Francisca - Parte 2
Eu estava ensinando a dona Priscila a fazer um bolinho de chuva que não aguentava mais escutar ela pedir e até que ela tinha jeito para a coisa, me seguia certinho, mas enquanto amassava a massa, eu vi quando ela se curvou e colocou uma de suas mãos na barriga no mesmo momento em que o sangue desceu por suas pernas
Priscila – Chica, eu acho que o bebê está vindo
E estava mesmo, mas graças a Deus, o senhor da casa, seu Osvaldo tinha decidido não ir trabalhar naquele dia, então eu o gritei e vi o homem aparecer no cômodo mais branco que os azulejos da cozinha, ele sabia...
Osvaldo – Calma querida, eu vou te levar para a maternidade
O grito da senhora quase fez as paredes caírem, não dava tempo pra gente ir na maternidade, o parto teria que ser feito ali mesmo, dentro da casa
Para piorar, não sei se foi por conta do nervoso, a minha bolsa também estourou e eu fiquei completamente envergonhada de dizer aquilo, era o momento da minha senhora, aquela que tinha me ajudado por todo aquele período difícil, eu não tinha o direito de atrapalhar, então só chamei a parteira que trabalhava em outra casa, só que não era um povo tão granfino assim, ali perto mesmo
O que ninguém sabia era que, a parteira, era nada mais, nada menos que a minha tia Maria, a mulher que não gostou nada nada de como o rumo da minha vida se seguiu, não por causa do que eu tinha feito e sim porque a coisa não tinha dado certo
Ela veio mais do que depressa, foi direto para o quarto da dona Priscila que já estava acomodada no colchão macio
Até nisso os ricos tinham sorte, se não dava para levar para a maternidade, não tinha problema, as suas casas tinham todo o aparato para receber uma criança, aquele bebê já ia vir ao mundo com a b***a virada para o universo, cheio de regalias
Mas eu tentei ajudar, mesmo segurando a minha própria dor e com uma imensa inveja de todo aquele carinho que o seu Osvaldo dava para a esposa
Suas mãos acariciavam as dela e também a sua testa, ele não economizava palavras de felicidade e conforto, só para deixar sua esposa mais relaxada, seu sorriso estava sempre ali, agradecendo a mulher por proporcionar aquele momento
Como eu queria que aquilo estivesse acontecendo comigo, como eu queria que o Jorge estivesse do meu lado, mas não, ele já estava nos braços de outra mulher e tudo o que eu dei a ele, o meu próprio coração, tinha sido jogado no mar do esquecimento
O parto estava complicado, eu ouvi minha tia dizendo que a criança estava de atravessado e que a dona Priscila ia ter que fazer muita força, o sangue ainda não tinha parado de escorrer pela perna da mulher e minha tia ficava cada vez mais preocupada
Ela estava sofrendo, com certeza estava, mas o amor pela criança, e a expectativa de ver o seu rostinho deram forças para a mulher que fez de tudo para trazer eu bebe ao mundo
Demorou mais do que qualquer um imaginava e acreditada, mas ela conseguiu, o chorinho da criança ecoou no quarto enquanto o lençol branco ficava manchado de sangue, até demais...
Maria – Eu preciso que chamem um médico porque ela não pode sair daqui, mas está perdendo muito sangue, se o senhor não correr, nós vamos perdê-la
A face do seu Osvaldo já mostrava o tamanho da sua preocupação, ele não queria perder a esposa amada, mas apesar de tudo, a criança, uma menina, tinha nascido com uma saúde impecável
As lágrimas escorriam no rosto da mulher fraca, mas a felicidade a manteve ali, olhando para a garotinha que acabara de receber o nome de Vanessa, que pelo o que a senhora tinha dito, significava menina alegre e otimista
Olhando para aquela cena, eu não consegui mais segurar as minhas dores e saí do quarto, passei pelo corredor com muitos quadros da família pendurados na parede, desci as escadas com dificuldade e fui para o quarto dos fundos
A minha sina não era a das melhores, eu tinha sido abandonada pelo amor da minha vida, ainda grávida, obrigada a ficar com um homem que apesar de me dar carinho, não era o homem que eu queria, e ainda, ia ter o meu bebê sozinha, dentro de um quartinho no fundo da casa dos patrões
As dores estavam insuportáveis e eu segurava um pano na boca para abafar meus gritos, não queria correr o risco de atrapalhar a felicidade da minha senhora
Eu senti minha pélvis se dilatando, senti o momento certo em que deveria empurrar, e ali, sozinha, foi isso que eu fiz, tive a minha menina naquele quarto e sem a ajuda de ninguém
Minha tia chegou logo depois, percebendo a minha ausência dentro da casa e me encontrou, com um bebê nos braços enrolado no lençol barato
Francisca – É uma menina... vai se chamar Valentina...
Maria – Bom nome, menina valente, forte, ela vai precisar fazer jus a isso
Eu estava feliz, mas com medo, a minha menina era muito parecida com o pai e que no caso, não tinha nada a ver com o homem que me sustentava em casa, eu tive medo, pela primeira vez, mas minha tia ficou lá por mim, me cuidando, com uma cara estranha, mas ficou
Maria – Eu vou levar a menina para ser lavada
Francisca – Mas os patrões vão ver
Maria – Não se preocupe, eu sei muito bem ser discreta
Ali, foi a última vez que eu tive a minha menina valente nos braços, fruto do meu amor. Uma mãe sempre sabe reconhecer seus filhos, mesmo que o tenha visto apenas uma vez, eu sabia que a menina que tinha voltado para minha não era a que eu vi crescer na minha barriga, não era a minha bebê, sua pele era mais clara, seus olhos também e ela tinha uma marca nas costas que eu tinha certeza que a minha filha não tinha
Eu tentei argumentar com a minha tia, tentei fazer com que ela me desse a menina de volta, aquela que estava nos meus braços era a filha dos patrões, eu não queria trazer sofrimento as únicas pessoas que ficaram do meu lado esse tempo todo, mas foi em vão e no final, eu acabei aceitando
A minha menina ia ter uma vida de granfino, ela ia ter absolutamente tudo o que eu não podia dar, a outra, a que eu peguei como minha, só ia viver mesmo
Era estranho, mas eu estava feliz, minha menina ia ser feliz, com outra família, mas ia, isso é tudo o que uma mãe deseja
Depois da troca, eu não tive coragem de voltar para aquela casa, ainda mais depois que a minha tia me disse que a dona Priscila teimava em dizer que a bebê que estava em seus braços não era sua filha, sorte minha que ninguém acreditou...
Ela ainda foi generosa, me deu uma boa quantia em dinheiro para que eu pudesse recomeçar a minha vida e eu aceitei, mas escondi uma parte, o que o remorso não faz não é
Eu fiz o cálculo de quanto ia ser a minha rescisão normal, o que não dava muito, a maior parte era a diferença e eu guardei em uma poupança no banco, escondida do meu esposo, pra minha falsa Valentina poder estudar, pelo menos isso...