A luz suave do fim de tarde inundava a aconchegante cozinha da casa dos pais de Bruno, onde todos se sentaram à mesa. Loreta brincava com seus netos, Isabel, Antônio e Emanoel, na sala de estar adjacente, proporcionando um alívio momentâneo para a família.
Na cozinha, Helena, Bruno e Nilton se reuniram ao redor da mesa. Era hora de conversar sobre o que havia acontecido mais cedo, quando Loreta saiu de casa em uma crise de confusão. Eles trocaram olhares silenciosos, sabendo que era hora de abordar um tópico que havia sido evitado por anos. Helena, curiosa e determinada, tomou a iniciativa.
"Eu estava pensando, Senhor Matos, sobre essa fazenda da qual a Loreta fala tanto quando está confusa. Você já mencionou que ela é filha de um pecuarista, certo?"
Nilton suspirou profundamente, olhando para o rosto preocupado de Helena. Era um assunto que raramente surgia, mas agora parecia inevitável.
Nilton assentiu, seu olhar vagando pelo passado. "Sim, Helena. Quando Loreta e eu nos conhecemos, ela era a herdeira de uma grande fazenda no Mato Grosso. Naquela época, ela havia acabado de se formar e estava determinada a seguir sua paixão pelo ciclismo. Ela deixou para trás a vida de luxo e as expectativas de seu pai para ficar comigo e seguir seu sonho."
Helena olhou para Nilton, seus olhos cheios de curiosidade. "Então, o que aconteceu com a fazenda e com o pai dela? Você tem notícias?"
Nilton suspirou antes de responder. "Não, quando a Loreta tomou a difícil decisão de deixar tudo para trás, incluindo a fazenda, para ficar comigo, foi como se uma muralha tivesse sido criada entre eles. Meu coração sempre se enche de gratidão por isso, mas, infelizmente, essa decisão a afastou de sua família. Seu pai, um homem de tradição e orgulho, não aceitou bem a escolha dela."
Bruno assentiu, adicionando à explicação de seu pai. "Ele não só não aceitou, como cortou relações com a minha mãe por completo. Ele ficou muito magoado com a decisão dela de sair da fazenda e seguir seus próprios sonhos."
Helena olhou para eles com compaixão. "Isso deve ter sido muito difícil para ela naquela época, abandonar tudo o que conhecia."
Nilton concordou. "Foi. Mas nós estávamos apaixonados e determinados a construir uma vida juntos. Acreditamos que a verdadeira riqueza estava em nossa felicidade e no amor que tínhamos um pelo outro."
Helena sentiu compaixão pela situação. "Você tem alguma notícia dele, Nilton? Ou qualquer informação sobre a fazenda, talvez um endereço atual?"
Nilton balançou a cabeça lentamente, seu rosto carregando um olhar de saudade e tristeza. "Não, tenho apenas o endereço da casa da família na capital, Cuiabá. Mas isso foi há muito tempo, Helena. Provavelmente, eles nem estão lá mais."
Helena assentiu compreensivamente, reconhecendo a dificuldade da situação. "Entendo. E sobre os irmãos ou outros parentes dela?"
Nilton suspirou profundamente. "Loreta tinha dois irmãos, mais velhos que ela, mas eles morreram durante uma briga pelas terras.Nem sei ela tem outros parentes... Não temos notícias deles há anos."
O silêncio pairou na cozinha enquanto todos absorviam a tristeza da situação. Era um dilema complexo, lidar com as consequências da decisão de Loreta e as feridas familiares não cicatrizadas.
Enquanto isso, na sala de estar, Loreta brincava com seus netos, imersa em um momento de alegria e esquecendo temporariamente os fardos do Alzheimer. Isabel, Antônio e Emanoel riam e se divertiam, trazendo uma sensação de união e felicidade à família.
Bruno quebrou o silêncio na cozinha com um sorriso triste. " A fazenda que ela mencionou, era raiz de sua vida, deve estar conectada a memórias que ela continua a buscar, mesmo quando a doença a leva para outros lugares."
Helena assentiu, compreendendo a complexidade da situação. "Sim, eu entendo. A fazenda é uma parte significativa de sua história e de quem ela foi um dia. Deve ser difícil para ela lidar com essa perda."
Nilton olhou para a esposa com ternura. "É por isso que cuidamos dela com tanto amor, mesmo quando a doença a faz vagar entre o passado e o presente. Queremos que ela saiba que estamos aqui para ela, não importa o que aconteça."
Enquanto as crianças brincavam e Loreta sorria, a cozinha e a sala de estar se encheram de risadas, lembrando a todos que a verdadeira riqueza da vida estava nos momentos compartilhados com aqueles que amamos.
***
A manhã seguinte se desenrolou com a mesma tranquilidade de costume na casa dos pais de Bruno. O dia estava começando com os primeiros raios de sol iluminando a cozinha, onde a família se preparava para um novo dia.
Enquanto Nilton, Bruno e os pequenos estavam prestes a sair para o trabalho e escola, Helena decidiu abordar a questão do endereço da família de Loreta. Ela sentiu a necessidade de descobrir mais sobre o passado da mulher que agora fazia parte de sua vida.
"Antes de você sair, Senhor Matos," Helena começou, "há algo que gostaria de perguntar."
Nilton, parando para olhar Helena com curiosidade, respondeu: "Claro, Helena. O que você precisa saber?"
Helena respirou fundo, reunindo sua determinação. "Preciso do endereço da casa da família de Loreta no Mato Grosso. Eu quero entender mais sobre seu passado e tentar encontrar alguma conexão que possa ajudar Loreta de alguma forma."
Nilton concordou, entendendo a curiosidade e a preocupação de Helena. Ele se dirigiu à escrivaninha da sala e começou a revirar algumas gavetas, eventualmente encontrando uma pasta com documentos pessoais de Loreta.
"Provavelmente está aqui," Nilton disse, entregando a pasta a Helena.
Ele explicou que não mexia nesses documentos há anos, desde que Loreta foi diagnosticada com Alzheimer. Helena agradeceu, pegou a pasta e começou a folheá-la em busca do endereço da casa da família de Loreta.
Com uma expressão concentrada, Helena finalmente encontrou o endereço e sentiu um vislumbre de esperança. No entanto, ela sabia que precisava de mais informações para fazer contato efetivamente. Ela então decidiu pesquisar na internet por qualquer informação relacionada ao sobrenome Siqueira naquela região. Talvez, com sorte, ela encontrasse um número de telefone ou algum familiar disposto a se reconectar com Loreta.
No entanto, as buscas revelaram-se frustrantemente infrutíferas. A única informação que Helena encontrou eram matérias antigas sobre premiações de gado da fazenda Siqueira. Não havia pistas sobre o paradeiro atual da família de Loreta.
Helena suspirou, sentindo-se desencorajada. Por um momento, ela pensou em desistir, mas sua determinação falou mais alto. Ela estava disposta a fazer qualquer coisa para trazer um pouco de paz à Loreta e talvez permitir que ela se reconectasse com sua família.
Enquanto explorava os documentos na pasta, ela encontrou a certidão de casamento de Loreta com Nilton. Embora isso não fosse exatamente o que ela estava procurando, Helena decidiu conferir a parte de filiação de Loreta. Ela esperava encontrar o nome dos pais de Loreta, o que poderia ajudar na busca.
Para sua surpresa, a certidão de casamento trazia os nomes dos pais de Loreta: Ludovico Siqueira e Ana Siqueira. Helena imediatamente anotou esses nomes. Ela pensou que talvez uma pesquisa mais específica pudesse dar melhores resultados. Por isso, começou a pesquisar na internet pelo nome deles, na esperança de encontrar algo relevante.
No entanto, uma vez mais, as buscas não produziram muitos resultados. Helena se sentiu frustrada, mas não estava pronta para desistir. Ela sabia que as informações estavam em algum lugar e que, com um pouco de persistência, poderia encontrá-las.
Decidida a dar mais um passo, Helena pegou um pedaço de papel em branco e uma caneta escrever uma carta. Ela acreditava que, apesar das dificuldades do passado, talvez alguém na família de Loreta ainda se importasse com ela e pudesse fornecer informações valiosas.
Com uma caneta em mãos e um pedaço de papel à sua frente, Helena começou a escrever a carta. Ela descreveu brevemente a situação de Loreta, mencionou seu amor por Nilton, Bruno e os netos, e expressou sua preocupação em relação ao estado mental de Loreta.
Depois, Helena compartilhou sua esperança de aprender mais sobre a família de Loreta e, quem sabe, estabelecer uma conexão para o bem de todos. Ela terminou a carta com um convite aberto para que, se alguém da família Siqueira estivesse disposto a entrar em contato, poderiam fazê-lo.
Depois de terminar a carta, Helena a colocou em um envelope e selou-o. Era um pequeno ato, mas era uma demonstração de sua dedicação em reunir Loreta com sua família. Com um suspiro de alívio e determinação, ela colocou o envelope na bolsa, pronta para enviá-lo assim que tivesse a chance.
Enquanto Loreta assistia sua novela na sala de estar, alheia à atividade de Helena na cozinha, esta última sentiu um novo senso de propósito. Ela estava determinada a fazer tudo o que estivesse ao seu alcance para dar à sua sogra a oportunidade de reconciliação com sua família, um presente de amor que ela merecia.