Vanessa
Eu sempre me senti privilegiada com as coisas que tenho, lógico, não é para qualquer um nascer em uma família privilegiada, da alta classe de São Paulo, ser paparicada e ter tudo, absolutamente tudo o que sempre quis
Se queria uma roupa nova, lá estava ela, se queria um sapato novo, lá estava ele, mesmo com meu guarda roupas lotado, mesmo só comprando para satisfazer o meu ego, eu sempre fui muito mimada por meus pais
Uma coisa que eu não gosto é ter muito contato físico, algo que meus pais, aliás, minha mãe gosta demais. Sempre quando eu ficava triste por algum motivo, eu não queria receber os seus abraços, o seu aconchego, pra mim, uma bolsa nova já era o suficiente para trazer de volta a minha felicidade
Os homens sempre estão aos meus pés, sou eu quem escolho com quem vou ficar, nunca sou a escolhida, lógico, não podia ser diferente, eu realmente sou a melhor e mereço nada menos que o melhor
Eu terminei o ensino médio na marra, não vou mentir, agora estou aqui, curtindo a vida, tirando o meu ano sabático, que no caso, já duram dois, porque ainda não me decidi que carreira seguir
Na verdade, eu nem me preocupo muito com isso, meu pai trabalha com investimentos, e por isso, dinheiro nunca foi a nossa preocupação, não sei o porquê devo me preocupar com isso agora
Enquanto minha mãe fazia planos, eu sonhava e viajar o mundo, conhecer lugares novos, pessoas novas, aumentar as minhas possibilidades de me trombar com alguém que valesse a pena, que bancasse o meu estilo de vida e estivesse disposto em me fazer rainha pelo resto da vida
É este o meu objetivo, encontrar um homem com muito dinheiro, que olhe para mim e demonstre seu amor através de presentes e regalias, nem precisa se preocupara com essas babozeiras de amor
Com o tempo isso acaba, por isso, sempre considerei que sentimentalismo é uma característica de gente fraca, gente que desiste de seus objetivos por outra pessoa. Não, eu nunca quis isso para a minha vida, pelo menos vindo de mim, meu lema é receber, não dar
Se eu estiver no lugar certo, com as pessoas certas, com certeza vou conseguir aquilo que desejo. Meu sonhos são mais altos, minhas expectativas também, não vale a pena sonhar baixo
Foi isso que eu sempre vi na minha mãe, uma artista plástica fracassada que usa a pintura muito mais como arte e passa tempo do que para fazer seu nome, tornar ele conhecido e viver os benefícios que este meio dá
Ela podia ganhar muito dinheiro com isso, abrir uma galeria e fazer valer o seu trabalho, mas não, prefere passar horas em seu atelier particular, num cômodo separado em nossa casa mesmo, aquele que meu pai montou há muito tempo, acho que eu nem era nascida quando ele deu de presente a minha mãe
Ela acha isso romântico, sempre me conta a mesma história, de que em um dia chuvoso, aquele escolhido por Deus para ser propício para um taça de vinho ou até, um chocolate quente, curtir a presença do amado, meu pai fechou seus olhos com uma venda e a levou até um quarto, aonde ele mesmo pintou e fez questão de espalhar todas as suas pinturas pela parede. Segundo ela, foi um dos dias mais felizes de sua vida
Eu, no caso, ia preferir uma viagem à Paris, ou a Florença e curtir uma noite romântica, em um restaurante caro, a comida nem precisava ser muito boa, mas fazer o quê, cada qual com o seu cada qual
Essa era a minha vida, a que eu conhecia e amava, lógico, eu almejava mais, mas não podia reclamar
Sim, era a minha vida, a que foi destruída por uma mulher que eu nunca tinha visto na minha frente, mas que num dia qualquer, se atreveu a entrar na minha casa e contar uma história absurda para a minha mãe de que eu, simplesmente, não era a sua verdadeira filha, sangue do seu sangue, e sim, a filha de uma mera empregada, a da mulher que estava toda desarrumada e sentada no sofá, bem na frente da minha mãe
Ela jogou aquela história de uma vez, achando que estava sozinha com a minha mãe, o baque foi tão grande que a fez desmaiar
Vanessa – Mãe! Mãe, pelo amor de Deus, acorda
A mulher ficou lá, parada, olhando para mim ao invés de me ajudar a levantar a minha mãe
Vanessa – Você é louca? Aonde já se viu você vir da p**a que pariu para contar uma história cabulosa dessa
Eu a questionava, mas ela ficou lá, parada, sem me dizer uma só palavra, só ficou me olhando mesmo, com o olhar impressionado. No fundo, meu coração dizia que a mulher realmente estava falando a verdade, eu via até alguma semelhança entre mim e o seu rosto cansado, mas não queria acreditar, porque isso, significava que eu estava perdendo a minha vida para aceitar outra que eu não merecia
Vanessa – Se você não vai ajudar, então saia daqui, saia e nunca mais apareça, ainda mais depois do que eu escutei. Mesmo que for verdade, o que você ganha vindo contar isso agora, depois de vinte anos? Eu nunca vou te aceitar entendeu? Nunca! Você não é a minha mãe, nunca foi e nunca será
Francisca – Eu sempre sonhei com o dia em que ia te ver, com você tendo conhecimento de quem eu sou, sempre sonhei com o dia em que te chamaria de filha, guardei o meu amor por você bem escondido no meu coração, para não atrapalhar a sua vida, mas não pude mais evitar
Vanessa – Se você não queria atrapalhar a minha vida, então por que veio aqui? Por que contou esse absurdo?
Francisca – Eu não fiz por mim e também, não fiz por você, eu fiz pela Valentina, a verdadeira filha da dona Priscila... eu tive que fazer isso
Vanessa – Não, você não teve, você fez porque quis, mas eu nunca vou aceitar entendeu? Vai embora, agora, e não apareça nunca mais
Remorso? Dor? Não, eu não senti nada daquilo, aquela mulher não significava nada para mim, aliás, significava sim, no caso, o perigo de eu ter que desistir dos meus sonhos só por ter o sangue de uma empregada e isso, eu jamais ia aceitar, jamais