De: Quem você destruiu.
Para: Quem nunca vai ler isso.
.....
O silêncio no consultório é ensurdecedor, a Doutora espera o meu tempo para falar. Mas não sei o que falar.
Eu não quero falar sobre Zayn. Sobre aquilo que eu escondi no lugar mais escuro da minha mente. Eu menti.
Tenho mentido para mim mesma em todo esse tempo. Não adianta tentar esconder se eu lembro disso de cinco em cinco minutos. Eu posso esconder de todos, mas não de mim. Não posso impedir que isso me afete a cada dia que passe.
– Seu horário já acabou, mas, eu quero te passar uma lição de casa – ela solta um leve riso enquanto me levanto – Escreva uma carta para Ele, escreva tudo o que você gostaria de dizer para ele e me entregue na próxima consulta – ela pede e eu mordo o lábio e não digo nem que sim e nem que não – Até logo querida.
– Até – digo e fecho a porta atrás de mim.
***
Oi, eu estou aqui para,
Amasso a folha.
Zayn, você é um,
Amasso a folha e jogo no chão.
Bom, não sei por onde começar, talvez pela parte em que,
Amasso a folha,
Não dá para fazer isso. Eu não sei por onde começar, eu me sinto tão tola escrevendo para quem nunca vai ler.
Eu não posso escrever, não posso descrever nessa folha em o que eu passei com aquele doente.
Isso, ele era um doente.
Você era um doente Zayn.
Ele me via como uma boneca, como uma criancinha, como uma cachorrinha adestrada por ele.
Você queria ser meu dono, brincava comigo, como se eu fosse uma boneca, como se eu fosse uma criança e você o pai que dava bronca, que batia quando ficava nervoso e depois dava colo. Como se eu fosse uma cachorrinha que você brigava e depois ela voltava balançando o r**o.
Tudo sempre era minha culpa, eu sempre te 'deixava nervoso' sempre 'dava motivo' e você sempre era a vítima, sempre fazia de tudo por mim e era eu quem não dava valor.
Mas como você sempre dizia, 'eu tinha sorte em você ainda querer ficar comigo' até porquê eu 'não ia arrumar ninguém melhor do que você né' e eu era louca, e não tinha paciência 'só eu era assim' mas eu lembro do dia em que eu quis por um ponto final nosso tudo e você chorou, sem saber o porque eu estava fazendo aquilo e prometeu mudar. Prometeu que eu as coisas melhorariam e eu perdoei você Zayn, mas não passou nem uma semana e você gritou comigo só porque eu não estava a fim, só porque você queria aquilo e eu deveria querer também. E você disse que eu tinha outro e que eu estava te rejeitando então eu explodi, eu simplesmente não aguentava mais as suas reclamações. Eu cheguei a uma fase em que eu não sabia se estava fazendo aquilo porque eu queria ou se estava fazendo para você não brigar comigo. Você achava que a gente combinava em tudo, que tínhamos uma sintonia de outro planeta, mas era tudo aparência Zayn, ninguém sabia como você me tratava, dos palavrões que você falava enquanto gritava comigo, apontando o dedo na minha cara, e o que eu fazia para você parar você parar de gritar e não deixar os meus pais te escutarem? pedia desculpas sem ter culpa alguma. Eu sorria para foto, mas passava a madrugada inteira chorando.
Observo a folha e solto o lápis em cima da folha.
Minhas mãos estão suando, e eu estou ofegante. Parte da folha está amassada por conta de eu ter segurado ela firme demais enquanto escrevia.
Eu estou nervosa e tenho vontade de me descabelar e gritar. Mas ao invés disso pego o lápis novamente.
Batidas na porta me fazem sobressaltar e eu amasso a folha.
– Você quer tomar café? – tio Will bate na porta.
– Não tio, estou sem fome – respondo e ele força a maçaneta mas deixei a porta trancada.
– Está tudo bem?
– Sim, estou terminando um trabalho da faculdade, depois eu Desço – respondo e volto a olhar para a folha.
Eu me lembro quando você me levou na casa de campo dos seus avós e queria mais uma vez me o obrigar a fazer aquilo e eu tinha te deixado nervoso porque eu tinha que voltar para casa e você não queria me deixar ir.
Você estava gritando Zayn, por nada. Eu não merecia aquilo, não merecia ouvir aquelas coisas só porque te disse 'não' mas você não se importou e me machucou Zayn, e queria me bater.
Eu corri para o banheiro e tentei fechar a porta, mas abriram ela e a mesma bateu na minha testa. Eu caí e bati a cabeça no vaso.
E quando acordei numa cama de hospital, você já não estava mais lá, só eu, e a polícia me perguntando se eu lembrava do rosto do assassino que tinha entrado na casa dos seus avós.
E agora eu te perguntou Zayn, ele era um assassino mesmo, ou me salvou de algo que você iria fazer comigo? Eu deveria odia– lo por ter invadido a casa quando eu mais estava precisando de ajuda?
Amasso a folha e fecho o caderno, enquanto lágrimas escorrem pelo meu rosto. Eu jogo o lápis para longe de mim e afundo a cabeça no travesseiro.
Não quero me lembrar mais disso. Por que a Doutora quer saber? Pra me dizer que vai ficar tudo bem? Que patética, ela não sabe de nada. Não sabe das insanidades que ele foi capaz de cometer.
Me sento na cama, pego o caderno novamente e fecho os olhos fortemente tentando impedir que flashs invadam minha mente, mas me eles atingem como um tsunami e de memórias e eu seguro o lápis fortemente, enquanto minhas lágrimas pingam na folha em branco.
No dia do enterro eu tive que por óculos escuros por que não conseguia chorar.
Um caixão vazio estava sendo enterrado, por que não acharam seu corpo Zayn, a única coisa que restou foi o meu corpo desmaiado no banheiro e no corredor o seu sangue quando você foi atacado justamente na hora em que ia fazer sabe-se lá o que comigo.
Todos falavam da pobre vítima que você tinha se tornado. Do garoto bom que você era e não merecia morrer. Do garoto que era bom, que tinha milhares de amigos, que iria terminar a faculdade e comprar uma moto. Ninguém sabia, absolutamente ninguém sabia do monstro que você era. Do inferno que a minha vida era com você por perto. Ninguém sabia das proibições, das broncas, das marcas, das ameaças, do que eu era obrigada a fazer. Da minha primeira vez, de quando eu pedi para você parar, mas estava ocupado demais sentindo prazer, ninguém sabia de todas as chances que eu tinha dado e você tinha me decepcionado em todas elas.
E eu vivia sempre com medo, sempre esperando o momento em que ficaria nervoso e avançaria para cima de mim, e gritaria e eu teria de pedir desculpas só para você parar de gritar, e teria que chorar e pedir para largar meu braço porque estava doendo.
Eu o amei como nunca tinha amado outro e você se aproveitou de cada eu te amo que eu disse.Mas isso acaba.
Um dia acaba. Se você não cuida, acaba. As forças acabam, as esperanças acabam, a paciência acaba, a alegria acaba, o prazer de estar com a pessoa acaba e de repente a pessoa para de fazer falta e ao invés de saudade você sente alívio, alívio de não ter mais uma pessoa assim por perto.
De:Quem você destruiu.
Para:Quem nunca vai ler isso.
Um soluço alto escapa de meus lábios e eu cubro o rosto me permitindo chorar o quanto for preciso.
Eu amasso a folha e jogo o caderno no chão. Caminho até a cômoda e tomo dois calmantes seguidos de um gole de água. Minha cabeça dói e minha mente passa e repassa os flashbacks sem pausa.
Entro no banheiro e jogo água gelada no rosto encarando– me no espelho. Estou com falta de ar e tudo ao meu redor roda, então resolvo me deitar.
Minha vista está embasada e eu resolvo parar pelo caminho.
– Zayn... Porque fez isso comigo? – me agacho ao lado da porta do banheiro e choro baixinho.
Não quero chamar meus país, nem tio Will. Eles estão preocupados demais. Eu só quero esquecer isso novamente. Esquecer daqueles palavrões que ele gemia junto ao meu ouvido enquanto sentia prazer, enquanto tocava meu corpo sem eu querer.
– Deus! – puxo os cabelos tampando os ouvidos, como se pudesse ouvi– lo nesse exato momento.
Como se pudesse sentido seu toque agressivo e seu olhar duro sobre mim, me diminuindo, me chateando, me fazendo pirar.
|Styles|
Tenho dificuldade em abrir a janela do quarto de Clhöe e percebo que um dos lados da mesa está bloqueada por um cabide que eu retiro facilmente.
Eu adentro no quarto, porém a cama está vazia e pelo chão, encontro um caderno, um lápis e diversas folhas amassadas.
A luz do banheiro está acesa e eu a encontro ali, agachada ao lado da porta, dormindo.
Porra, de novo não.
Corro até o corpo de Clhöe adormecido no chão e solto um suspiro de alívio, pegando a mesma no colo, levando– a até a cama.
Tiro seus sapato e ela se encolhe com frio. Então eu cubro ela com as cobertas e ela arqueia a sobrancelha, mas agarra as cobertas e volta a dormir.
O que ela estava escrevendo?
Pego uma das bolinhas de papel do chão e desamasso.
Bom, não sei por onde começar, talvez pela parte em que,
Eu pego outra
Zayn,
Quem é Zayn?
Me sento na beirada da cama e desamasso todas as folhas, com a minúscula caligrafia de Clhöe e leio, os textos que ela escreveu para o tal Zayn.
***
Clhöe se remexe na cama e grunhi se encolhendo.
– eu.... Não! – ela diz enquanto dorme e eu deito ao seu lado, fazendo com que ela se encolha junto a mim.
Então era isso. Ele foi morto enquanto tentava fazer algo com ela, e o corpo nunca foi encontrado. E ela se culpa por não ter sentido remorso por ele, já que estava farta de viver em um relacionamento abusivo de 3 anos, de ser abusada por ele. De não ter o direito de falar não.
Porra, é muito pior do que eu achei que fosse.
– Por favor... – ela choraminga se virando para o lado.
– Tudo bem pequena, eu estou aqui agora, ninguém vai te machucar mais – digo encarando as folhas no chão enquanto meu subconsciente grita na minha cabeça "você quer protegê-la de algo no qual está se tornando igual?"