Fofoca

1574 Words
Eram quatro da manhã e não conseguia dormir, alguma coisa ia acontecer, ou algum problema estava prestes a sair ao público. Raramente tinha insónias tão fortes, demorava para adormecer, mas nunca nesta dimensão. Sete-sóis dormia no sofá da sala, parecia calmo, enquanto fazia uma chávena de chá analisava-o, sempre encontrava algo de novo, uma mancha nova, bigode extra, pata e focinho em posições mais fofas. Ajudava a relaxar, só faltava sentir o pelo mesmo. Sexta-feira chegou tão rápido que nem tive tempo de recuperar o sono de terça, decidi levar o carro desta vez, tinha chovido toda a semana e não queria ficar à espera do comboio depois da aula. Deixei o prato do bichano cheio e saí para a rua, levava um casaco castanho mais grosso hoje, dava mau tempo para sábado e domingo, já se notava o vento a levantar e destruir tudo. O bar reinava de piadas por parte de Magali, em uma semana a rapariga tinha mudado de humor, voltará a rir, mostrar memes, jogava cartas com satisfação e voluntariou-se para ir buscar os pedidos. Voltou, no meu inconsciente tinha algo a roer, uma sensação má que não me deixava quieta do nervo. — Conhece o Alex Gael? — Não. – Gael já se ria. — Aquele que colou o seu cu com durex. - Risada completa, lágrimas e faces vermelhas. Sempre existem problemas quando tenho insónia, desde pequena que ligo os acontecimentos a minha falta de sono. Começou com 13, a minha primeira insónia e uma semana depois o meu período veio. Com 15 a segunda vez, o meu avô faleceu repentinamente de ataque cardíaco uma semana depois. Aos 17, uma das minhas colegas de secundário desapareceu subitamente, insónia na semana anterior. Quando fui a ver toda a semana tinha dificuldades para dormir, algum desastre acontecia a quem me rodeava. Aos 18, minha avó cometeu o suicídio, deixando apenas uma carta para a minha mãe. Até hoje é um mistério, assim como a minha colega. Não queria mais sombras na minha vida. Contudo, lá estava eu no bar a roer as unhas porque tinha tido insónia, porque algo de mau estava para chegar, mais um desastre na minha vida iria acontecer e eu não sabia como parar aquele ciclo. — Sónia, se viu que um apresentador disse que quem não tivesse assistindo o programa estava dando o cu? — Não. – Responde sem nem mesmo pensar. Mais uma vez, risada geral, riu enquanto na minha mente corre a ideia de cavar uma cova e fugir da realidade. Não seria uma má ideia, de todo. O presságio era algo que já me fazia entrar em pânico antes mesmo de a tragédia suceder. Depois do nosso tempo no bar voltamos para o auditório, mais duas horas de Introdução a Gestão. A matéria era debitada pelo professor de forma descomunal, contudo Sofia era das pessoas que mais fazia perguntas. O primeiro teste não correu muito bem na nossa turma, 3 positivas, sendo que temos a cadeira com a turma de Gestão Pública e até eles foram piores que nós. Eu tirei 8, tão fraco quanto às minhas colegas, Sofia ainda conseguiu um 9, mas claramente não estava contente com ele. As perguntas que fazia tiravam algumas das minhas dúvidas então eu resumia-me ao silêncio e audição. Magali ia brincando com Margarida, Gael nem liga para o que falam, ia fazendo testes de código no pc, lia ou simplesmente via fotografias no Pinterest. O rapaz vivia continuamente no seu mundo sem a preocupação de testes e notas. Enquanto escrevinhava no caderno vi Sónia a ler uma mensagem, a sua cara foi de serena a post mortem, na minha mente queria perguntar o que se tinha passado, mas achei mais correto não meter o nariz em algo que parecia ser obviamente pessoal. Sofia parecia ter notado, toco no seu braço e gesticulo que olhe para a folha, escrevo a seguir. Parece mau, ela perdeu as cores… Sofia escreve de volta. Lá fora perguntamos, mas se ela piorar falo, melhor sair para apanhar ar. Sinalizei “ok” com a mão e continuamos com a aula. De fato Sónia não melhorou, verificava as mensagens de minuto a minuto e os apontamentos que fazia no computador ficaram estagnados. Notava-se a aflição na sua cara. Ainda não fez uma semana... Baixinho e com suavidade na voz pergunto. — Queres sair e apanhar um bocado de ar? Sónia olha de forma desnorteada e mexe os lábios, tenta formular a frase na cabeça, mas não sabe como reagir. — Não é necessário... – A sua voz estava sumida e muito fraca. — Tu estás mais parecida com um cadáver, a tua tensão nem deve estar normal, vais sentir-te melhor após apanhar um pouco de ar e falares da situação. Fico a ver os olhos castanhos-escuros criarem água, a contê-la e fugindo uma lágrima ela responde. — Pode ser… A voz ainda mais fraca e dolorosa, Sofia estava de ouvido na conversa então assiná-la que ficaria a fazer o resto dos apontamentos. Saímos do auditório devagar e fomos sentar-nos num dos brancos do jardim na universidade. Por alguns momentos parecia que o meu coração ia explodir. — A minha avó foi novamente internada, já faz algum tempo que ela anda m*l…. O meu coração estabilizou, pelo menos não se tratava dela em si. — O que dizem os médicos? – Tento recolher mais informações, não quero ficar contente pelo m*l-estar de outra pessoa. — É permanente a situação, mas asseguraram que ela estava estabilizada. Tentei dar o meu melhor apoio, mandei mensagem para o grupo depois de Magali e Margarida questionarem a demora. Depois de comprar uma garrafa de água no bar, voltamos a entrar. A turma de Gestão Pública estava barulhenta como de costume, desta vez até o professor parou a aula, vira-se para o fundo do auditório e engrossa a voz. — Se não quiserem vir, não são obrigados, eu não marco faltas já sabem disso. - Ninguém comenta nada. – A porta é a serventia da casa, estejam a vontade! Dá uma volta em si e retoma a matéria com o comentário. — Já nem sei onde ia... Bebe água. Após acabar a aula fui direto para o carro, Sónia deu boleia a Magali, Gael e Margarida, eu dei a Sofia, assim ninguém ia sozinho. — Ela acalmou mais? – Sofia tinha fechado a porta, ligo o carro. — Sim, pelos vistos a avó voltou ao hospital depois de, assegurar a sua saúde, ela pensou o pior. — Espero que tudo corra bem! – Sofia ajeitava o casaco grosso. – Com a idade bem a delicadeza e fraqueza. — O pai disse que já está estável, em pouco tempo voltam para casa. — Ainda bem, ela estava um caco na aula. – Sofia tinha empatia mesmo não se dando com a sua própria avó, a família não se dava muito. —Magali fez piada quando saímos? — O que não faltou foi piada, até os de Gestão Pública não escaparam. – Sofia ri e conta rapidamente a piada do pescador e mostra a expressão que os colegas do outro curso tiveram. Fomos todo o caminho a rir com as histórias da nossa amiga que com certeza tem um futuro brilhante no stand up. Comentamos também um pouco sobre a nova matéria dada no dia. A vida de um universitário é assim, dias bons cheios de risada e nenhum defeito, dias para morrer onde cada minuto é uma explosão de raiva, dias de tristeza, mas com boa companhias e dias de mau agoiro onde vivo a cada instante a espera do desastre que não desejo a ninguém. Deixo Sofia na estação e sigo para casa, está quente, Sete-sóis dorme na minha cama, algo de invulgar, mas apenas preparo algo para comer. A chuva continua e o frio aumenta, o meu desejo é ver uma série e não estudar, mas matemática não se faz sozinha e sem trabalho não colherei bons frutos no final do semestre. Recebo uma mensagem no w******p enquanto almoço, Sofia tinha mandado uma fotografia. Abri a mensagem, toquei na fotografia, vi um fundo verde e duas pessoas estão num banco com um guarda-chuva a protegê-los. De início não consegui ver quem era, mas rapidamente perceciono o casaco cor-de-rosa de Magali. Sofia escreve. Clara boia Agora sabemos o porquê de tanta felicidade. (emoji de coração e sorriso aberto) Rato de biblioteca Ele deve ter acabado com a namorada. (emoji a rir). Desde que ela esteja feliz. Clara boia Concordo, ela andou muito m*l, de fato adora o rapaz. Quando ela contar dou-lhe as felicidades, não lhe vou dizer nada sem a iniciativa dela. Rato de biblioteca Farei o mesmo! Lavo o meu prato e vou até a cama, Sete-sóis não se mexe, abre o olho direito primeiro, mia baixo. Penso se me deixaria finalmente dar-lhe uma festa e sentir o seu pelo. O que tenho a perder, ele não se mexeu. É fofo, fino e agradável, o bichano abre mais a barriga e esticasse na cama, parece estar à vontade com o meu gesto. A minha mente fica por momentos calma e encontro serenidade por algum tempo. Afinal Magali está contente novamente, Sónia deve estar com a avó em casa no momento, Gael no seu mundo parece calmo e pacato não podia pedir mais, Margarida está radiante. Sete-sóis deixou eu tocar-lhe, a minha insónia pode ser um falso alarme, o ciclo irá acabar?
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