Helena abre seus olhos e por uma questão de segundos, teve a sensação que estava despertando em outro lugar, em outro momento de sua vida. Um momento de alguns dias atrás, para ser mais exata. Talvez por ser exatamente o dia em que estaria voltando dessa viagem. Ela ergue sua mão esquerda se certificando que fosse apenas uma sensação sentir o peso de sua aliança de ouro 18 quilates perfeitamente escolhida por ela para seu dia de casamento. Fecha seus olhos alisando seu dedo enquanto se deixar pelas palavras de sua mãe. Era verdade que Helena não queria ter o destino de sua mãe e que havia concordado ir para Parati apenas para esfregar o e-mail na cara do atendente ousado. E claro, também refletir como reverter a situação, mas agora... Agora aquilo não fazia o menor sentido. Ela reverteria a situação e o que? Casaria com Leandro e fingiria que nada do que ele disse mexeu com ela? Ignoraria que essa viagem mexeu com ela? Iria esconder que Bruno estava mexendo com ela em dois dias o que o noivo não conseguiu em anos?
— O quê? - Solta Helena erguendo seu tronco rapidamente diante daquela constatação mental. Ela esfrega os olhos e sussurra para si mesma: — Você está maluca... Você ama o Leandro, você ama o Leandro... Você ama o Leandro...
Ela respira fundo, se levanta da cama e então vê seu quarto rodar enquanto sua cabeça é tomada por uma dor aguda. Sim, os efeitos da cachaça agora tomam conta de Helena que volta a sentar na cama com os olhos fechados. Não demora muito e a campainha do seu quarto toca , piorando ainda mais sua dor de cabeça. Ela se arrasta em direção a porta, abrindo com cara de poucos amigos. Do outro lado estão sua mãe e seu irmão.
— Bom dia, flor do dia. - Fala Marcelo rindo da cara de ressaca de Helena.
— Fala baixo. - Pede Helena segurando a cabeça.
— Viu só, Marcelo. Isso é o que acontece quando não se escuta a experiência dos mais velhos.
— Isso tá mais com cara de ressaca. - Comenta Marcelo, rindo.
— Ahá Ahá. - Solta Helena fazendo uma careta. — O que desejam?
— Estamos indo tomar café, você não vem? - Pergunta Regina. — Pelo visto não né?
— Eu acabei de acordar...
— Estou vendo. - Fala Regina encarando a filha. — Tome um banho, troque de roupa , tome um café preto e vá até aquela loja de bicicletas e cancele o pacote que fez. Alegue estava bêbada e fora de si, o que é verdade. Porque só bêbada para você ter feito um pacote de sete dias.
—Na verdade estava sóbria quando fiz, então...
—Helena, não estou brincando. - Interrompe Regina, irritada.
— Está bem, mãe. - Responde Helena, respirando fundo. — Algo mais?
—Por enquanto é ...
Helena nem espera sua mãe terminar de falar e fecha a porta do quarto na cara dela. A loira caminha de volta para cama, onde adormece.
***
Bruno olha insistentemente para o relógio sem conseguir se concentrar nas perguntas das duas turistas que estão em sua frente. Lucas até o auxilia indicando os pacotes para as mulheres tentando compensar o descaso do amigo. Gabriel nota a situação do balcão e então se aproxima do amigo, preocupado:
—Bruno, está tudo bem?
—Sim, estou esperando a Helena chegar. Vou dar continuidade ao meu serviço com ela.
—É mesmo? Então conseguiu convencê-la a pagar pelos seus serviços? - Pergunta Gabriel já imaginando a forma como Bruno conseguiu convencer Helena.
— Na verdade foi o oposto. Ela conseguiu me convencer a fechar a semana de graça para ela. - Responde Bruno, sem jeito.
—Está brincando né?
—É sério. Meu serviços serão exclusivos da Helena por sete dias, ou melhor, seis.
— Bruno. A gente faz vista grossa por dar cantadas, fletar com as clientes e até se envolver com elas porque isso gera retorno financeiro. - Explica Gabriel. — Agora uma semana exclusivo de graça... Qual a vantagem? O que você vai ganhar com isso?
—Bom dia.
Bruno se vira ignorando as perguntas de Gabriel e encontra a dina da voz, Helena, entrando na loja. Ela usava um vestido florido rodado, os cabelos soltos, tênis e estava linda, segundo os olhos de Bruno. Porém, aquele não era bem o traje que o rapaz esperava que Helena usasse hoje o que colocou uma ruga de preocupação no meio da testa dele que decide se aproximar.
— Bom dia. - Responde Bruno para Helena. — Separei umas trilhas maneiras para fazermos hoje... Cadê seu traje?
— Bruno, eu...
— Sim?
Ela interrompe a frase e morde os lábios, nervosa. Esse era aquele momento em que diria que veio para cancelar o pacote e não daria mais continuidade a aventura, conforme o pedido de sua mae. Depois de descansar, Helena acabou se permitindo a concordar com a sua mãe. Ela não veio para Parati para ficar andando por aí com o Bruno, mas sim para cancelar o pacote, se refazer e depois fazer de tudo para voltar com o Leandro. Porém, por que não conseguia dizer isso para Bruno? O rapaz estava ali na sua frente com um sorriso bobo que trazia paz para o coração de Helena e a fazia desistir de falar. Por que ela não conseguia dominar a situação? Era bem simples... Era só dizer que não queria mais...
— Diga, Helena. - Pede Bruno chamando atenção de Helena.— O que foi?
— Meu traje deve estar em alguma máquina da lavanderia da pousada sendo lavado para tirar o cheiro de cachaça que estava nele. - Mente Helena, sem jeito. — Então acho que não vai rolar o passeio.
— A gente vende trajes aqui. -Informa Gabriel como bom vendedor que é.
— Eu nem tenho como pagar... -Argumenta Helena.— Porém, quando estiver pronto eu aviso.
— Negativo. - Recusa Bruno analisando Helena dos pés a cabeça. — Eu tenho um traje ideal pra você e grátis.
— O quê? - Pergunta Gabriel, arregalando seus olhos, nervoso. Já não bastava o serviço grátis, agora Bruno ia oferecer um traje de ciclismo, era muito para o coração do jovem amigo. — Bruno, calma lá.
— Não se preocupe, não é traje da loja. -Afirma Bruno encarando o amigo. Bruno se vira para Helena e continua: — Só tem uma condição: você terá de ir comigo a um lugar... na garupa da minha bicicleta.
— Não sei...- Solta Helena, nervosa. Sua vontade era dizer sim, mas só de pensar no sermão que sua mãe daria.
—Diga sim. -Pede Bruno segurando na mão de Helena.
Helena começa a balançar a cabeça se recusando a ir , mas aos poucos seu gesto vai virando um sim acompanhado de um sorriso largo para Bruno.
— Ótimo! Vamos pegar a minha bicicleta.
Bruno caminha em direção aos fundos da loja segurando a mão de Helena que anda atrás dele sob os olhares curiosos dos amigos que não entendem a atitude de Bruno.
O rapaz ajeita a bicicleta e então ajuda Helena a subir na garupa. A loira fica sem graça sem saber onde segurar e então Bruno coloca as mãos dela envolta de sua cintura.
— Segura firme.
Ele começa a pedalar se esforçando para não focar na respiração de Helena em seu pescoço enquanto ela tentava se equilibrar. A sensação dela estar ali abraçada a ele o arrepiava e ao mesmo tempo lhe aquecia, como se já esperava por isso há muito tempo. Helena em compensação estava inebriada com o cheiro do perfume que Bruno exalava. Ela tentava não admitir, mas era muito difícil se conter sentindo o abdômen definido do rapaz. Os dois se perderam no tempo e Bruno só voltou a si quando já estava próximo ao seu destino. Ele pedala mais um pouco e então para em frente a um sobrado amarelo bem simples, mas que tinha orgulho de chamar de lar. Na varanda, Loreta estava sentada admirando a rua enquanto apreciava uma mexerica.
— Chegamos. - Avisa Bruno a Helena que desce da bicicleta com ajuda dele.
Ele empurra a bicicleta até a varanda sendo acompanhado por Helena que observa a mulher sentada alheia aos dois. Loreta parecia bem jovem sob o olhar de Helena e os cabelos ondulados castanhos entregavam a genética de Bruno , bem como as feições da mulher que eram possíveis de se encontrar no rosto do rapaz. Loreta então vira seu rosto em direção de Helena abrindo um belo sorriso que só veio confirmar as suspeitas da loira: só podia ser mãe de Bruno. O rapaz se aproxima da mãe e deposita um beijo na bochecha de Loreta enquanto posiciona as mãos juntas na frente dela.
—A benção, mãe.
—Deus te abençoe. - Fala Loreta.
— Mãe, essa é a Helena. - Informa Bruno a Loreta, não que fizesse alguma diferença, pois tem certeza que daqui alguns dias Loreta nem vai se lembrar da jovem. — Helena, essa é a minha mãe, Loreta.
—Prazer, Senhora Loreta. - Fala Helena sorrindo para a mãe de Burno enquanto estende a mão em sua direção.
— O prazer é meu, querida. Porém, não precisa dessa formalidade. - Fala Loreta se levantando. Ela dá um abraço forte e caloroso em Helena que retribui sem jeito. Loreta se afasta, mas não sem deixar de segurar os braços de Helena enquanto diz: — Ainda mais sendo namorada do meu filho. Você é muito linda, sabia? Bruno, ela é muito linda... Seu nome também é... Helena é o nome de uma personagem principal da novela que está passando agora na televisão. Ela é protagonista e aí ela trocou o bebê com a filha...
—Obrigada, mas... - Começa a dizer Helena até que ela nota havia algo de errado com a mãe dele, pois essa novela passou antes mesmo de Helena nascer e também foi fonte de inspiração para o seu nome. — Fico feliz que meu nome agradou a senhora.
— Não só o nome, você também. Parabéns, meu filho. - Fala Loreta olhando feliz para o "casal".
—Obrigado, mãe. - Fala Bruno. Ele encara Helena e continua: — Espere-me aqui, já volto.
— Imagina, Bruno. Convida a menina para entrar. Que falta de educação! Entre, Helena e já peços desculpas pela bagunça. - Fala Loreta conduzindo Helena para dentro para surpresa de Bruno.— Homens são péssimos na limpeza... e como eles me deixam limpar porque esqueço... fica a cargo deles.
Desde que Loreta foi diagnosticada , ela ficou meio resistente quando se tratava de outras mulheres, pois achava que todas estavam ali para roubar seu marido. Ou então , associava a avó materna de Bruno que não foi tão boa para Loreta. Essa situação dificultou a eles até encontrarem alguém para tomar conta dela.
Helena entra na casa de Bruno, sem jeito. A casa dele era simples, não tinha muitos móveis, mas tinha um cheiro de lar que agradava a loira. A vida de Bruno com os pais estava exposta em cada parede , no aparador perto da porta, na mesa de centro e na subida da escada. Pelas fotos dos pais de Bruno pedalando, a paixão por bicicleta é uma bela herança deles.
— Sente-se , Helena, vou pegar o traje para você. - Fala Bruno apontando para o sofá de dois lugares de cor terra.
— Pode subir com ela, meu filho. - Incentiva Loreta sorridente. — A mamãe é "moderninha", sei bem que vocês ...
—Mãe, por favor! - Interrompe Bruno, sem graça.
Ele pega na mão de Helena e a puxa em direção das escadas sendo observado por Loreta que se sente feliz por conhecer a namorada do filho.
—Bruno já chegou? - Pergunta Nilton aparecendo na porta da cozinha, surpreso. —Posso jurar que escutei a voz dele.
—Sim. - Responde Loreta encolhendo os ombros, animada. — E veio com a namorada.
—Namorada? - Pergunta Nilton se aproximando, surpreso. — Tem certeza, Lôlô?
—Absoluta. - Afirma Loreta, orgulhosa. — O nome dela é Helena, igual a da protagonista da novela.
—É mesmo? Ele disse que é namorada dele?- Pergunta Nilton parando do lado da esposa e encarando a escada.
—Ele não negou. - Responde Loreta.
— Helena... - Fala Nilton, pensativo. — Quem diria?