Para Betina, já não era nenhuma tortura executar aquele tipo de trabalho. Assim como as outras meninas da casa, ela já havia se acostumado. A cada dia que passava, Vera Lúcia Gaião arranjava uma nova dívida, mesmo ficando com mais da metade do que as garotas recebiam. Sempre arranjava pretexto para o uso do dinheiro. Vera fazia questão que todas estudassem. Precisavam falar bem, escrever bem, e até aprendiam outros idiomas, sendo preparadas para lidar com estrangeiros. Todos esses cursos e professores custavam caro, e por mais que Vera sempre desviasse um pouco de dinheiro, ela usava a verba de suas meninas, para investir nos estudos delas.
Betina sabia que aquele tipo de trabalho, quase escravo, era crime. Mas quem prenderia uma socialite podre de rica? No Brasil, ninguém. Verdade fosse dita, ela tinha uma vida de luxo na casa de madame Lúcia. Boa comida, boas roupas, boa cama… Até faculdade Betina pôde fazer. Era formada em direito empresarial, e com um único foco: retomar o que era dela.
Betina era herdeira de 50% de tudo o que seu pai tinha, herança de sua mãe. No momento certo, ela voltaria para ocupar o lugar que era seu. Tinha uma boa base, e lutaria pelo que lhe correspondia. Ao seu lado, tinha alguém que compraria a sua briga. O seu primeiro e mais importante cliente: Simón Beaufort. Assim como ela, era advogado, porém, com alguns anos a mais de experiência. A fama dele o antecedia. Simón jamais perdia um caso. Por ela, tinha certeza que ele moveria céus e terras. Era encantado por Betina, e se não fosse pela diferença de idade, tinha certeza que Simón assumiria o que sentia por ela.
É verdade que durante todos esses anos, para preservar a imagem da moça, nunca quis saber o seu verdadeiro nome. Mas após quatro anos, havia chegado o momento certo.
Em poucos dias Simón a visitaria, e Betina conversaria com ele sobre uma parte de sua vida que, até então, era oculta. Estava tão ansiosa por aquele momento, que m.a.l conseguia se concentrar em seus afazeres.
Estava terminando a sua maquiagem, faltavam poucos minutos para a tal despedida de solteiro na qual ela foi recrutada, junto com mais duas das garotas da casa, quando batidas na porta atrapalharam seus pensamentos. Aquilo foi uma clara lembrança de que precisava deixar aquele assunto de lado, e se concentrar na missão que estava por vir.
A pessoa do outro lado não esperou mais de um minuto para girar a maçaneta, e invadir o quarto que Betina ocupava.
- Portas existem justamente para os quartos não serem invadidos.- Disse a jovem, sarcasticamente, sem se dar ao trabalho de sair da frente do espelho. Estava sentada, rente a penteadeira, ainda esfumando uma das sombras que contornava seu olho.
Como se tratava apenas de Vanda, ela poderia se permitir dar algumas respostas mais atrevidas.
- P.u.t.a não tem privacidade.- Rebateu a mulher, despreocupadamente.
A resposta para aquilo veio na ponta da língua de Betina, mas ela achou melhor não revidar. Por mais que fosse apenas o Cerberus, existia uma hierarquia na casa.
- Estarei pronta em cinco minutos.- Betina decidiu que a ignoraria, com o seu mesmo tom inescrutável de sempre, para mostrar a outra que não tinha sido atingida por aquela afirmação.
- Assim que terminar, vá para a sala do primeiro andar. Faremos uma reunião com você e as outras. Não demore.- Avisou a mulher, saindo logo depois.
Bufou, irritada, assim que a porta do quarto voltou a bater, com a saída de Vanda.
A mulher era indigesta, e olha que nem era a abelha rainha. A maioria das pessoas preferiam tratar diretamente com Vera Lúcia, que sabia ser mais diplomata e simpática, do que a intratável de sua irmã mais nova.
No tempo determinado pela c******a, Betina, assim como suas colegas de trabalho, se reuniram no ambiente escolhido. A poderosa chefona estava no centro, como de costume, bem acomodada em uma poltrona confortável, enquanto o seu mordomo a servia uma taça de vinho branco. Embora a mão fosse rechonchuda, Vera Lúcia tinha uma certa delicadeza ao segurar o objeto. Ela degustou a bebida calmamente, antes de se voltar para as garotas. As três estavam em fileira, no mesmo sofá.
As melhores da casa. As favoritas, como os cavalheiros costumavam a se referir.
A primeira, a da ponta, se chamava Anna Pavlova, de origem Russa. Quem fitasse de relance os olhos verdes da jovem, não imaginariam que, por detrás da aparência doce e gentil, se escondia uma deusa capaz de levar qualquer homem a beira da loucura.
Na outra ponta estava Maitê Ferraz, a única loira do grupo, irresistivelmente atraente com seus olhos acinzentados. Das garotas, foi a que mais deu trabalho. Não aceitava muito bem a sua condição, a princípio, mas sempre depois das conversas estimulantes que Vera Lúcia tinha com a jovem - Betina tinha certeza que se tratava de uma chantagem-, Maitê acabava aceitando o seu destino.
No meio delas, Betina, como Vera Lúcia costumava dizer: a sua garota mais dissimulada. Embora fosse a mais nova das três, ela tinha um poder de persuasão incomparável. Sempre arrancava dos homens o que queria - e o que não queria também-.
- Quero bolar uma estratégia, como sempre fazemos com os clientes mais importantes. Algumas garotas já estão lá embaixo, mas as principais da noite são vocês três. Deixem que o patrocinador da festa escolha primeiro, e depois, os convidados dele. Quero as três em ordem alfabética, ou seja, Anna na direita, Betina no meio, e Maitê a esquerda.-
As moças nunca entendiam essa obsessão de Vera Lúcia em organizar tudo por ordem alfabética, cores, números… Parecia uma doença. Só restava acatar, já que ela era a chefe.
- Entenderam?- Perguntou, irritada quando as três permaneceram quietas.
- Sim.- Responderam as três, em uníssono.
- O que estão esperando? Um convite formal? Vão já para a área debaixo, os clientes já estão lá.- Falou a c.a.f.e.t.i.n.a, impaciente.
Elas se retiraram, em seguida.
Por mais que fosse comum participar eventos como aquele, Betina não evitou ficar nervosa. Não sabia o porquê, e nem tinha explicação para isso. Assim que pisou no andar debaixo, com as outras, os homens que estavam espalhados pelo lugar ficaram encantados com as três. A música estava alta, e garçonetes bem avantajadas serviam das mais variadas bebidas e comidas. Entre os rapazes, estava ele, o financiador de tudo. Os olhos de Betina encontraram os do rapaz, assim que um entrou no campo de vista do outro.
Por um minuto inteiro, o tempo parou - ou talvez apenas passou devagar-.
Arthur Lancelotti, assim como os seus amigos que estavam ali, era um jovem de vinte e cinco anos, de boa família, tanto no sobrenome, quanto nos bolsos. Era exatamente o perfil de homem que tinha tudo o que queria, e Betina sabia que ele poderia tê-la, se quisesse.
Os olhos dele eram de um misto intrigante de azul com cinza, e o cabelo absurdamente escuro acendia mais a cor deles. O sorriso largo e fácil também ajudava e muito na aparência deslumbrante. Estava de roupa social, assim como os outros, e Betina reparou até mesmo nas mãos e pés higienizados, enquanto ele se aproximava. Os outros continuaram parados no mesmo lugar, enquanto Arthur caminhava até a garota do meio.
Betina prendeu a respiração por meio minuto. Será que o tal homem iria mesmo escolhê-la?
Arthur não parecia sequer ter enxergado as suas amigas. Não que Anna e Maitê fossem menos bonitas, cada uma era extremamente linda e encantadora do seu próprio jeito. Eram três belezas diferentes, que quando caminhavam juntas, ofuscavam as demais garotas da casa.
Mas naquela ocasião, com os olhos tão intensos de Arthur Lancelotti sobre si, Betina se sentia a mulher mais bonita do mundo.
- Será que me acompanha em um drinque?- Perguntou o homem, analisando cada traço bem desenhado do rosto delicado da jovem. Ele levantou uma de suas mãos, no intuito que Betina pousasse a sua sobre a dele.
- Será um prazer.- Concordou a mesma, permitindo-se ser conduzida para uma das alas mais privadas do cômodo.
…
- Eu estou realmente impressionado. A descrição que fizeram de você...- Começou Arthur, sentado em uma das poltronas, enquanto assistia Betina servir ambas as taças com champanhe. Havia uma mesa entre eles, na qual Betina logo tratou de driblar, para se aproximar mais do rapaz, e entregar a taça destinada a ele.
- Então quer dizer que já ouviu falar de mim.- Disse a garota, não parecendo nada surpresa, a julgar por seu tom de voz.
- Por que acha que decidi fazer a minha despedida de solteiro aqui?- Ele abriu o canto da boca em um sorriso malicioso, que fazia um par perfeito com o olhar cínico.- Todos dizem que as melhores garotas são as da madame Lúcia, além do fato, de que, a organização também não deixa a desejar.-
- Fico muito satisfeita por saber que somos conhecidas assim. Nos esforçamos muito para desempenharmos um bom trabalho.- Betina levou a taça á boca, bebericando a bebida com suavidade, antes de continuar.- Todas somos estudadas, preparadas para lidar com a nata paulistana.-
Betina gostaria de mencionar que também fazia parte dela, mas precisava lembrar que, aquela garota de há quatro anos, já não existia.
- Como uma moça como você veio parar aqui?-
- Somos proibidas de falar do nosso passado. O que interessa é quem somos agora.- A jovem suspirou, e embora Arthur percebesse uma certa melancolia, não havia identificado pesar.
- E quem você é agora?- Perguntou Arthur.
- Sou o que você está vendo. Uma p.r.o.s.t.i.t.u.t.a mais cara do que as outras.-
Arthur não evitou achar graça do tom infame que ela usou em sua voz.
- Qual é o seu nome?-
- Ah, achei que já soubesse. Ouviu mesmo falar de mim, ou apenas disse isso para tentar alimentar o meu ego?.- Ainda de pé, Betina colocou a taça na mesa, e caminhou para o meio da suíte, descendo as alças de seu vestido vermelho, para começar a se desfazer da peça.
- Seu nome não é Rubi, é?- Perguntou, mesmo sabendo que, raramente, as garotas usavam os seus nomes verdadeiros.
- Para todos que frequentam essa casa, o meu nome é Rubi.- Ela se virou de costas para o homem, propositalmente, arrastando o vestido por suas curvas, até que o mesmo chegasse em seus pés. Tirou um de cada vez, permanecendo com a Lingirie de mesma cor.
Arthur pôde contemplar as curvas exuberantes das n.á.d.e.g.a.s, ao mesmo tempo que, através do reflexo do espelho convenientemente colocado por uma grande extensão das paredes do quarto, pôde ver a frente do corpo de Betina. Ele ficou de pé, sendo guiado por uma força, que o levava até ela, como um magnetismo. Levou suas duas mãos grandes a cintura esguia, virando-a de frente para ele, abruptamente.
- Não me importa quem você é, Rubi. Mas se for tudo isso que me disseram, acho que corro o risco de ficar apaixonado.- Murmurou Arthur, com a voz rouca, olhando com atenção para os lábios bem desenhados dela.
- Vai saber lidar com isso.- Murmurou Betina, acompanhando os olhos dele. Levou as duas mãos para os cabelos escuros e espessos do homem, enfiando os dedos por entre as mechas da nuca.
Ele a puxou contra si, a barriga lisa e definida da jovem tocando a região do quadril dele. Betina arquejou ao sentir o corpo grande e rígido do homem, pressionando-a daquela forma.
Arthur pousou um beijo vagaroso na lateral do pescoço feminino, roçando os lábios pela curva delicada. Betina fechou os olhos e suspirou, involuntariamente, jogou a cabeça para trás. As mãos de Arthur passeavam pela pele macia da barriga, subindo e descendo pelos arredores.
O cheiro dela já era um próprio afrodisíaco, e Arthur já não podia suportar o calor que emanava do próprio corpo. Ele suava, a evidência do seu desejo já ameaçando explodir, só por tocar nela. Mantendo o controle da situação, Betina se afastou. Ela sempre conduzia momentos como aquele com maestria.
- Vamos continuar com a sua bebida. Pode me contar um pouco mais sobre você.- Ela segurou o penhoar que estava pendurado no cabide, e se cobriu com ele. Também era vermelho, assim como toda a sua roupa.- Quer dizer que está com os dias de solteiro contados.-
- É… Um pouco. Ainda tenho quatro meses. Pretendo comemorar todos os finais de semana com você, até lá.- Arthur deixou claro que não queria continuar falando, quando seguiu Betina até onde a moça estava, tornando a envolver um de seus braços por trás dela. A puxou para si, mais uma vez, com a mesma de costas. Pousou um beijo na curva da nuca, se preenchendo com o aroma que emanava da jovem.
- Vamos terminar nossas taças, senhor. Está indo muito depressa.- Provocou Betina, tornando a ficar de frente para o rapaz.
- Já ouviu o ditado de “ quem ama tem pressa”?- Arthur inclinou a cabeça um pouco para a frente, o bastante para quase tocar os lábios dela.
A jovem pousou o indicador no meio dos lábios dele, usando o mesmo de barreira.
- E você já ouviu o ditado que diz que o apressado come cru e quente?- Perguntou, com ironia.
Um sorriso cínico estampado sua boca.
- Eu gosto de experimentar o quente.-
- Ah, mas pode queimar a boca.- Betina conseguiu esticar um dos braços para a mesa, segurando uma das taças que estava lá. Ela a levou até a frente, colocando-a na mão do rapaz.
- Tudo bem… Tudo bem… Vou aceitar a sua sugestão. Precisa disso para ficar mais à vontade?- Arthur entornou a taça na boca, acabando até a última gota com um único gole.
- Estou de penhoar na sua frente, com apenas uma lingirie minúscula por baixo. Consegue achar uma definição melhor de “ a vontade”?- Rebateu Betina, segurando a própria taça da qual estava bebendo antes.
- Só consigo imaginar o que tem por detrás disso.-
Betina precisou conter a vontade de revirar os olhos. Os homens eram sempre os mesmos. Os mesmos comentários sacanas e i.d.i.o.t.a.s, a mesma mania de objetificar as mulheres.
- Vai conseguir ver, mas apenas no tempo certo.- Betina, mais uma vez, pousou a taça na mesa, antes de se sentar na poltrona. Ela cruzou as pernas propositalmente, o tecido do penhoar subindo pelas coxas grossas, e expondo os centímetros de pele.
- Sobre o que gosta de conversar?- Arthur mudou de assunto de repente.
Não deixaria que Betina assumisse cem por cento o controle da situação. Não deixaria que ela percebesse o domínio que tinha sobre ele.
- Isso não importa. É o seu gosto que deve prevalecer. Basta entrar em um tema, que irei acompanhá-lo.-
- Não, não gosto que as coisas aconteçam assim. Você é um ser humano com opiniões e posicionamentos, tem o direito de expressar…-
- Minhas opiniões e posicionamentos só são expressados em ocasiões necessárias, nunca no meu trabalho.- Betina o interrompeu, sem se importar de que ele pudesse ficar chateado.
- Mas e se o seu cliente te der carta branca para isso?-
- O que você quer saber?-
- Você sempre responde uma pergunta com outra?- Arthur riu, até se divertindo com a disputa infantil dos dois, para ver quem ficava com a última palavra.
- Posso conversar sobre história, política, economia… Tento estudar de tudo um pouco.-
- Linda e culta. Você vale cada tostão que os homens pagam.-
- Já ouvi isso antes. Somos bem treinadas para isso… Para valer cada tostão.-
- Eu quero que você seja só minha.- Arthur tornou a se aproximar, antes, pegando a taça de Betina que estava sobre a mesa, para entregá-la.
- Muita pretensão de sua parte, rapaz. Tenho clientes muito antigos.-
- Eu p**o o que tiver de pagar.-
- Não sou exclusiva de ninguém.- Betina tornou a encostar a borda da taça na boca, despreocupada. Embora sua voz estivesse inflexível, ela não tinha sido ríspida com o rapaz.
- Isso é o que vamos ver.-
Betina entregou a taça vazia para Arthur, que, por fim, a colocou no canto. Aquilo já estava prolongando muito, e ele se sentia ansioso como um adolescente de quinze anos prestes a perder a virgindade.
- Por onde quer começar? Sugiro que façamos um jogo.-
- Um jogo?- Perguntou Arthur, não entendendo o sadismo doentio de Betina em torturá-lo.
- Perguntas e respostas. Quem errar alguma, tira uma peça de roupa.- Respondeu a garota, com um sorriso malicioso.