Recém chegado

1281 Words
.. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..         Se alguém perguntasse, ele diria “um homem velho, cansado e desiludido” e esta era a forma com que o forasteiro Richard Bones se descrevia, sempre que chegava em um novo lugar, sentindo de verdade não pertencer a lugar nenhum. Depois de muitas andanças, se viu disposto a fazer uma última grande viagem, dessa vez com destino certo, bem ao sul do Brasil, Richard vendera os últimos bens da família no norte da Argentina: algumas quadras de campo, algumas máquinas e uma casa velha.         Não fora uma vida fácil. Os pais haviam chegado de navio, da Irlanda, antes mesmo de ser 1900... O pai era um homem rígido, com maneiras grosseiras que nitidamente eram uma herança. A mãe morrera muito, muito jovem, tentando em vão dar à luz a mais uma criança, por resultado, mãe e filhos mortos no parto e assim, era somente ele e o pai no mundo, até o pai casar-se novamente e querer filhos e a nova mulher ser incapaz de gerá-los, por anos.         Quando estava com mais ou menos vinte anos, o pai falecera. Disseram que havia sido desgosto, por ter tentando tanto uma prole grande, com falha, que não resistira, mas Richard sabia bem o que fora: o ópio e a cocaína, o álcool e o imenso número de prostitutas que passaram a frequentar a propriedade quando a nova esposa de seu pai havia simplesmente feito as malas e ido embora.         E exatamente no mesmo dia que enterrara o seu pai, Richard Bones saíra a conhecer o mundo: não pretendia casar-se ou formar família, pretendia apenas viajar e conhecer, aproveitar toda a vida que tinha e cada centavo que o velho louco que era seu pai não havia gasto e por longos anos, fora assim: o homem conhecera tantos lugares quando pudera e perto de seus cinquenta anos, decidira que queria acomodar-se, mas longe daquela cidade e principalmente daquela casa, e então, lembrou-se de ouvir falar em grandes extensões de terras na região da campanha gaúcha, perto das fronteiras, no sul do Brasil.         E pouco mais de trinta dias, ele era um homem com dinheiro no bolso e sem onde cair morto, partiria em uma última longe e incrível jornada, compraria um pequeno lote de terras e se estabeleceria por lá. A viagem foi longa e com muitas paradas, quatro dias depois, ele chegava à um pequeno estabelecimento comercial em uma região praticamente desolada. - Boa tarde – um homem de porte elegante entrando no estabelecimento, o bolicho, sejamos sinceros, por essas bandas, chamamos bolichos: balcão onde servem bebidas, vendas de itens de primeira necessidade, mantimentos e de tudo mais, um pouco. - Boa tarde -uma mulher corpulenta, na casa dos trinta anos aparece atrás do balcão: cabelos negros, olhos esverdeados, ela encara o estranho em sua frente – e o senhor? - Richard Bones – ele estica a mão para cumprimenta-la, mas ela ignora o gesto e continua encarando-o – e de onde vem? - De longe, muito longe – ele sorri e senta-se em uma cadeira de madeira ao lado do balcão – o que tem para beber? – ele percebe alguns homens o encarando. - Para forasteiros, nada – a mulher responde grosseiramente. - Tudo bem – ele dá de ombros – permitam-me apresentar-me – o homem levanta-se da cadeira e se vira para os demais presentes – Richard Bones – ele diz com sotaque espanhol – venho da argentina, meu pai veio da Irlanda, muitos anos atrás, e eu estou buscando um lugar de paz – ele completa – um lugar onde eu possa comprar uma propriedade pequena para tocar minha vida, sem incomodar ninguém. - Não vendemos à estrangeiros – um homem jovem perto da porta diz – pode dar meia volta. - Tudo bem – responde o forasteiro – não tenho a intenção de causar confusão – ele diz e começa a caminhar em direção à porta. - Sente-se comigo – um homem sozinho em uma mesa diz de repente com um sorriso debochado – esses homens que dizem não vender à estrangeiros não tem terra nem mesmo para cavar a própria cova quando Deus os levar. - Obrigada – diz Bones encarando o desconhecido na mesa – cavalheiros – ele reverencia os homens incomodados com sua presença, antes de tomar assento em frente ao homem na mesa. - Antônio Ottero – diz o homem num largo sorriso – desculpe os modos dessa gente. - Sem problemas – responde Bones – estou acostumado – ele estende a mão ao desconhecido – Richard Bones. - É um prazer Senhor Bones – Ottero encara a desgostosa Rosane, proprietária do estabelecimento – um vinho para mim e para o meu amigo Bones, mulher – ele grita. - Sim, senhor – ela consente ainda relutante.         Assim começava uma estranha amizade: um homem que tinha pouco mais do aquilo que podia carregar nos bolsos e outro que nem mesmo sabia onde colocar tudo aquilo que tinha. Ottero convidou Bones para conhecer a Estância São Pedro, de sua propriedade e o forasteiro aceitou e por lá passou por uns tempos, até encontrar um pequeno lugar para arrendar nos arredores: tinha a intenção de adquirir vacas de leite, e com os dias se passando, a amizade entre eles cresceu e Ottero prometeu ajudar Bones a encontrar o gado que ele precisava. - E sua família? – pergunta Ottero em uma noite, á beira do fogo. - Mortos – responde Bones dando ombros – era meu pai e eu, há muitos anos já... Tem mais de vinte anos que o velho se foi e eu fiquei imbuído na missão de gastar cada vintém que ele acumulou em vida. - Casou-se? – pergunta Ottero. - Não tenho boas referências – o estrangeiro riu-se – acho que casamentos não são para mim, deve ser maldição, meu pai tentou por duas vezes, matou uma mulher e espantou a outra coitada... - Vou me casar – disse-lhe Ottero – desde sempre, isso estava planejado – ele riu – desde antes da pobre moça nascer. - Casamentos arranjados – o estrangeiro estranhou – pensei que isso já era antiquado. - Não por estas bandas – responde Ottero e tira uma fotografia em preto e branco amarelada da carteira, uma moça na casa dos dezesseis anos, jovem e inegavelmente linda – enviou-me a fotografia semana passada... - Então nem se conhecem – riu-se Bones – como pode aceitar? - Acordos devem ser honrados – responde Ottero – ela perdeu os pais muito jovem, e meu pai havia prometido ao pai dela, em vida, que cuidaria dela, que forma melhor de cuidar? - Verdade – Bones pensava em sua mãe, morta, sob os cuidados do pai. - Mas você tem tempo – riu Ottero – ainda tem alguns anos, quem sabe encontre alguém... - Acho que não tenho mais idade ara isso...  – disse Bones.         Os dois ainda conversaram por horas, os assuntos eram os mais variados: lidas de campo à costumes e modismos. Uma amizade verdadeira surgira entre aqueles que há pouco eram totalmente desconhecidos.         Encarando o horizonte estrelado, deitado na rede na varanda da casinha singela da propriedade que arrendara, Richard Bones sentiu-se pertencer a algum lugar pela primeira vez na vida, e por mais estranho que pudesse parecer, esse lugar era a paisagem descampada do pampa gaúcho.  
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