Lisboa, cidade das sombras amarelas

1986 Words
Carros, mais carros e milhões de pessoas apressadas para seguir caminho para o trabalho, sendo verdadeira, nem sei porque pensei que o meio da semana seria ideal para vir aqui, mas a semana académica estava ao rubro em Aveiro e tínhamos cinco dias para aproveitar e rever os caminhos que fiz por anos junto ao Tejo. O cheiro a maresia encontra um dos meus sentidos mais amados, infelizmente também o do esgoto está aqui presente. Não importa o quanto seja bela a vista e o cheiro salgado, aquele cheirete a fezes e sujidade estraga qualquer visita que aqui se faça. O Paço é o meu local favorito, cheio de vida e história, por este chão já passaram muitas pessoas, bons momentos, maus momentos, brigas, roubos, assassinatos, suicídios, amantes e até mesmo reis a dormir com o medo do palácio ruir mais uma vez. Sabem aquela sensação de recordar algo, nostalgia de um tempo que não viveram, mas desejam acima de tudo ter o poder para ver, é assim que me sinto cada vez que visito o terreiro do Paço. O sangue português deu muita história, boa ou má estamos nós no presente a aprendê-la e retê-la, ou alguns pelo menos. — Então, nostalgia? - Sofia estava em êxtase, viaja pouco e como amante de história era um sonho vir ao Terreiro do Paço. — Algo assim, vamos ver a pessoa que te falei após comer algo. - Uma das pastelarias mais caras do Paço, mas um sítio que está no meu coração. Uma nata, café e brioche com manteiga. Depois de anos o meu pequeno-almoço era uma cópia do da minha avó. Sofia tinha escolhido uma nata e um compal manga laranja. Olhava o movimento das pessoas na cidade grande, o som dos pedidos de bicas e finos, o coração de um país num simples espaço velho. Nenhuma figura preta e amarela, o homem de coco continuava a aterrar as minhas noites, porém começava a pensar que eu era o seu horror. A minha rejeição em aparecer mantinha-se, ele ficava cada dia pior com a situação, o que levava a pensar que talvez fosse hora de falar, nem que fosse por 5 minutos. As suas ameaças eram mais firmes. Relembro a noite passada. Se continuar assim, vou ter de buscar alguém, minha gota de orvalho, não vais querer ser a culpada de outra morte. Arrepiei-me do nada. Sofia olhava a passagem dos cidadãos, o ciclo que nunca terminava em Lisboa, a vida de uma bomba que nunca para. — Quem é a nossa fonte de informação? - Desvia a atenção da praça. — A minha primeira explicadora, ela era muito próxima da minha avó, ensinava-me matemática e ciências naturais. — Ela dava explicações a tua amiga? — Sim, ela tinha uma vez por semana eu duas. - Memórias doem mais aqui que em Aveiro. O meu inconsciente realmente fez-me fugir desta cidade. Bebo o resto do meu café, deixo o dinheiro sob o prato de cheque e a gorjeta normal de 5 euros da minha avó. Seguimos caminho até a casa da pessoa o qual penso que tenha avistado algo de diferente naquela altura. — Como é bom ver-te Clara! - Fui recebida da forma mais calorosa possível. — Senti a sua falta professora. - Retribuo o beijo na bochecha. Antes de entrar dei uma rápida explicação a Sofia depois de ela me perguntar porque seria difícil retirar informações dela. -Ouve, a Sra. Arturo é boa pessoa, mas ela deu sempre explicações em casa por ser muito neurótica, vais notar isso m*l entramos e ela pedir para retirar os sapatos e calçar umas proteções de plástico para os pés. Sujidade não é com ela e desde nova que tem medo de desconhecidos, coloca o olho a tudo. De acordo com ela, a melhor invenção foi às entregas a casa. Ela não saí, todos os alunos eram por contactos com amigos do seu tempo de escola. Sei que ainda dá explicações depois da reforma há um ano, mas é apenas a quem quer e por nada deste mundo espilres, se tiveres essa necessidade segue direta a casa de banho. Sofia ficou com a boca um bocado aberta, mas rapidamente encolheu os ombros. Por parte de ela própria ter as suas próprias mesquinhices, como qualquer pessoa. — Então, em que te posso ajudar, explicação para esta jovem?! - Olha Sofia de forma avaliadora. - Como te trato? — Sofia, prazer em conhecê-la. - Ia dar-lhe um passo bem, mas parou no último minuto e apenas sorrio. Graças a deus que ela entendeu as minhas palavras, por muito superficiais que foram. Esqueci de falar do contacto pessoal com estranhos! Suspiro baixo — Na verdade, queria perguntar-lhe sobre outra coisa, Adeline, lembra-se dela? A minha professora deixa de sorrir. — Sim lembro, pobre alma, pelo menos os pais tiveram um final de história. — Como assim?! - Fico confusa. - Ela nunca foi encontrada, o caso foi aberto novamente? — Sofia, não te contaram? - Agora ela parece confusa. - Querida ela foi encontrada por deixado do aqueduto em…, nota de suicídio, o corpo estava já em... - Para de falar ao ver a minha cara. - Ela deixou-te uma carta, a polícia disse que ia enviar uma cópia, o original está como prova infelizmente. — Clara. - Sofia toca no meu braço leve. — Quando foi isso? — Por volta de setembro, dois anos de fuga e depois aquilo… - Suspira alto. Impossível, ela nunca faria algo assim. — As peças batem. - Sofia fala baixo. — Eu mudei mais cedo, e em setembro deixei a casa. - Lágrimas mancham a minha cara. — Querida, sei que estás triste, mas pelo menos ela está em paz. —Sra.Arturo. - Seco as lágrimas. - Quando vínhamos ter explicação, sempre nos esperava na porta, viu algo estranho quando chegávamos? — Estranho? - Parecia surpresa. — Alguém que marcava presença sempre! - Sofia fala com convicção. - Alguém que tivesse um mau pressentimento? Sabe como nós mulheres somos, o nosso sexto sentido. — Entendo perfeitamente, ora bem, nunca dei conta de ninguém… Não conseguimos nada, mas tenho uma carta de Adeline, teria de falar com os pais dela, eles devem ter contactado o fixo da casa da minha avó. — Foi um prazer ter a vossa companhia, mas porque a pergunta do estranho? Já estávamos de saída, calçamos os sapatos na entrada. — Não acha estranho ela fugir do nada? - Pergunto com firmeza. — Sim foi, ainda para mais com a vida boa da família. - Vejo os olhos subirem como se tentasse puxar pela cabeça. Abrimos a porta da frente e começamos a descer a escadaria. — Clara! — Sim, Sra. Arturo. - Sorriu — Não te metas em problemas, e não vás à tua vizinha, aquele filho dela é estranho está bem. Fecha a porta m*l fala, ouvesse o som das trancas. — Filho da tua vizinha? - Sofia é mais rápida que eu no raciocínio. — A minha vizinha tinha um, sim, mas eu raramente o via. Na verdade, não tenho sequer ideia da cara dele, não me lembro da última vez que… — Clara foca. - Sofia estala os dedos na frente dos meus olhos. — Que idade ele tem? — Julgo que ele já tinha terminado o secundário quando eu entrei, então no mínimo três anos mais velho. Sofia fica pensativa por uns momentos. — Vamos à casa da tua avó, tens de ler a carta que Adeline te deixou. — Sofia, acho que é melhor deixarmos isso para depois, eu… não me sinto pronta. — Tens de te colocar pronta, ela deixou algo, se escreveu para ti é porque tem motivo. - Sofia coloca a mão no meu ombro. - Se for algo do que estou a pensar ela não te deixou uma carta, mas sim um bilhete, Clara, dois anos de prisão dão que pensar. Dois anos de prisão. Passamos na casa dos pais de Adeline, a mãe não fazia ideia que eu tinha ido para Aveiro, todas as chamadas foram realizadas para a residência Aidos. Dei as minhas desculpas, porém eles fizeram igual. — Não tem porque se desculpar! — Tenho sim Clara, tinhas razão na altura, quando defendes-te que ela não tinha fugido. A polícia falou que ela fugiu novamente, mas o corpo disse outra coisa, pedimos para abrir o caso novamente desde setembro. Luz ao fim do túnel. — Alguma coisa até agora? — Não, apenas os bilhetes que ela deixou, eles disseram que é possível ela ter estado em cativeiro devido à magreza e marcas, o que era de esperar. - A mãe de Adeline dá um golo do chá que fumega na chávena. - Até eu consegui ver isso quando a fui reconhecer Clara. Choro volta, ela controla-o o mais rápido possível. — Eles pareciam que estavam a encobrir algo, pagamos ao estado para isto. — Se me permitir, o bilhete que ela lhe deixou, dizia algo que ajudasse a encontrá-la? — Não, apenas poemas, como sabias ela adorava poesia. — Sim, ela adorava poesia, Camões talvez? - pergunto inconscientemente. — Sim, como sabes? - Parece surpresa, poisa a chávena de chá. — Ela adora Camões, tinha sempre boas notas nas provas com os seus sonetos e poemas. - Sorriu levemente, queria chorar. A mãe continua a olhar-me surpreendida, sorri como eu, os olhos marejados como eu. Silêncio depois. — Obrigada por seres amiga dela! Ela tinha uma admiração por ti, às vezes perguntava-me se era algo mais. - dá uma gargalhada. — Duvido, eu admirava-a mais pela paciência que tinha e muita astúcia. Sofia esperava com o pai de Adeline na cozinha, falavam algo baixo, mas quando entramos calaram-se de forma suspeita. — Foi um prazer, obrigada pelo chá, Sr. João! - Sofia despede-se com um aceno. - Então, algo que ajude? — Sim eu acho… — CLARA! A voz ribomba na estrada O pai de Adeline corre na nossa direção. — Faz bom uso. - Dá-me uma mica com um monte de folhas e volta a casa. — São os bilhetes. - Sofia fala calma. - Ele perguntou porque viemos agora, eu falei que Aveiro está a sofrer com o mesmo homem de Lisboa, de alguma forma, ele conectou os pontos rápidos, acho que a polícia daqui não ajudou muito. Falou para termos cuidado. Retomamos o caminho, não sei o que falar, olho as folhas, bilhetes, fotocópias, a escrita de Adeline era distinta. Longos traços na diagonal, tremidos, provavelmente do local onde escreveu. — Ela sofreu Clara. - Sofia interrompe o silêncio. - A tua colega, deixou vários sonetos e poemas, o pai dela falou que o estado… Vejo a cara a ficar branca. — Não precisas de descrever, vamos voltar ao hotel. — Não, eu estou bem,... igual ao Virgílio e as raparigas, mas muito pior, e a polícia acha que tinha mais bilhetes, ele falou que havia partes que não acabavam ou que tinha falhas no meio. — Ele descobriu os bilhetes, não foi?! - A minha boca fica amarga. — Setembro, bate com a tua ida, mas depois do que o pai dela relatou, acho que talvez… - Sofia olha para mim desgostosa. — Ele matou-a por conta dos bilhetes, eu já cá não estava, não havia motivos para a manter e ela estava a encontrar forma de contactar alguém. - Inspiro fundo, algo não faz sentido aqui. - Mas se ela estava em cativeiro, porque iriam os bilhetes ser uma ameaça. — Talvez porque ele a mudava de sítio? Única razão para usar tanta raiva nela. Paro no meio da estrada, olho Sofia respirando pesadamente. — O que ele lhe fez, conta-me tudo!? Minutos depois vomitava o meu pequeno-almoço na calçada, Sofia branca com a pressão a cair numa escadaria próxima, colocava a cabeça mais baixa que o corpo. Os meus olhos focaram no amarelo do conteúdo do meu estômago, cabelos encaracolados amarelos.
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