A rotina na casa de Helena estava sempre cheia de ação, especialmente quando envolvia ajudar as três crianças - Isabel, Antônio e Emanoel - com suas lições de casa. Naquela tarde, eles estavam sentados à mesa da cozinha, livros e cadernos espalhados enquanto tentavam desvendar os mistérios da matemática e das ciências. Loreta estava na sala, imersa em sua novela favorita.
Antônio, o mais velho entre os gêmeos, lançou um olhar cansado para sua mãe e murmurou: "Matemática é chata."
Helena riu. "Mas a matemática é fascinante, Antônio! Pode ser difícil às vezes, mas é como resolver enigmas."
Isabel, com sua franqueza infantil, resmungou: "Eu acho ciências pior."
Emanoel se juntou à conversa: "Escola é chata. Podemos só brincar o dia todo?"
Helena franziu a testa, brincando: "Está acontecendo uma rebelião contra a escola aqui? Vocês sabem que a educação é importante, não é?"
As três crianças riram e continuaram suas lições, enquanto Helena incentivava o amor pelo aprendizado.
Enquanto isso, um som de palmas ressoou ao longe, vindo do portão. Helena se levantou e seguiu em direção ao portão, onde encontrou um homem de terno e gravata aguardando. Ela o encarou com curiosidade quando ele perguntou se ali era a casa de Loreta Siqueira.
Helena cruzou os braços levemente e perguntou: "Sim, é. Posso ajudá-lo? Quem gostaria de ver Loreta?"
O homem, com um sorriso amigável, respondeu: "Meu nome é Gustavo Nery, advogado. Eu represento os interesses de Loreta Siqueira, ou melhor, os interesses do escritório que lida com o inventário dos Siqueira. Recebemos uma carta enviada por você, e eu vim aqui para falar sobre isso."
Helena assentiu, recordando a carta que havia enviado na esperança de encontrar informações sobre a família de Loreta. Ela, no entanto, estava intrigada e cautelosa, não sabendo o que esperar. Helena olhou para o advogado e finalmente concordou: "Por favor, entre. Vamos conversar na sala. Sente-se."
Helena conduziu Gustavo Nery, o advogado que representava o escritório de advocacia encarregado do inventário da família Siqueira, até a sala de estar. Ela educadamente indicou o sofá onde ele poderia se acomodar e ela mesma ocupou uma poltrona à sua frente.
Loreta, curiosa com a presença do estranho, não pôde evitar fitá-lo com interesse. Inclinando a cabeça, ela perguntou a Helena: "Quem é ele, querida?"
Helena sorriu gentilmente para Loreta, tentando manter a tranquilidade da situação. "Loreta, este é o advogado Gustavo Nery. Ele veio falar sobre alguns assuntos que envolvem a família."
Loreta acenou com a cabeça, satisfeita com a explicação. Seus olhos rapidamente se desviaram de volta para a novela que estava assistindo, a mente vagando para longe.
Helena pegou seu telefone e fez uma ligação para Bruno, que atendeu prontamente. Com voz firme, ela disse: "Bruno, você e seu pai precisam voltar para casa o mais rápido possível. Temos um advogado aqui para discutir questões relacionadas à família Siqueira."
Houve uma breve pausa antes de Bruno responder: "Entendi, estamos a caminho."
Enquanto esperavam pela chegada de Bruno e Nilton, Helena voltou sua atenção para Gustavo Nery. "Desculpe pelo inconveniente, senhor Nery. Eles devem estar aqui em breve."
Gustavo acenou com a cabeça, sua expressão séria. "Não se preocupe, compreendo que este é um assunto delicado. Agradeço a sua colaboração até agora. Como mencionei antes, estou aqui para fornecer informações sobre o inventário da família Siqueira. Mas, também estou aqui para entender como posso ajudar sua família neste processo."
Helena assentiu com gratidão. "A nossa preocupação principal é ajudar Loreta, minha sogra. Ela está lidando com o Alzheimer e, sempre que tem momentos de lucidez, fica angustiada com sua família. Esperávamos que, ao conhecer mais sobre as origens da família Siqueira, poderíamos dar a ela alguma sensação de pertencimento e tranquilidade."
Gustavo Nery olhou para Loreta e então para Helena. "Compreendo, e acho que é uma abordagem sensata. É importante que sua família permaneça informada sobre o processo do inventário. Também estamos aqui para fornecer suporte e ajudar em qualquer questão legal que possa surgir."
Loreta, que aparentemente havia ouvido parte da conversa, virou-se para Helena. "Filha, você sabe que eu... eu sinto falta da fazenda. Meu pai... ele costumava ter uma fazenda, sabia? Não muito longe daqui. Lá, éramos todos muito felizes."
Helena olhou para Loreta, tocada pela expressão da sogra. "Loreta, você está falando da fazenda de seus pais?"
Loreta assentiu, com um brilho de nostalgia nos olhos. "Sim, Ana e Ludovico Siqueira eram meus pais, e aquela fazenda... era onde cresci. Eu me lembro do gado, dos campos verdes, da paz..."
As palavras de Loreta suscitaram curiosidade em Helena, mas antes que ela pudesse fazer qualquer pergunta, Bruno e Nilton entraram apressados na sala, ambos com expressões intrigadas. Bruno olhou para Helena e Gustavo Nery, dizendo: "O que está acontecendo, amor?"
Helena respondeu: "Este é o advogado Gustavo Nery, ele representa o escritório que cuida do inventário da família Siqueira."
Nilton e Bruno trocaram olhares confusos. Nilton perguntou: "Inventário? O que isso tem a ver conosco?"
Gustavo Nery interveio: "Desculpem a surpresa, senhores, mas recebemos uma carta da senhora Helena, na qual ela expressava seu interesse em saber mais sobre a família de Loreta. Estou aqui para fornecer informações e, se possível, esclarecer a respeito da herança deixada para Loreta pela família Siqueira."
***
Helena retornou à sala, após levar as crianças e Loreta para o quintal, onde podiam se distrair com jogos e brincadeiras, permitindo que a conversa entre os adultos fluísse sem interrupções. Ela notou que todos estavam sentados, os olhares sérios e expectantes.
Nilton, sentado ao lado de Bruno, recostou-se na poltrona e olhou para Gustavo Nery. "Agora que estamos a sós, poderia nos explicar melhor a situação?"
Gustavo ajeitou-se na poltrona, preparado para explicar a complexa situação. "Claro, senhor Nilton. Como mencionei anteriormente, nosso escritório cuida do inventário da família Siqueira. Até o momento, não havíamos encontrado nenhum herdeiro legítimo para reivindicar os bens e valores da família. A fazenda, que, como mencionado, está localizada em Poconé, uma cidade no interior do Mato Grosso, é um dos principais ativos dessa herança."
Nilton assentiu, compreendendo a importância da situação. "Você mencionou que a fazenda estava em disputa por terras?"
Gustavo confirmou. "Sim, é um problema comum naquela região. Devido à escassez de terras férteis, a disputa por propriedades agrícolas é frequente, e a fazenda da família Siqueira não é uma exceção."
Nilton então perguntou sobre o pai de Loreta. "Como Ludovico Siqueira morreu?"
Gustavo respondeu: "Ele faleceu há muitos anos, quando Loreta ainda era jovem. Na época, a herança e os bens foram transferidos para um sobrinho distante de Ludovico, já que não se tinha conhecimento da existência de Loreta. Esse sobrinho, no entanto, também encontrou um destino trágico, tornando-se uma vítima da violenta disputa de terras na região."
Houve uma pausa enquanto todos na sala absorviam a revelação. Bruno olhou para Helena, depois para o pai e Gustavo, com um olhar preocupado. "Isso significa que a fazenda e outros bens da família pertencem a Loreta agora?"
Gustavo concordou. "Sim, assim que pudermos provar a relação de Loreta com Ludovico Siqueira, todos os bens, incluindo a fazenda e outras propriedades, passarão legalmente para o nome dela."
Helena, que até então permanecera em silêncio, sentiu que era o momento certo para fornecer as evidências necessárias. Ela pegou a pasta com os documentos que Nilton havia lhe dado e retirou a certidão de nascimento de Loreta. "Tenho o documento que comprova a relação de Loreta com Ludovico Siqueira", disse Helena, entregando-o a Gustavo.
O advogado observou a certidão atentamente e assentiu com satisfação. "Este é um passo crucial. No entanto, será necessário conduzir um processo de investigação e documentação mais profundo para estabelecer completamente a relação entre Loreta e a família Siqueira."
Nilton olhou para Helena e então para Gustavo. "O que precisamos fazer daqui em diante?"
Gustavo Nery explicou o processo que viria a seguir. "Vamos iniciar uma investigação para comprovar definitivamente a relação de Loreta com a família Siqueira, reunindo evidências documentais e conduzindo pesquisas genealógicas. Isso pode levar algum tempo, mas, eventualmente, devemos ser capazes de estabelecer os laços familiares."
Helena olhou para Nilton com preocupação. "Isso significa que Loreta poderá ser a proprietária legal da fazenda e outros bens da família em algum momento no futuro?"
Gustavo confirmou: "Sim, é exatamente o que significa. E uma vez que isso seja estabelecido, nossa equipe jurídica tomará as medidas necessárias para proteger os direitos de propriedade de Loreta."
Nilton assentiu, apreciando a abordagem profissional e comprometida do advogado. "Entendo. Vamos cooperar plenamente com a investigação e aguardar o resultado."
O advogado levantou-se, pronto para partir. "Agradeço por sua compreensão e cooperação. Vamos manter vocês informados sobre o progresso da investigação. Estamos aqui para ajudar em qualquer questão legal que possa surgir."
Bruno, Helena e Nilton o acompanharam até a porta. Ficou claro que o futuro da família estava prestes a passar por uma reviravolta significativa, à medida que segredos e heranças escondidas começavam a surgir.