Capítulo 3

1835 Words
Linda Em vinte e dois anos nunca havia parado para pensar sobre a morte. Para mim era um assunto complexo com o qual não queria lidar. Pensar demais sobre isso não me levaria a lugar algum. E quando se tem saúde, ninguém pensa em quando ou como vai partir. Apenas há quatro meses, depois de perder minha mãe, é que me permiti pensar. Se for sincera comigo mesma, até mesmo desejar. Me entreguei à dor e ao sofrimento causados pela falta que sentia dela. Me entreguei ao aperto no peito, como se uma parte do meu coração tivesse sido arrancado e enterrado junto com ela. Nas primeiras semanas, tudo que fiz foi me encolher em minha cama esperando acordar daquele pesadelo. Em algum momento, tudo que me restou foi desejar que esse mesmo coração parasse de bater. Foi Gracie quem não me deixou afundar no luto. A Sra. Grayson permitia que ela saísse alguns minutinhos mais cedo todos os dias, para que viesse conversar comigo, ainda que ela fosse a única que falasse. Gracie se tornou uma espécie de âncora para mim, e pouco a pouco, com muito esforço, comecei a seguir em frente dando um passo de cada vez. Nos poucos minutos que se seguiram entre a batida do carro, me sentar e encarar os olhos azuis como mar revolto do cara que me atropelou, penso que nunca quis morrer, pelo contrário, quero viver, só não descobri ainda a melhor forma de fazer isso. Mas há algum tempo que eu tenho um novo propósito de vida: conseguir encontrar um ótimo emprego na minha área, juntar dinheiro e comprar meu próprio lar. Entrei em casa atordoada, ensopada depois de tantos minutos na chuva, indo direto para o banheiro tomar um banho quente. Minha cabeça repassando cada minuto das três últimas horas. Viajando no rosto daquele homem que me atropelou. Nunca havia visto alguém mais bonito em toda minha vida. Quando ele saiu do carro e se abaixou ao meu lado, experimentei os segundos do mais puro encantamento. Como nos filmes onde a mocinha vê o mocinho pela primeira vez e sente aquela conexão. Meus primeiros pensamentos foram que ele devia ter sido de alguma maneira esculpido, segundos depois, minha mente fértil o imaginou como um anjo enviado para me resgatar. Pelo menos, até ele abrir a boca para gritar comigo agindo com toda aquela arrogância, como se eu fosse de outro planeta pelo simples fato de não saber quem ele era. Foi ali que percebi que se tratava apenas de mais um i*****l prepotente e m*l educado que se achava melhor do que os outros por ter dinheiro. Caralho. Quem aquele i****a pensava que era para gritar comigo? Nem minha mãe fazia isso quando era viva. Ele me irritou. E se não bastasse o acidente e sua forma estúpida de falar comigo, ainda precisei me esquivar de ser levada ao hospital. Como dizer ao cara que não tinha um plano médico ou condições financeiras para arcar com as despesas de uma consulta e exames? Com toda sua arrogância, não poderia confiar que ele mesmo pagaria, afinal na impulsividade do momento, eu quem havia pulado na frente do seu carro, e tive sorte dele estar devagar, ou a essa hora, estaria sendo velada em algum canto da cidade. Porém, eu estava sendo seguida. Pela primeira vez em anos fazendo aquele trajeto. Melhor não pensar nisso, Linda. Pode ter sido impressão. Pode ter ficado nervosa com a situação com Elliot e imaginado aquilo. Um sorriso desenhou meus lábios ao lembrar da expressão no rosto do moreno de olhos azuis. Vi o desconforto do cara ao entrar em meu bairro. O i****a riquinho nunca deve ter colocado os pés ou até mesmo as rodas do seu caríssimo carro num lugar tão humilde. Homens como ele não frequentam lugares como os que eu estava acostumada. O mais estranho em tudo isso? Sentia que já o tinha visto em algum lugar. Graças a Deus foram apenas algumas escoriações. Nada que meu próprio organismo não desse conta. Mas sabia que acordaria com uma leve dor no corpo. Puta que pariu. Errado. Não acordei com uma leve dor no corpo. Acordei como se tivesse sido atropelada por um caminhão. Puta merda. Que dor dos infernos! Abri os olhos devagar encontrando meu quarto na mais pura claridade. Franzindo a testa sem entender o motivo da dor no corpo que sentia. Então, flashs da noite anterior me fizeram recordar que eu tinha sim sido atropelada, só que não por um caminhão. Minha mente viajou para o rosto do desconhecido com olhos de tempestade. Depois de recordar do acidente, meu primeiro pensamento do dia foi como alguém poderia ser tão ridiculamente bonito. Deveria ser crime ser tão bonito assim. Uma pena que ele era tão, tão... - Babaca! - Bufei. Nunca ninguém me irritou tanto. Aquele cara conseguiu em minutos o que poucos fizeram durante toda minha vida. Nunca senti tanta vontade de gritar com alguém ou de retrucar as coisas que me diziam. Seu rosto emburrado, seu sarcasmo e prepotência me fizeram querer socá-lo. Idiota. Babaca. Riquinho metido a b***a. Me espreguicei, xingando mais uma vez ao sentir o corpo dolorido, a queimação nos ralados das mãos. E xinguei mais ainda quando olhei as horas no relógio de cabeceira e vi o quanto estava atrasada. Puta merda. Tomei um banho rápido e me arrumei em tempo recorde, já que não era muito fã de maquiagem. Antes de sair de casa, só pedi ao universo com todas as forças para não ter que estar na presença de Elliot. Não estava com humor para lidar com ele hoje. Nem por um bom tempo. Vinte minutos de atraso. Puta que pariu. - Está atrasada mocinha. - Gracie sorriu do outro lado do balcão. - Nem fale. - Sua testa franziu ao olhar para minha mão enfaixada. Depois do banho na noite anterior, limpei bem onde estavam os ralados e fiz um pequeno curativo. Não era nenhum machucado significativo, mas aquilo ardia feito o inferno. - O que aconteceu com sua mão? - Se preocupou. - Escorreguei e cai na rua ontem. - Expliquei enquanto prendia meu cabelo em um r**o alto. - Pegou toda aquela chuva? - Estava serenando quando sai, depois aumentou. - Respondi ao começar a arrumar a bancada da cafeteria. - Linda? - Gracie me chamou, e quando encarei seus olhos, vi aquele sentimento que algumas pessoas costumavam me direcionar. - Que foi? - Franzi a testa. - Queria pedir desculpas por ontem. - Minha testa franziu ainda mais. - O que aconteceu ontem que precisa se desculpar? - Desculpa não ter lembrando que dia era. - Sua mão pegou a minha dando um leve aperto. - Tá tudo bem, Gracie. - Sorri de leve. - Só depois que cheguei na universidade e vi a data que me lembrei. Não quero te deixar triste lembrando das coisas, mas queria que soubesse que estarei sempre aqui por você. - Ela me abraçou e devolvi o aperto. - Eu sei disso. Obrigada. Agora vamos trabalhar porque daqui a pouco isso aqui tá lotado. - Gracie riu sabendo que eu tinha razão. Sexta-feira era um dos dias mais tumultuados na cafeteria. Foi dito e feito, em meia hora quase todas as mesas do lugar já estavam reservadas. Esse foi o motivo que levou Anne a se sentar na menor mesa, próxima ao balão. - Bom dia, Anne. - Beijei sua bochecha fazendo-a sorrir, antes de colocar seu café expresso na mesa. Todo e qualquer funcionário daquele lugar já conhecia muito bem o pedido da senhora. - Bom dia, minha querida. O que aconteceu com sua mão? - Perguntou ao vê-la enfaixada. - Um tombo daqueles na rua. - Menti pela segunda vez naquela manhã. - Desastrada como sempre. - Anne balançou a cabeça sorrindo. - Normal. - Dei de ombros. - O que vai querer hoje? O bolo de nozes acabou agorinha. - Croissant? - Acenei indo buscar seu pedido. - Ainda tá quentinho. - Informei. - Vou querer um daqueles bolinhos também, daqueles que vocês colocam uma velinha. - Pra alguém especial? - Perguntei curiosa. - Sim. Meu menino está fazendo aniversário hoje. - Seu chefe? - Ela acenou. Sempre estranho a mania de Anne de chamar o chefe de meu menino. A forma carinhosa que usava para retratá-lo em nada se parece com o que conta sobre seu gênio forte. - Ele mesmo. - Quantos anos seu menino tá fazendo, Anne? - Vinte e seis. - Então, ele já não é tão menino assim, né? - Comecei a rir. - Com toda certeza não. Não sendo tão alto e forte. - Vou arrumar pra você poder levar. Sai apressada. Montei a caixa e coloquei o pequeno bolo de aniversário com escrito parabéns ali dentro, já com a vela enfiada nele. Não muito contente, peguei um cupcake com gotas de chocolate embrulhando separado e coloquei na mesma sacola de papel. - Prontinho. - Deslizei a sacola pelo balcão, já que Anne já estava finalizando seu p*******o para Gracie no caixa. - Obrigada, minhas queridas. Vejo vocês na segunda. - Um feliz aniversário para o seu menino Anne. - Sorri e ela devolveu. - Anne tem filho? - Gracie franziu a testa. - Não. Ela chama o chefe dela assim porque ele é mais novo, e bom, depois de tantos anos trabalhando pra família, eles a consideram parte dela. - Ela já não deveria estar aposentada? - Deveria, mas ela diz que enquanto tiver saúde e for necessária, ela continuará trabalhando. - Errada não está. Se eu chegar na idade de Anne tão ativa assim ficarei feliz. - Você precisa se preocupar em estar ativa agora. Você só estuda. - Gracie sorriu. - Eu gosto de estudar. - Deu de ombros. - Mas precisa se divertir também. - Me virei para lavar as xícaras e pires que estavam em cima da bancada. - O sujo falando do m*l lavado. Quando foi a última vez que saiu ou que conheceu alguém? - Conheço pessoas todos os dias, Gracie. - Respondi vendo-a arquear uma sobrancelha. - Não. Você conhece babacas todos os dias. Homens que só querem te levar pra cama porque você é uma mulher linda. - E ainda me pergunta quando foi a última vez que sai. - Revirei os olhos. - Prefiro ficar solteira e no conforto do meu apertamento. - Sorri. - Quando menos esperar, seu príncipe estará passando por aquela porta. - Gracie apontou para a entrada da cafeteria. Segundos depois caímos na gargalhada quando um senhorzinho passou por ela com sua bengala. Realmente, eu só conheço homens babacas. Quantos não foram os que ao invés de se sentarem nas mesas espalhadas pelo lugar, tomaram as banquetas altas do balcão na tentativa de puxar assunto. Nessas horas, Elias, um dos atendentes, tomava nosso lugar espantando aqueles seres inconvenientes. Babacas. Falar em homem babaca fez minha mente viajar para a noite anterior. Idiota. Idiota. Idiota. Espero nunca mais ter que olhar pra cara daquele homem.
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