Celleney Peny.
Eu adentrei na sala de jantar, encontrando-os a todos aqui.
Pares de olhos coloridos me observam entrar enquanto os seus risos continuam preenchendo a enorme sala, e eu estufo o meu peito de ar.
Os seus fazem-me sentir a mesma sensação de formigamento que senti quando aquela luz apareceu do nada na oficina.
Uma sensação extremamente estranha e forte que faz o meu coração pulsar fortemente.
Pode ser ansiedade também.
- Olá! - eu saúdo-os enquanto fecham as portas logo atrás de mim.
- Devia ter chegado aqui minutos atrás, não é conveniente que chegue aqui depois de nenhum de nós. - a Lyra fala, e eu suspiro exausta, querendo só descansar após ter massacrado os meus pés hoje.
- Eu posso voltar para o meu quarto se quiser. - eu respondo-a.
É claro que eu estou de mau humor.
Que moça chata!
- Por favor, venha. - o Charles diz sorrindo, deixando a sua taça de lado e afastando a cadeira que eu me sento desde que cá cheguei.
Num século arcaico cheio de Lyras existe um Charles, graças a Deus.
- Obrigada. - eu o agradeço após me sentar e ele sorri, indo para o seu local.
- Porque está atrasada? - a Lyra me questiona, insistindo no mesmo assunto e eu levanto o meu olhar para o seu para respondê-la.
- Eu tive que aprender as danças das quais vocês aprenderam a dançar durante toda a vossa vida, em apenas algumas horas, Lyra. - eu respondo-lhe. - E eu tive que me preparar, antes de vir para cá, foi por isso que eu não cheguei antes de você, princesa. - eu falo e ela me observa com a cara fechada. - Eu devo me desculpar ou relatar mais alguma coisa para você? - eu questiono-a farta e eu vejo o seu sangue subir para o seu rosto, pela forma como ela está ruborizando de raiva.
Os seus olhos verdes parecem querer tirar a minha alma de mim.
- Celleney. - a voz da duquesa toma os meus ouvidos e eu levo o meu olhar para o dela que é profundo e cortante. - Provavelmente no seu reino não tenha recebido esse tipo de educação, mas em cada casa, região, país, existem hábitos e costumes. - um sermão arcaico, era tudo que eu queria.
- Eu tenho conhecimento disso, sim. - eu respondo-a.
- Pois, aja como tal. - ela fala cirúrgica e o meu coração acelera. - Nós não somos familiares, não somos amigos, deve entender o seu lugar e comportar-se como quem é aqui. - ela diz eu sinto o meu sangue passar pelas minhas veias, na minha pele, de tão intensamente que ele está correndo.
Ela tem a sua razão, com certeza tem.
Mas eu não posso simplesmente agir como se eu não tivesse me oferecido para sair daqui, e em troca fui ameaçada de ser colocada nas masmorras.
Eu não posso ouvir o desrespeito deles, como se isso fosse normal, e me manter calada como se nada fosse.
- Claro. - eu a respondo e ela me observa silenciosamente, até eu tirar o meu olhar do dela para a comida querendo sair daqui.
Nem com apetite eu estou, e eu sou forçada a estar aqui.
Socorro!
- E como foi o ensaio? - o Charles questiona depois de um tempo, buscando aliviar o clima mais pesado que esses vestidos que está instalado na mesa.
- Foi bom. - eu o respondo o oferecendo um curto sorriso e ele sorri.
- A Celleney dança lindamente. - a Cora fala e eu sorrio para ela.
- É mesmo? - o Henrik questiona-me fazendo levantar o meu olhar para ele, o seu tom é sarcástico.
Ele está a sugerir que eu não pareço saber dançar?
- Seria uma surpresa se não soubesse. - o Virgil é quem fala, me fazendo levar o meu olhar para ele.
- O que está sugerindo? - eu o questiono, porque eu notei que ele tenta claramente insinuar alguma coisa.
- Se viesse até aqui para o baile e não soubesse dançar, seria um mistério. - é óbvio que ele sugeriria isso. - Tal como a sua aparição. - ele acrescenta e eu só consigo sorrir.
Ele realmente acha que vai me destabilizar se continuar com essas insinuações.
Eu cresci com primos, os meus pais foram os únicos que tiveram uma menina como filha e deram uma neta para o meu avô, eu sei lidar com isso melhor que ninguém.
- Eu treinava balé desde que me entendo por gente, duque de Aldercrest. - eu falo ironicamente, o encarando e levando o garfo até a minha boca. - E só parei de treinar a três anos atrás. - eu concluo dando um pequeno sorriso a ele que continua me encarando com a sua expressão irónica no rosto.
- Portanto, digamos que eu… - eu pauso para acabar de mastigar a comida, que está uma delícia. - Apenas tenho algumas habilidades que com certeza não tem nada a ver com um baile que eu não tenho interesse em participar ou para atrair homens. - eu acrescento, e ele entorse a boca assentindo, ainda com a mesma expressão no seu rosto.
- Principalmente como você. - eu pontuo para retirar o sorrisinho do seu rosto, e gradativamente ele vai sumindo, e eu volto a minha atenção para o meu prato, e escuto o sorrisinho da Cora, mas para não receber mais nenhum sermão, eu seguro o meu sorriso de satisfação, e ajo como se não tivesse falado nada.
Pelo resto do jantar, eles voltaram para os seus assuntos, e eu para dentro da minha própria cabeça minutos depois de observar o quão bem todos eles se dão um com os outros, pois os risos que escutei antes de entrar aqui voltaram no momento em que eles pararam de pegar no meu pé e eu ter voltado a ficar na minha.
Eu sou um empecilho aqui.
O jantar decorreu, m*l terminou e eu pedi licença para voltar para o quarto onde eu estou há cinco horas e vinte e oito minutos.
Cheguei aqui e livrei-me daquele monte de ferros e tecidos do meu corpo, tomei o meu banho de balde e caneca, fiz a minha higiene o**l, desfiz o penteado que puxava todos os meus cabelos e não, dessa vez, a bata, não é de vovó, está mais para de freira, irmã da igreja, de tão longa que é, mas ao menos parece uma roupa de dormir, sem tantos babados desnecessários.
Surtei, chorei, voltei a surtar, basicamente tive mais uma crise existencial nesse quarto, achando que chegaria aqui e desmaiaria de cansaço nessa cama.
Mas não, a minha inquietação não me permite pregar o olho.
E o tic-tac constante desse relógio, me deixa mais irrequieta.
- O que eu vou fazer? - eu questiono-me desesperada, em pé, oscilando o meu olhar do relógio na parede para o relógio no meu pulso.
- Eu preciso de ferramentas. - eu falo com o calor da inquietação subindo pelo meu corpo, e me dando uma reação de combustão, que me faz sair desse quarto imediatamente à procura de ferramentas.
Já é de madrugada, nenhum deles deve estar acordado.
Suponho que agora que me veem como a sobrinha da duquesa, eu encontrei alguém por aqui que possa me ajudar.
De cima a baixo, esquerda e direita eu fui andando e esses corredores que mais cedo estavam mais movimentados que as ruas metropolitanas, está mais deserto que Sahara.
Só tem esses guardas m*l-educados estatelados na frente das portas, me barrando de tudo e mais alguma coisa.
Eu tentei entrar em alguns cómodos, como o escritório do Henrik, talvez tenha alguma coisa, mas obviamente a minha entrada foi barrada.
- Que d***a! - eu exclamo com lágrimas vertendo pelo rosto, enquanto eu simplesmente saio de dentro do palácio, rodei tanto que vim parar justamente por onde entrei sendo recebida com o vento gelado da madrugada.
O que eu vou fazer?
- O quê? - eu me questiono caminhando, talvez tenha alguma pessoa acordada para além dos guardas que possa me responder, alguma coisa.
Um vai à m***a, seria bom. Ao menos não me sentiria tão deslocada.
Eu estou tão perdida e deslocada andando como uma morta-viva nessa escuridão aqui fora sem nem saber para onde estou a ir, que apenas acordo do meu transe quando escuto o som do galopar de cavalos.
Rapidamente corro para onde eu escutei o som vindo, mas apenas o r**o do cavalo sumindo na escuridão foi o que vi, de longe pela luz da lua.
- O que eu estou fazendo? - eu me questiono desentendida comigo mesma, pousando as minhas mãos no joelho, exausta da pequena corrida que fiz, respirando ofegante.
- Eu também gostaria de saber. - uma voz preenche repentinamente os meus ouvidos, quase me causando um ataque cardíaco, eu viro-me na direção da pessoa que está atrás de mim com o meu coração querendo sair pela boca de susto.
Porra.