suponho que eu tenha que retirar o carrinho daqui.
Que saudades do Saul.
- Você é só uma visita aqui, que não sabe aonde é a p***a da cozinha e vai ter que andar novamente com os seus pés doloridos para achar, assim vai mostrar para eles que você tem educação. - eu falo comigo mesma, voltando a colocar o relógio no meu pulso.
Primeiro, para que ninguém entre e o leve, e segundo, porque vai que tenha sido um curto-circuito interno que aconteceu inesperadamente no relógio, e aconteça novamente?
Sei, lá. Eu só sei que não posso e nem vou me desgrudar dele.
Coloquei o relógio, calcei esses sapatinhos, e saí puxando esse carrinho do quarto.
Para onde?
Não faço a mínima ideia.
O mais provável que aconteça, é que ao invés de eu voltar para a minha casa, eu me perca no meio desses imensos corredores para sempre.
O corredor estava minimamente vazio, só têm guardas nas frentes das portas, parados como se fossem estátuas.
O que acontece se eles mexerem-se? Vão para as masmorras?
Céus.
Oi? - eu digo parando, e olhando para os dois na minha porta.
E os m*l-educados não me respondem.
- Eu estou falando com vocês. - eu deixo claro só para fazer eles entenderem, talvez eles não tenham.
Eu espero bem, que não tenham.
Nenhum deles me responde.
A minha reação foi fechar os olhos de ranço, juro que isso não aconteceria se eles soubessem quem eu sou.
- Escutem, eu só quero saber aonde é a cozinha, responderem-me, não irá m***r nenhum de vocês. - eu digo, e eles continuam a olhar para um ponto distante, sem mexer nem um músculo.
Idiotas.
- Para homens desse século, vocês são muito pouco cavalheiros. - eu falo pegando na barra do carrinho novamente. - Farei questão de descobrir os vossos apelidos e no futuro, se eu apanho algum dos vossos descendentes podem ter certeza que eu vou garantir que eles paguem pela ignorância dos seus 'tataravôs'. - eu falo com raiva mesmo, e agora os imbecis ao menos se encaram. - Só aguardem. - eu balbucio puxando o carrinho, para sabe-se lá de onde.
Muito difícil, essa minha vida.
Caminho pelos extensos corredores, com uma decoração um tanto luxuosa, e até agora bem iluminados.
Não tem movimentação nenhuma, só esses matulões uniformizados a cada canto, e aquelas armaduras fantasmas, também.
Eu estou a torcer para encontrar uma alma vivente por aqui, só para me indicar aonde é a p***a da cozinha.
Eu estou caminhando em direção à sala de jantar onde eu estava mais cedo, porque deve estar perto da cozinha, eu suponho.
Supus errado.
- Que inferno. - eu balbucio, já exausta de tanto circular por esses extensos e inúmeros corredores.
Acabei de entrar num corredor, sem iluminação boa, apenas candelabros, e algumas passagens com a luz do luar, entrando.
Como vim parar aqui? Eu não tenho a mínima ideia, e muito menos ainda de como vou sair.
- p***a… - eu balbucio, começando a ficar com medo, e se sei lá, esse castelo for assombrado?
Existem várias histórias de castelos assombrados nos dias de hoje.
Quero dizer, nos meus dias, no meu século.
Os meus pés travam, o meu corpo simplesmente enrije, o meu coração vai para a garganta, e o medo toma conta de mim, quando ouço passos vindo por detrás de mim.
Eu podia virar e ver quem é, mas tenho medo de que não seja uma pessoa e sim um… fantasma ou sei lá.
Era só o que me faltava.
- Senhorita Celleney? - quando eu digo que a minha alma retornou para o meu corpo, quando reconheci a voz do Virgil, o duque, e eu não estou a mentir.
Eu viro-me, dando de cara com ele e suspiro fundo, feliz por ver alguém que usa a boca para falar aqui.
- Virgil, que bom que apareceu aqui. - eu falo aliviadíssima e ele encara-me curioso.
- O que faz aqui sozinha? - ele questiona visivelmente curiosa e eu levo o meu olhar até ao carrinho, e ele segue.
- A Cora, trouxe-me esse carrinho com comida. - eu falo, levantando o meu olhar para ele novamente. - Eu queria levá-lo, apenas para a cozinha, mas acabei me perdendo. - eu explico. - Já que parece que todo mundo é mudo aqui. - eu murmuro.
- Desculpe? - ele questiona assim que me escuta murmurar e eu dou um sorrisinho inocente.
- Nada. - eu digo mudando de assunto. - Pode me dizer aonde é à cozinha? - eu o questiono. - Assim eu posso deixar isso e volto para o quarto. - eu falo, como os meus pés querendo mesmo descansar.
- Claro, com todo o prazer. - ele diz, me oferecendo um sorrisinho e eu decido ignorar.
Homens…
- Mas as damas de companhia é quem fazem esse serviço, não precisava se incomodar. - ele diz caminhando e eu me limito em segui-lo.
- Elas não estavam, e eu podia tirar, não é nenhum incómodo. - eu falo para ser agradável.
Não seria, se eu não tivesse feito uma caminhada digna de maratona.
Que saudades do Saul.
- Quer ajuda? - ele questiona olhando para mim, esse carrinho é pesado.
- Sim, por favor. - eu aceito, porque ele se ofereceu e eu não sou boba de negar.
Eu estou partida e secularmente passada com tudo isso.
Ele vai puxando o carrinho, em silêncio e eu vou o seguindo, o observando.
Todos eles são surpreendentemente lindos.
Ele tem cabelos ruivos, e olhos azuis meio-esverdeados.
Os três parecem pedaços de m*l caminho, mas numa versão catastroficamente passada, e de ternos.
Mas pelo que notei, por mais cavalheiros que talvez sejam, eles não são tontos, não são inocentes, são…
Eu diria que lobos disfarçados em pele de cordeiro eu diria, deu para notar desde que os três não só indiretamente insinuaram o que insinuaram, mas também pela forma que sorriem, o jeito deles e até mesmo a forma de olhar.
Porque vamos combinar que nenhum inocente, teria “mais uma” meretriz ou concubina como eles sugeriram, não é verdade?
Mas eu não devia estar me preocupando com ‘playboys’ mulherengos da realeza e do século mais que passado e sim em voltar daqui o quanto antes.
O seu olhar vem para mim, me pegando desprevenida e ele sorri vendo que eu não desviei o olhar, provavelmente como ele estivesse à espera.
Acho que a minha sessão de observação não foi muito discreta.
- Então, senhorita Celleney… - ele fala, me encarando ainda.
- Me chame apenas de Celleney. - eu retifico.
O Saul, me chamava tanto de senhorita, que é o suficiente. Aqui, consegue tornar tudo mais estranho.
- Não é apropriado que eu me dirija a uma jovem solteira, pelo seu primeiro nome. - ele diz e eu dou um sorriso.
- E para quem não é apropriado? - eu o questiono me divertindo com toda essa formalidade antiquada deles e ele sorri, aparentemente percebendo o meu senso de humor.
- Não é eticamente aceitável, que eu o faça. - ele reformula a sua fala.
- Humn… - eu falo sorrindo, revirando subtilmente os olhos.
- Me diga, tem irmãos? - ele me questiona.
- Não. - eu o respondo e ele assente. - Mas em compensação tenho muitos primos. - eu conto e ele assente.
- E você? - eu o questiono.
- Eu sou filho único. - ele me responde, e entramos o que definitivamente é à cozinha.
Ela está vazia, tem apenas guardas do lado de dentro e de fora.
A cozinha é enorme, provavelmente projetada para atender às demandas de grandes banquetes como aquele servido na hora do jantar ou outras refeições extravagantes.
Ordenadamente guardadas, tem aqui panelas e outros utensílios de ouro, prata, cobre e estanho pelo que vejo. Grandes caldeirões, frigideiras e formas especializadas.
O meu olhar varre o lugar e consigo ver a despensa repleta de ingredientes bons mesmo, como trufas, outras especiarias exóticas, vinhos finos e carnes nobres.
Muito bom.
Ela está visivelmente dividida em diferentes áreas, como a de preparação de vegetais, de carne, de confeitaria, entre outras. Cada área tem os utensílios e ferramentas necessários para a tarefa específica, é por isso que consigo identificar.
Tem lenha aqui…
Aqui tem grandes fornos a lenha e fogões.
Os pratos estão cuidadosamente apresentados em louças finas e decorados com detalhes intrincados, demonstrando não apenas sabor excecional, visual impressionante, de porcelana.
Juro que não estava à espera de muita coisa, para uma cozinha que nem geladeira tem direito, nem TV, e ainda andam de carruagem.
Parece que acabei de entrar numa cozinha histórica e digna de museu, porque realmente é muito bem decorada e apelativa.
Ela está razoavelmente escura, já não está ninguém aqui.
Ele deixa o carrinho.
- Obrigada. - eu lhe digo e ele assente.
- Então você é o primo, do Henrik, da Cora e da Lyra? - eu o questiono tentando saber mais das coisas.
- Exacto. - ele diz e eu assinto. - As nossas mães eram irmãs. - ele explica e eu assinto, o seguindo para fora da cozinha.
Por isso eles têm muitas semelhanças, em palhetas diferentes.
O Henrik é loiro, o Charles, moreno, mas ambos possuem a mesma cor de olhos, a Cora tem cabelos pretos tal como o Charles, e a Lyra, como os do Henrik.
E o Virgil é ruivo de olhos azuis meio-esverdeados.
Três pedaços de m*l caminho.
- E… - eu pigarreo, procurando distrair a minha própria mente desses pensamentos nada frutíferos. - Eu não sabia que duques e príncipes morassem todos juntos. - eu comento, e me dou conta de que talvez isso tenha soado, como: o que você faz aqui? Porque eu não controlo as coisas que eu falo. - Quero dizer, eu não sei muita coisa dessa maracutaia de títulos reais. - eu falo e vejo ele sorrindo e franzindo o cenho ao mesmo tempo, voltando o seu olhar para mim.
- Maracutaia? - meu Deus!
- É, essa… - como eu explico isso para esses seres arcaicos. - Burocracia. - eu falo. - Complicações. - eu continuo porque eu não sei o que eles entendem ou não.
- Eu percebi, não se preocupe senhorita. - ele diz sorrindo, e eu ruborizo.
- Tá. - eu respondo voltando a olhar para frente.
- Eu moro do castelo de Eldergrove, eu sou o duque de Aldercrest. - ele conta depois de um tempo, e eu juro que nunca ouvi tanto nome esquisito na minha vida.
Isso está-me a deixar mais assustada ainda.
- Interessante. - eu comento.
Não entendo nada disso.
- Eu estou no palácio, pois a maioria do meu trabalho é aqui. - ele explica e eu assinto. - E como pode ver, o Henrik que é o príncipe regente teve de se ausentar e me deixou responsável de alguns assuntos do reino durante esse tempo. - ele explica.
- Entendo. - eu falo e o encaro com inúmeras dúvidas. - Mas por que ele ainda é príncipe regente? - questiono. - Quero dizer, ele comanda o reino agora, não? - eu o questiono e o olhar dele me faz perceber que talvez eu esteja a ser um pouquinho de nada, intrusiva. - A Cora… - eu procuro me justificar. - Ela me contou que os reis, eles infelizmente faleceram. - eu explico e ele assente.
- Ele será declarado oficialmente um, quando se casar. - ele diz e que obsessão por casamentos eles têm…
- Mas qual é a necessidade de se casar para receber um título que já o pertence? - eu questiono chegando finalmente perto da porta do quarto, e ele me observa e dá um sorrisinho de lado.
- Porque é assim que às coisas funcionam aqui, senhorita Celleney. - ele fala como se fosse óbvio e eu suspiro assentindo com o pequeno puxão que ele deu.
- Regras aqui são extremamente respeitadas. - ele diz com os seus olhos nos meus.
O que ele está a insinuar?!
- O que significa que ele se casará, para que a coroação seja efectuada. - ele diz e reduz o tom de voz se aproximando de mim subtilmente de mim, me fazendo inconscientemente dar um curto passo para trás, porque eu já estava bem rente a porta. - Tal como a linhagem real é levada a sério. - ele diz com os seus olhos em mim, e os meus oscilam nos dele. - Nenhum m****o da família real se casa, com alguém que não tenha sangue nobre. - o meu coração falha. - E na nossa lei, nenhum de nós tem concubinas ou segundas esposas após o casamento. - ele fala como se fosse um aviso, mas visivelmente se divertindo com isso, e foi como se um gato tivesse comido a minha língua de incredulidade.
Que filho da mãe!
Eu sei que o meu olhar está transbordando ódio, mas a forma com que ele falou, me deixou tão surpresa e muda, que me mantive parada e calada.
Ele sorri e se afasta.
- Espero que amanhã se recorde do que lhe aconteceu, senhorita Celleney. - ele fala irônico e eu fecho os olhos de raiva. - Tenha uma boa noite. - ele fala, e simplesmente se vai.
E eu aqui querendo o estrangulador e o xingar, mas paralisada.
IDIOTA!