O herdeiro de tudo e mais um pouco

1307 Words
            Se alguém perguntasse por aquelas "bandas" quem era o maior fazendeiro da região, todos responderiam sem nem mesmo pestanejar "José Maria Ottero" e eles tinham razão, a não ser pelo fato de que o velho estava morto e enterrado há mais de dez anos.              Como não deixara uma viúva para ocupar a língua dos desocupados ao redor, o velho se fora e frequentemente sua morte era esquecida, ou tida apenas como um mero detalhe, tendo em vista que os negócios continuavam sendo tocados exatamente à mesmo modo do velho pelo seu único filho, Antônio Ottero, que também era conhecido por aqueles lados como "o herdeiro de tudo e mais um pouco" tendo em vista que além das terras daquele fim de mundo, o velho ainda deixara propriedades fora.              Em outros tempos, poderíamos dizer que o velho José Maria era um homem de visão, hoje em dia, diremos apenas que ela louco, avarento e controlador e que cada negócio que ele fazia, normalmente, era um contrato com o próprio d***o.              Antônio Ottero descobriu muito cedo, aos vinte e cinco anos, poucos dias antes do velho partir desta para uma melhor - ou uma pior, sem querer falar m*l de defunto - os resultados das negociações do pai:  - Antônio - o velho grita de seu quarto.  - Sim - o rapaz entra e encara o pai, já fazem duas semanas que m*l sai da cama, o médico disse que tem pouco tempo - o que o senhor precisa?  - Eu fiz uma promessa - ele tosse - a um velho amigo, há um tempo atrás.  - Sim, que promessa, meu pai? - pergunta Antônio.  - De que cuidaríamos da filha dele, ela tem alguns problemas de saúde, mas nada que ar puro não resolva - diz o velho - preciso que cumpra minha promessa. - Sim meu pai - responde Antônio - mas como eu faria isso?  - Casando-se com ela - responde o velho - ela fará dezesseis no ano que vem, você deve busca-la e desposa-la. Assim que eu me for, envie uma carta para Dorival Campos, o endereço consta em meu fichário - o velho faz uma longa pausa - e avise de suas intenções, diga que irá busca-la tão logo ela termine seus estudos.  - Sim senhor - responde Antônio - mais alguma coisa?  - Espero que não coloque todo o meu dinheiro no lixo com suas putas - responde o velho.              Antônio simplesmente dá as costas ao velho e sai: então, além de ser um estorvo em vida, o velho morreria obrigando-o a casar-se com uma moça que já estava previamente condenada e com a saúde debilitada. Se existisse no mundo um castigo maior do que ser o filho daquele velho, Antônio desconhecia.              Dois dias depois dessa conversa, o velho falecera. Antônio, como único filho, herdava tudo, e por saber de sua inexperiência com os negócios - o velho nunca lhe ensinara absolutamente nada - decidiu-se por manter os mesmos funcionários na estância, mas em pouco mais de três meses os resultados começavam a piorar e Antônio chegara a conclusão de que precisaria levar a sério os negócios ou acabaria falindo antes da missa de primeiro ano de falecimento do velho.              Todos os moradores da região julgavam José Maria por bom, provavelmente por ele ser frequentador assíduo das missas e costumar engrossar as contribuições da caixinha com seus montinhos de dinheiro, ou porque costumava remunerar bem suas prestadoras de serviços íntimos ou ainda, porque ele tinha influência na prefeitura e no governo do estado, e quando as estradas ficavam ruins, ele dava um ou dois telefonemas e as coisas resolviam-se rapidamente.              Quando Antônio assumira os negócios, algumas coisas mudaram, ele não tinha as mesma influências políticas do pai, nem o mesmo hábito de contratar prostitutas ou ir à igreja, sendo assim, em menos de trinta dias do falecimento do velho, o "herdeiro de tudo e mais um pouco" já não era mais um homem respeitado e bem quisto pela comunidade local.              Em uma manhã de domingo, lembrou-se da promessa, e rezando para que a família encontrasse pretendente melhor, escreveu uma carta: “Prezado Sr. Dorival Campos                 Aqui quem vos fala, é Antônio Ottero, filho de José Maria Ottero, outrora seu conhecido e amigo. Venho por meio desta comunicar o falecimento precoce de meu pai, ocorrido há exatos trinta dias. Devo dizer também, que era de extremo interesse de meu pai que a promessa feita ao senhor, de que sua filha ficaria sob nossos cuidados, seja cumprida, mas para tanto, devo insistir que a moça esteja de acordo, sendo que para isso, pretendo desposa-la tão logo ela conclua os seus estudos. Aguardando a sua resposta, Antônio Ottero”             Datou a carta, colocou em um envelope, selou e entregou ao rapaz dos mandados, ele que levasse ao posto de entrega das correspondências, quanto antes fosse, antes voltaria uma resposta que Antônio esperava ser mais agradável.              Quatro semanas depois o mesmo rapaz do mandados chegava correndo com uma carta: um envelope maior do que Antônio enviara, e dentro dele, uma outra carta e mais um envelope selado: “Sr. Antônio Ottero                 Me faz muito feliz saber que seu velho pai lembrou-se da promessa, assim como tenho gosto em saber que minha filha estará em tão boa família. Sou um pai preocupado, que apenas deseja o melhor para minha pequena. Ela enviou-te uma carta, têm minha bênção e minha permissão para se corresponderem caso tenham interesse. P.S. Candice concluirá seus estudos no próximo dezembro. Aguardamos seu contato. Dorival Campos” - Velho burro – gritou Antônio – boa família, essa é a piada do ano – ele soca a mesa com raiva- que linda família terá minha esposa... – e encara o envelope rosado, cuidadosamente selado e muitíssimo perfumado, no envelope, uma caligrafia caprichada e cheia de floreios: “Ao meu futuro marido, Antônio Ottero...                 Sei que ainda não nos conhecemos, mas me pego ansiosa pensando em como sua presença agraciaria meus dias. Lamento pelo falecimento de seu pai, eu o conheci, era um bom homem... Lamento também que ele tenha deixado o fardo desta promessa, e caso queira desistir de cumpri-la, saiba que eu estarei em paz, sei que é um homem jovem e deve ser muito requisitado pelas mulheres de suas vizinhanças, então não se preocupe com uma desconhecida. Saiba que me faria muito feliz casar-me com alguém de tão boa índole, disposto a fazer cumprir as promessas de seu falecido pai, apenas não desejo ser um fardo em sua vida. Com afeto, Candice Campos”                 Junto com a cartinha bem escrita, havia uma foto em preto e branco de uma moça jovem: cabelos ondulados, lábios carnudos e bem desenhados, olhos profundos e aparentemente tristes... Antônio encantou-se pela moça do retrato, e antes de pensar duas vezes escrevia uma resposta: “À minha também adorada futura esposa,                 Vejo que te preocupas com o fardo que podes ser tua presença em minha vida, mas não imagina o tamanho do fardo de minha solidão. Estarei esperando ansioso pela conclusão de seus estudos, e vou busca-la assim que possível. Tenho intenção de casar-me o quanto antes, pode começar a pensar nos preparativos. Com afeto, Ottero”                  Então estava decidido, em pouco mais de um ano estaria casado com a moça dos olhos tristes. Não podia dizer que esperava fazer ela feliz - ele nem mesmo fazia ideia do que era fazer uma mulher feliz, pois convivera tão pouco com sua mãe que já nem mesmo se lembrava - mas esperava dar-lhe tudo o que precisasse e manter-se próximo, era aquilo o que ele poderia prometer à ela e à sua família, e isso deveria bastar.                  Naquela noite, Antônio Ottero foi até o Barreto e bebeu sozinho em honra à seu próprio casamento, e o mesmo ele o fez nos dias que se seguiram, até ele conhecer Richard Bones. 
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