2º Semestre

1635 Words
"Duas gotas, separadas pelo destino, ligadas pela família. " L.L Mais uma noite, a lua parecia maior do que o costume. Eu já conhecia aquela margem, novamente o rio Vouga aparecia diante de mim e com ele a ponte que liga Macinhata do vouga a Serém. Estava tensa e tudo que pensava era como queria sair daquele pesadelo, ouvi os passos, serenos como a última vez que ali estivera. O homem do chapéu de coco caminhava novamente, vestia um casaco azul-escuro desta vez. A pasta estava junto da água, não a trazia na mão, andava de um lado para o outro, parecia confuso, abanava a cabeça continuamente da esquerda para a direita, mas o passo mantinha-se calmo. Era um conjunto de gestos e emoções que não faziam sentido, parecia que os pés não combinavam com a cabeça e os ombros. O que realmente queria era ver a cara, isso mantinha-se um mistério, não me mexia, temia que acontecesse o mesmo da última vez. Parou de repente, sentou-se de frente a margem num baque que ecoou pela ponte e começou a passar as mãos pela corrente calma. Pelo vapor que saía da boca, sabia que estava frio de rachar. — Como eu adoro o orvalho matinal, minha pequena gota de orvalho, saudades?! Acordei com a frase, não dormi mais e não queria dormir mais. — Clara vamos lá. – Sofia estava imparável, pelo fato de não querer deprimir-se pela mudança. A cara que fazia por se manter feliz. — Temos tempo, não são 9 horas ainda. - Caminho pelo passeio devagar. Tinha acordado em visitá-la em Macinhata quando ela se mudasse, iria também visitar a campa do meu avô, desde a morte da minha avó que não lá ia. Ela ficara enterrada em Lisboa, era o seu desejo, já o meu avô queria voltar à sua terra natal depois de partir, lembro de algumas guerras quanto a sua escolha, mas nenhum deu o braço a torcer e cada um ficou na sua terra após a morte. Contudo, a minha avó insistiu que parte das suas cinzas fossem colocadas em Macinhata e uma parte das do meu avô em Lisboa. Mesmo separados queriam a companhia um do outro, depois de tanta guerrilha quanto a local para ser sepultado. Até hoje lembro de como interrompi os dois no meio da discussão com uma simples frase. Vocês dizem querer ser cremados, para que tanta guerra, divide-se o que vai no pote depois. Ri-me sozinha, Sofia mirava-me, retomo o presente de imediato. — Algo engraçado? — Em parte… - Não divulgo a memória, devemos guardar estas muito bem. Ela não perguntou mais nada e apenas colocou o braço em volta do meu, descemos até ao rio, a casa dela era a 5 minutos do caudal então rapidamente chegamos à ponte. — O pai da minha mãe esteve no meio das muitas pessoas que construíram a ponte. Aparentemente muita gente de Serém trabalhou aqui. Não descemos para a margem, eu não queria ver aquele lugar, mas Sofia insistiu que no mínimo passássemos a ponte. A meio parou e olhou para a água no fundo, ainda se encontravam lá as fitas colocadas pela polícia. — Mesmo depois de tanto tempo eles ainda aqui voltam… - Sofia apoiou cotovelos no varandim da mesma. — Eles continuam nisso, acham que ficou algo para trás? – Falei com tanta preocupação que ela me olhou assustada. — Sim, a minha avó fala que quase toda a semana passa um carro pela casa dela, como sabes é fofoqueira, disse que sempre deixam o carro na estrada e descem. — O que eles procuram? — Ela não sabe, assim como o resto de Portugal, contudo ela falou que eles mais parecem passear, olham o gramão e mais nada. Olho para a margem, os meus sonhos são mais realistas do que penso, por que razão andariam a olhar a gramão que rodeia maior parte das margens. Olho de leve, não há nada ali para encontrar, a não ser restos de lixo de apaixonados a altas horas da madrugada. Algo brilhava no fundo do rio, talvez uma pedra bem polida. — Ali no meio, não vês algo a brilhar com o sol? – Inclino-me sobre o gradeamento. Sofia olha para mim e depois para o meio do rio, ela via melhor que eu, não demorou para encontrar o ponto brilhante que falava. — Não pode ser uma pedra, nenhuma, por muito que polida nunca brilharia tanto, além disso, parece ter um brilho alongado, uma pedra reflete de forma diferente, não? — Acho que sim… vamos descer?!!! —O quê??!! Gael dormia, como de costume até tarde. Não tinha ideias de continuar o curso e apenas iria finalizar o ano por amor à mãe. O telefone toca, demora para atender, não pelo sono e sim por ficar a olhar a tela e tentar entender o porquê de a mesma rapariga lhe continuava a ligar incessantemente. Era esse o único lugar que não gostava no inferno, o resto era-lhe agradável. Tinha deixado o computador em suspense, na verdade, este que suspendera, ele adormeceu a ver família Addams durante a madrugada. Não saia fazia tempo, depois do que aconteceu ao universitário, o qual não sabia o nome, mas que tinha andado envolvido com Magali, não ia às festas nem tinha encontros com mais ninguém do Tinder. Ficava aborrecido, mas com alguém a matar gente pelo distrito todo o cuidado era pouco. Não atendeu a chamada e decidiu bloquear o número, voltou a dormir. Depois de duas horas na água e uma a falar com a PJ, a arma que eu tinha descoberto foi levada como prova. A tal luz era apenas uma pequena parte da longa faca que eu tinha visto no sonho e a arma que procuravam pela erva. — Recapitulando, vocês passeavam na ponte e viram uma luz no meio da água. – O guarda falava muito pesadamente, arrastava demasiado as palavras. — Sim, nós estávamos a passear, olhamos para a água e vimos aquilo a reluzir no meio do rio. – Era a terceira vez a repetir o mesmo. — Muito bem, querem relatar mais alguma coisa. Sofia olhou para mim sem entender. — Que mais quer saber. – Também ela começava-se a fartar. – Nós vimos e descemos por acharmos estranho qualquer tipo de pedra reluzir do local onde nos encontrávamos. — Então vocês por acaso não decidiram vir procurar nada por conta da vossa colega estar presa, pois não?! Aquele olhar de superioridade deixava-me enjoada e repudiada. Simplesmente i****a. — Somos pessoas reais, não uma série de adolescentes em busca de pistas. — E eu vivo aqui… — O vosso depoimento fica registado, somos agradecidos por nos contactarem. – Falou sem vontade que até a voz saiu seca. Vira costas e sobe a pequena encosta para a estrada. — Aquele homem precisa de apoio médico, notaste como falou, até parece que nós íamos descer se soubéssemos que aquilo era a faca usada pelo assassino. — Ele não deve ganhar muito, a vontade dele era mínima. — E como que ele sabia que nós somos amigas da Magali, eu não fui chamada para nenhum interrogatório! — Devem ter acesso a dados escolares, para além do telemóvel, está mais que óbvio, ninguém da área dele chuta a palavra amiga sem ter certezas de laços. Sofia tentava secar os pés com uma pequena toalha dada pelos agentes. — De qualquer forma, pode ser bom teres encontrado aquilo, pode ser que libertem a Magali. A minha mente já flutuava a alguns quilómetros, eu sabia, eu vi-a, era idêntica ao sonho. Eu contei sobre o homem do chapéu de coco, mas não sobre o ataque, comentei que me assustava, nada mais. Porém, quando olhei o brilho da ponte algo em mim pensou que poderia ser a faca, a Sofia tinha comentado pelas buscas diárias deles, que mais poderia ser. Afinal o Virgílio teve direito ao seu último suspiro no pegão e não no areal, facilmente a arma poderia ser jogada para a água e toda prova ser automaticamente limpa. — Clara Ele tinha lutado, a luta começou no areal, as notícias, mostraram o rasto de sangue na TV. O meu sonho tinha começado a poucos metros de onde me encontrava no momento. Mas eu nunca me esqueceria do formato da faca, inclusive do punho, prateado assim como a fechadura da pasta. — CLARA... Olhei para Sofia assustada. — Onde anda essa mente? — Flutua como as nuvens, os teus pais já devem ter começado a fazer a comida. Vamos subir e ajudá-los. — OK, estás bem? — Sim, apenas… quem diria que íamos encontrar aquilo na água. – Menti com todos os dentes. — Verdade… Após secarmos os pés e calçarmos os sapatos voltamos à casa dela. Durante a tarde iria visitar o meu avô. Sónia e Margarida estavam em Aveiro numa pastelaria, tinha começado a chover. Bebia cada uma, um café e um ‘croissant’ misto prensado. — Com este tempo não dá para andar às compras. – Margarida tinha tirado o dia para fazer compras. — Isso daqui a pouco para, além de ser só água. — Já ouvi dizer que o assassino costuma atacar quando chove, não tem como ficar calma. — Isso é invenções, quando for a polícia a anunciar acredito. – Dá um pequeno sorriso e uma mordida no ‘croissant’. — Sei lá, para um assassino gostar de água é meio estranho não achas?! Tipo, qual o nexo da água para fazer m*l a alguém? — Significado deve ter, só que é mais profundo do que imaginamos. Margarida não comentou mais nada, fez uma careta e continuou a comer. Não queria trazer conversas relacionadas com a morte devido à perda recente de Sónia, a avó tinha falecido perto da meia-noite do dia 1 de janeiro.
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