João chegou na construtora e foi direto a sala de seu Renato entregar a carteira e o crachá para fazer as mudanças.
Já pegou o crachá novo com a mudança da função.
Tornou a descer e ficou aguardando a saída do ônibus.
Estavam agora na construção de um grande condomínio com quinze prédios de oito apartamentos por andar. Era uma obra muito grande e levaria alguns meses para terminar.
Gostava muito do que fazia. Ver o trabalho pronto lhe dava muita satisfação.
Já tinham alguns prédios em processo de acabamentos e todos os dias, João revia, para ter certeza que estava tudo certo.
A área comum, também era muito grande. Constava de duas piscinas, quadra de esportes e um parquinho que teria brinquedos para a criançada.
A empresa estava satisfeita com o que tinha sido feito até ali e agora sob o seu comando, tinha certeza que tudo ia ficar melhor.
Os dias foram passando e depois de dois meses que João tinha assumido a responsabilidade da obra, vieram umas pessoas para conhecer o trabalho que estava sendo feito.
Foram aos prédios que já estavam prontos e examinaram tudo minuciosamente.
João pensou que se tratava de futuros moradores e deixou que visitassem tudo, mas era a concorrência que estava ali.
Outra construtora, estava fazendo a visita, visando encontrar defeitos e quebrar a grande ascendência da construtora de Renato que estava fechando o contrato de todas as grandes obras que surgiam.
Sem saber as intenções dos visitantes, João deixou que vissem tudo, sem restrições.
Ao término da visita, disseram que realmente eram serviços muito bem executados e perguntaram se João não estava interessado em comparecer na empresa que eles representavam para discutir uma proposta.
João entendeu que eram concorrentes da construtora e respondeu:
- Estou muito satisfeito aqui, e não estou interessado não. Deixei vocês fazerem a visita, pensando que estavam interessados em comprar. Se soubesse que eram concorrentes, não teria deixado. Façam o favor de se retirar.
- Mas você nem ouviu a proposta. Garanto que vai perder dinheiro com isso.
- Não quero ouvir nada. Se retirem, por favor!
- Quem vai perder, é você.
- Desde que comecei nesta construtora, só ganho. Não vou sair dela antes de me aposentar. E eu tenho serviço para fazer. Se retirem agora.
Os homens foram embora e João voltou a trabalhar com tranquilidade.
Mais licitações foram feitas e o volume de obras contratadas aumentava a cada dia.
Seu Renato, chamou João e perguntou:
- Tem condições de você comandar mais de uma obra ao mesmo tempo?
- Só se for uma pela manhã e outra depois do almoço.
- Vou ter que contratar mais gente e tocar duas obras de cada vez. Preciso que você esteja de frente nelas. O volume de contratos aumentou muito.
- Tem muita gente boa precisando trabalhar. Lá aonde eu moro mesmo, tem muito pedreiro parado. Vivem de b***s como eu vivia antes de vir pra cá.
- São bons?
- Ajudaram a fazer a reforma da minha casa e trabalharam direitinho.
- Peça para virem aqui amanhã. Vou fazer testes com eles.
Quantos são?
- Que trabalharam na minha casa, foram cinco, mas tem mais gente lá que trabalha em construção e está parada.
- Eu faço o teste em todos que aparecerem. Preciso de uns quinze a vinte homens.
- Não sei se chega a isso. Mas vou falar com o pessoal e ver o que consigo. Se não fechar, bota anúncio em jornal.
- Queria evitar isso, para não chamar a atenção da concorrência.
- Então é tarde porque já chamou. Hoje apareceram na obra e pensando que era gente interessada em comprar eu deixei que olhassem tudo. Depois, queriam que eu fosse na empresa deles, discutir uma proposta.
- E você?
- Pedi que se retirassem e continuei meu trabalho.
- Obrigado, você é muito precioso aqui. Se tiver intenção de sair, quero que fale comigo antes. Se for questão financeira, a gente conversa e resolve.
- Não tenho a intenção de escutar proposta nenhuma. Estou muito satisfeito aqui. Eu até falei com eles que só saio daqui
quando me aposentar. E olha que falta muitos anos.
- Obrigado de novo. Trás o pessoal amanhã. Pode ir descansar agora.
- Até amanhã.
- Até amanhã.
João chegou em casa, tomou um banho demorado e depois avisou a Jandira:
- Vou na casa dos rapazes que ajudaram na reforma aqui. Seu Renato vai aumentar o número de empregados e pediu que eu arranjasse gente.
- Cuidado para não se queimar com isso.
- Eles trabalham direito e não bebem durante o serviço.
- Se você acha que vai dar certo, vai.
João saiu e foi na casa de um por um, fazendo o convite para que fossem na construtora fazer o teste para trabalhar.
Todos perguntavam:
- De carteira assinada? Trabalho o ano todo?
João respondia que se passassem no teste, teriam carteira assinada e trabalho o ano todo. Férias, décimo terceiro e todos os direitos respeitados. Comentou:
- A empresa é muito boa. Dá refeição e não desconta e nem o transporte. Só desconta o instituto que é de lei e o imposto de renda.
- Que horas você sai de casa?
- Saio as seis. Ainda tenho que procurar mais gente. Ele quer contratar mais uns quinze homens.
Cada um lembrou de mais dois ou três que poderiam fazer o teste e João foi junto com os rapazes fazer o convite.
No fim das visitas, tinha uma turma de vinte e dois homens reunidos, dispostos a fazer o teste e conseguir a tão sonhada carteira assinada.
João marcou a saída para as seis horas e avisou:
- Quem se atrasar vai ficar de fora. Tenho hora e não vou esperar ninguém.
Voltou para casa e Jandira perguntou:
- Arranjou o pessoal?
- Arranjei vinte e dois. Alguém pode não passar no teste. Seu Renato não quer botar anúncio para não chamar a atenção da concorrência.
- Tomara que dê certo e ninguém faça besteira pra você não ficar m*l.
- Seu Renato é que vai testar o pessoal, a responsabilidade é dele.
João brincou um pouco com as crianças até a hora do jantar.
Jonas e Janaína tinham passado por momentos de depressão e ele não estava entendendo.
Foram eles que decidiram deixar o mercado.
Desconfiado, perguntou a filha:
- Alguém maltratou vocês, lá no mercado?
Janaína, resolveu falar:
- Pai, tentaram mexer em mim. Um freguês queria que eu tirasse a roupa e fizesse coisas com ele.
O mundo daquele pai caiu.
Chamou a mulher e falou:
- Teve um filho da p**a que tentou abusar da nossa filha. Por isso deixaram o mercado.
- Vamos a delegacia e denunciar!
- Não temos provas. Eu vou matar esse filho da p**a!
- E vai preso. Vamos conversar com o seu Ricardo e Dona Marisa. Eles vão nos dizer o que fazer.
- Eu mato esse cara.
- Calma. Nada aconteceu. Vamos falar com eles e ver o quê fazer.
Foram na casa de Ricardo e pediram para entrar.
- Precisamos falar de um assunto muito grave.
Ricardo respondeu:
- Entrem, por favor.
Entraram e Marisa se juntou a eles.
Jandira começou:
- Vocês estão sabendo que as crianças não estão mais indo para o mercado fazer carretos. No dia que disseram que não iam mais, eu perguntei se alguém tinha maltratado eles e responderam que não, mas hoje a Janaína falou a verdade.
Marisa perguntou:
- E qual é a verdade?
- Um dos fregueses alegou que tinha pouca coisa pra carregar e foi só com ela. Quando chegou em casa, mandou que ela tirasse a roupa e queria estuprar a menina.
- Ele fez alguma coisa com ela?
- Não. Ela conseguiu fugir. Mas o João quer resolver as coisas do jeito dele. Falou até em matar.
João perguntou ao Ricardo?
- O que você faria no meu lugar?
- Também pensaria em matar, mas vamos pensar numa maneira de resolver isso, sem ter que envolver a polícia. Afinal, trabalho de crianças é proibido e vocês podem ter que responder processo também.
- Eu prefiro ir preso do que não tomar atitude nenhuma. Ela conseguiu escapar, mas se pega outra criança que não tenha a mesma sorte?
Marisa opinou:
- Deixa eu resolver isso. Vou dar um susto tão grande nele, que nunca mais vai chegar perto de criança nenhuma. Ela disse quem é?
Jandira respondeu:
- Ainda não. Ficou com medo do pai ser preso e calou. Mas vai ter que falar.
Marisa:
- Vamos até lá que eu vou conversar com ela? Ricardo fica em casa. Ela pode ficar com vergonha de você.
Foram atrás da menina.
Marisa pediu:
- Janaína, senta aqui perto de mim que eu quero conversar com você.
A menina sentou e Marisa começou a perguntar para ela:
- Quem foi o homem que queria que você tirasse a roupa?
- Eu não vou dizer. Não quero que meu pai vá preso.
- Isso é muito sério e você precisa falar. O seu pai não vai matar ninguém. Eu é que vou resolver isso.
- Eu tenho medo.
- Mas se ele pega outra criança e ela não conseguir fugir como você? Ele precisa pagar pelo que fez.
- A senhora vai na polícia?
- Não. O trabalho infantil é crime e seus pais poderiam ser processados. Tenho que resolver por outros métodos.
- A senhora vai matar ele?
- Claro que não. Mas vou ameaçar ele de processo. Ele vai ficar com medo e não vai fazer de novo.
- Se eu falar para a senhora, a senhora vai contar pro meu pai?
- Ele precisa saber. Tem que proteger vocês. Se tem um pedófilo nas redondezas, todos os pais precisam saber para proteger os filhos.
- Então eu não vou dizer.
- Você precisa falar ou outra criança pode ser machucada por ele.
- Mas se o meu pai souber quem é vai querer matar ele e vai preso.
João estava escutando a conversa das duas e prometeu:
- Prometo a você que não vou matar ninguém, mas você tem que dizer quem foi pra dona Marisa resolver esse assunto.
- O senhor promete mesmo?
- Prometo.
- Eu não sei o nome dele, mas é perto do mercado e eu posso apontar a casa.
- Aí ele pode te ver.
Marisa falou:
- Depois que eu falar com ele, não vai ter coragem de fazer mais nada. Mas o Jonas sabe aonde ele mora?
- Sabe sim. Das outras vezes, fomos nós dois.
- Então o Jonas é que vai apontar. Assim você não corre risco nenhum.
- E se ele bater no Jonas?
- Ele vai apontar a casa e voltar. Eu vou falar com ele sozinha ou vou chamar o Ricardo para ir comigo.
- Amanhã de manhã o Jonas vai apontar a casa pra mim.
João falou:
- Vou chamar ele. Está no quarto vendo televisão.
João foi chamar e Jonas veio para a sala. Perguntou:
- O que foi? A senhora mandou me chamar?
Marisa respondeu:
- Quero que você amanhã de manhã me mostre em que casa mora o homem que tentou abusar da sua irmã.
- A senhora vai na polícia?
- Não. Mas eu trabalho no conselho tutelar e vou saber resolver isso.
- Então eu mostro sim. Se quiser ir agora eu mostro.
- Não. Já está escuro. Prefiro amanhã.
E para João:
- Se acalma e deixa o assunto comigo.
- A senhora quer que eu vá junto?
- Não. Tenho receio da sua reação. Eu vou com o Ricardo.
Marisa voltou pra casa a pediu ao marido:
- Amanhã de manhã o Jonas vai me apontar a casa do sujeito. Você me acompanha na hora de falar com ele?
- Claro. Você não deve ir sozinha falar com um estuprador.