Olivia
Havia se passado uma semana até ficar tudo pronto. Na mais perfeita ordem, ao gosto impecável do pai da noiva, e do noivo, é claro. Não quis me envolver, muito menos coloquei os pés para fora da casa onde nasci. Aquela casa continha o cheiro dela, cada cantinho me fazia lembrar da minha mãe, o seu esposo não se atreveu a mudar a decoração. Ele ainda pensava nela, escondida podia vê-lo pelas madrugadas, andando pela sala, com o porta retrato deles de casamento. Conversava sozinho. Não, o Coronel Cristóvão dialogava com ela.
Distraia-me olhar o meu reflexo sério e contido no espelho de corpo inteiro. Ainda tinha as laterais de vidro cortante um pouco distantes, dando espaço suficiente para caber uma mulher, preparada para efetuar os últimos ajustes. Afinal, a barriguinha não parava de crescer.
- Prontinho. - Apalpou o quadril por cima do vestido de princesa, na cor branca. Nossa que brega! - Respire e inspire, sucessivamente. De maneira lenta, sem pressa. Temos meia hora antes da chamada do juiz de paz.
Disse-me a modista, encontrando o meu olhar. Ela sabia da minha gestação, por essa razão o corte da peça não marcava tanto a cintura, muito menos o ventre.
- Faça como pedi por favor, não quero ser repreendida caso sufoque na sua própria roupa de noiva.
- Minha barriga já está aparecendo, qual o problema disso?
Travamos a mirada por um período de tempo indeterminado sem piscar um olho sequer. A moça era tão séria em seu terninho preto, que mais parecia uma agente da funerária. Como precisava ceder, procurei, meio a contragosto entender a sua posição, e efetuei exatamente o que acaba de solicitar.
- Satisfeita?
- Obrigada senhorita.
Removeu as mãos do local.
- Como se sente? - Colocou as junções coladas como se rezasse uma prece.
Olhei-me dos pés à cabeça, não reconhecendo a imagem na minha frente.
- Pareço um bolo sorvete gigante preparado para viagem.
- Oh! - Escondeu a boca, mas podia garantir pela força do seu olhar que achara graça do meu pitaco.
Quando se conteve removeu pigarreando em seguida. Pondo os braços para trás.
- Estás linda, e o caimento esconde o seu bem mais valioso dessa união. Do jeito que o Coronel do exército solicitou.
- Perfeitamente. - Ditei seca, mas quando ia tocar a fonte disso tudo a cerimonialista chamou-me, avisando que tanto o noivo, convidados, e o juiz, aguardava-me no salão principal.
E bem atrás dela saia o responsável por todo esse arranjo. Virei-me de supetão, sendo ajudada por dois empregados da modista. O vestido tinha calda, uma maldita e tremenda calda. Sem véu, não iria usar a porcaria de um véu nem que a vaca tussa! Nem que o solo se rachasse e o céu se abrisse.
- Satisfeito? - Perguntei, fazendo o possível para não entrar em desespero ao olhar diretamente para o executor dessa maluquice.
- Não imagina o quanto minha filha. - Discorreu suavemente, olhando orgulhoso para a sua criação.
- Não era essa emoção que esperava despertar.
Joguei a frase sentindo uma oscilação confusa de sentimentos. Devia ser os benditos hormônios, um joguete c***l dessa situação gestacional.
- Deixemos as diferenças de escanteio, e vamos celebrar. Sua mãe estaria alegre ao ver a menininha dos olhos dela se casando como uma moça decente faz.
- Nossa… - Limpei o canto do olho, procurando meticulosamente não borrar a maquiagem leve que optaram nesse look. - Quase acreditei nesse discurso de pai protetor.
- Oli… - Tirou do bolso o broche de ouro, em formato de uma rosa fechada. Mamãe sempre usava nas suas vestimentas. - Quero que use, pelo menos por hoje.
Pegou a minha mão, e na palma colocou o objeto de valor, fechando a seguir. Reparando o quanto aquilo refletia em nossas vidas, a única ligação de respeito que ainda sobrevivia entre nós dois. As lembranças da mamãe.
- Usarei por causa dela, não porque o Coronel está pedindo.
Suspirei revoltada ao notar observadores achando o momento em questão uma confraternização harmoniosa entre pai e filha. Mas não era isso que eu sentia, existia muitas mágoas escondidas nessa relação paternal conturbada.
Escolhi a parte central onde deveria existir a linha que desenharia a cintura, ali, foi como se sinalizasse o causador do enorme problema pela qual estava fadada a pagar com o meu corpo.
Ajeitei o cabelo comprido, deixando as madeixas encaracoladas pelo maravilhoso babyliss, escorrendo pelos ombros. Sabia o quanto essa peculiaridade excitav*a o soldadinho, e hoje, depois da cerimônia e da festa, na lua de mel, faria ele tremer as perninhas de tanto praze*r. Pablo podia estar se casando para ter uma família completa, mas eu poderia ter os meus motivos escusos. Já que era praticamente obrigada a cometer essa patifaria, teria que tirar proveito de alguma parte dessa palhaçada.
- Pronta?
Concedeu-me o braço, mas não daria a ele o sabor dessa lembrança.
- Nasci pronta. - Disse-lhe, orientando aos demais para continuarem a segurar aquela calda asquerosa.
Em decorrer deixei-o para trás, sem um pingo de remorso, pois, tinha consciência de que me seguiria. Mesmo que não entrássemos no salão do jeito esperado.
Pablo
Assim que a música tradicional foi tocada, as portas do salão foram abertas. Reservada para qualquer tipo de evento respeitoso dos membros dessa infantaria sempre imaginei quando seria o dia que a minha princesa chegaria, e lá estava ela.
Olivia surgiu lindamente, acompanhada do seu progenitor. Que honra me tornar parte da família de um homem tão admirável quanto ele. Seus efeitos na corporação trouxeram muitas vitórias para o nosso regime militar.
Porém, nesse instante de reflexão quero imensamente deixar que os meus pensamentos sejam exclusivamente para a mulher que está caminhando seriamente de encontro ao propósito não escolhido por ela. No entanto, não poderia arrumar uma dama melhor. Olivia obteve cem por cento daquilo que almejava como esposa, embora contraditória ao seu novo recomeço ela vinha na minha direção sem colocar empecilhos ou pedras naquele caminho reto. Seu vestido arrastando no tapete vermelho, apenas me deixava ansioso para concretizar essa cerimônia.
Sedutoramente me manteve compenetrado, sabendo de antemão o quanto desejava tocar naquela cabeleira negr*a. Todavia, não possuo a ideia concretizada que ela aguarda dessa lua de mel.
Astuta, precisei estudá-la. Sua intenção era seduzir e a minha era ensiná-la.
Após sua entrada triunfal, tendo o olhar seguindo-a até o final, seu pai a entregou a mim. Exclusivamente para cuidá-la.
Sérios olhamos os dois juntos para o juiz de paz, mas bem que notei a danada vasculhando o meu uniforme de gala.
***
A cerimónia prosseguiu sem muitas delongas, e no decorrer descrevi a noiva detalhadamente o meu discurso, constrangendo-a em algumas pautas ressaltadas. E como desconfiava a mesma não havia feito um para mim. Tomei a dianteira, e deixei pronto.
Ouvi-la falar tudo aquilo que não saiu de sua mente, somente para agradar a todos os convidados, se tornou um instante cômico, muito interativo. Um casamento perfeito.
Assim que terminou de ler, com muito esforço, diga-se por sinal, não houve a tradicional pergunta se existia alguém contra. Eu e o meu sogro orientamos ao responsável para não invocar esse questionamento. Sendo assim, a única questão era o sim ou não, pois devíamos dá-la a opção de negar ou aceitar.
O juiz explanou, e nada dela responder, parecia ter sido congelada. Petrificada.
- Quer ajuda para dizer o óbvio? - Cochichei seriamente sem desviar o olhar do homem de terno. - Achei que tivesse sido claro, nada lhe faltará. Nem amor.
Murmurei a última palavra segurando firme a mão da mulher que dividiria uma vida comigo. A solidão seria deixada para trás, realizando o meu grande desejo, e no pacote, a emoção de ser pai. Serei o melhor papai que essa criança poderia ter, não importa quem o gerou. Ele é meu, nada e ninguém poderá mudar isso.
- Bom… - Soltou o ar preso em seus pulmões.
Imaginei o sacrifício para uma libertina aceitar esse estilo de aprisionamento. Mas, eu mostrarei o quanto podemos ser felizes nessa nova modalidade, nessa incrível jornada desconhecida em seu dicionário.
- Sim. - Finalmente verbalizou.
E logo em seguida a pergunta foi redirecionada a mim. Prontamente afirmei com toda a garra existente na alma, fazendo-a revirar os olhos. Declarando a sua insatisfação para o contribuinte desse evento. Ele, por sua vez, buscou encontrar alguma contradição naquela transparência fora de hora, mas logo a noiva disfarçou, dizendo que só estava cansada.
Prosseguimos com a troca de aliança, e nisso não encontrei nenhuma objeção. Assinamos o livro normalmente.
Finalizamos, fornecendo um beijo casto diante de todos os envolvidos, na testa. Um sinal de respeito, uma característica protetora de quem o faz.
O coronel se aproximou para assinar o livro de casamento, escolhido para ser a testemunha da parte da noiva rebelde. Contente pelo maravilhoso recomeço para a sua herdeira.
Ronan veio para efetuar o mesmo, sendo o meu convidado para celebrar esse momento, pela qual julgava afiadamente que nunca encontraria. Meu amigo do quartel se assustou quando avisei sobre o meu casório, achou uma loucura hedionda, mas não colocou trava ao chamá-lo para se alegrar comigo. O soldado sabia o quanto significava para mim.
O juiz nos liberou, dando a nós o documento. A certidão da nossa junção.
Claro que eu mesmo guardei, era um tesouro mais que esperado alcançar.