Pov. Samuel
Quando penso nos ano que passei no convento, não consigo acreditar na quantidade de acontecimentos. Como a declaração do Padre Álvaro, o pedido de ajuda da irmã Carolina, a enorme confusão com a esposa do diretor que até nos dias de hoje me causam uma grande dor de cabeça só de lembrar... Todos esses acontecimentos, em um único mês, foram como um tormento, descontado pelos meses de paz que tive no começo da minha jornada.
- Irmã Suellen, vou sentir muita saudade... Você é uma pessoa maravilhosa, não deveria passar por uma situação dessas!
- É só um pequeno afastamento, não precisa se preocupar irmã Karen.
- Mentira, você está sendo exonerada do convento por causa do diretor.
- Karen, eu recebi uma ligação da minha avó esses dias e... Acontece que, o meu avô está muito doente, ele está muito doente há dias, mas, parece que ele está apenas esperando pela minha visita para que possa deixar esse mundo com a consciência limpa.
- Oh, meu deus! Que horror, eu sinto muito por isso... Suellen, o seu avô é muito especial...
- Sim, eu sei... Ele foi uma das pessoas que mais ajudou o Convento Maria Aparecida.
Karen abaixa sua cabeça sentindo muita tristeza e se aproxima para me abraçar.
- Karen, eu vou sentir muita falta de passar a tarde ao seu lado tricotando cachecóis.
- Verdade? Pensei que odiasse tricotar.
- Você sabe que nunca fui boa nesse tipo de coisa, mas, as conversas eram muito divertidas.
- Você é bonita, mas gosta de arranjar intrigas, certo?
- O que você quer dizer?
- Você não está triste por não poder conversar, está arrependida de não ter mais a oportunidade de implicar com a irmã Tereza e tirar sarro com a irmã Daniela. Estou errada?
- Que absurdo, eu sou uma jovem culta. Digo entre risos me fazendo de bobo e desentendido. Afinal, era verdade que gostava muito de provocar a irmã Tereza nas aulas de tricor. Eu me lembro quando estava começando e vivia derrubando as agulhas no chão de forma desastrada, sua sensibilidade exagerada a etiqueta feminina era divertida.
- Aproveita que está saindo do convento e passeia com as suas amigas, marca alguns encontros! A vida é curta demais para se prender a igreja dessa forma...
- Que tipo de conversa é essa agora?
- Você nunca experimentou namorar, sendo tão bonita, isso é um desperdício!
- Não deveria dizer esse tipo de coisa irmã Karen. Afinal, você também não dedicou a sua vida ao catolicismo?
- Sim, mas só depois de ter experimentado a minha liberdade. Não estou dizendo para você desistir, a graça de Deus jamais deveria sair do seu coração. Mas, você não está se precipitando dedicando a sua juventude na igreja? Não tem medo de acabar se arrependendo?
Eu desejaria que Suellen estivesse ouvindo essas coisas, afinal, ela quem tomou essa decisão precipitada por motivos que desconheço. Se essa mulher estivesse ao seu lado oferecendo seus conselhos, tenho certeza que não precisaria me preocupar com as suas decisões. Ambas tem a mesma idade e o mesmo temperamento, mas suas posturas são tão diferentes. A criação de uma pessoa e as experiências de vida que desenvolve fazem uma diferença impressionante.
- Entendo, vou tentar seguir o seu conselho, mas não prometo nada.
Karen sorri triunfante e quando as malas estão prontas, me ajuda a guardar cada uma delas no armário. Falta uma semana para minha partida, mas quero que tudo esteja pronto e devidamente organizado. Sou muito ansioso e detalhista para deixar as coisas para última hora. A madre entra no quarto para uma vistoria diária e ao me reconhecer inicia o seu discurso.
- Suellen, lembre-se que é uma noviça... Mesmo estando fora do convento deve agir de forma discreta e seguir as normas da igreja, suas roupas devem ser recatadas, guardando a sua pureza dos olhos famintos dos homens. Desde que chegou ao convento, vejo uma postura graciosa realmente inspiradora e não gostaria que as coisas mudassem de figura. Não são todas as pessoas que refletem a graça de deus. Mesmo tendo reconsiderado devido ao seu posicionamento quanto a esposa do diretor, tenho noção sobre a sua falta de experiência e, como é difícil encontrar uma mulher tão jovem interessada em se tornar freira atualmente, principalmente, sendo abençoada com tantas oportunidades.
- Madre, abrigada por sua compreensão.
- Querida, a única pessoa capaz de julgar é deus, se acreditar no seu amor os seus pecados serão perdoados. Estar na igreja não é o bastante, precisa sentir a presença no seu coração.
Eu aceno com a cabeça e a Madre sai do quarto como se tivesse vindo para me dizer essas palavras. Karen revira os olhos entediada e me aconselha novamente a se divertir, o que me faz duvidar um pouco do seu caráter. Despedimos desejando boa noite e me ajoelho sobre a borda da cama para rezar. O silêncio do quarto era tão reconfortante que continuo rezando por mais algumas horas, quando sou surpreendido por uma presença. Se não fosse pelo som da porta rangendo e o típico perfume cítrico, não teria percebido a sua presença ameaçadora.
- Eu não estou interessada, então saia do meu quarto!
- Não acredito... Você não estaria tentando fugir se não estivesse interessada.
- Agora, você esta inventando besteiras porque não aceita a realidade?
Álvaro permanece em silêncio, olhando fixamente para os meus olhos. Havia algo sombrio no seu comportamento descarado, era uma ameaça silenciosa e mortal que declarava, claramente, a sua revolta diante da situação. Significava que o homem estava em seu limite me forçando a recuar nas provocações.
- Nós fomos feitos para mais do que essa existência enclausurada. Diga-me, as noites parecem tão longas para você quanto para mim? Sabe, passei inúmeras horas acordado, imaginando como seria abraçar o seu corpo sem restrições.
O luar que entrava pela janela banhava o quarto com um brilho estéreo. Samuel, ficou imóvel o coração batendo forte com pensamentos proibidos, enquanto os olhos do Padre, escuros de emoções reprimidas, traçavam os contornos do seu rosto. Cada sílaba dos lábios dele intensificava a atração magnética de suas almas, provocando sentimentos estranhos a noviça.