AURORA
Estávamos no corredor aguardando que o Angelo e a Serena conversassem, quando escutamos um grito do Angelo.
A cena que vimos quando abrimos a porta foi de cortar o coração.
Ao mesmo tempo que ele estava furioso e quebrava tudo dentro do quarto, parecia também estar sentindo muita dor na cabeça, ele a segurava com as duas mãos e se inclinava, gritando.
Nós já sabíamos o que tinha acontecido. Foi demais para ele saber da morte da Alice.
Ele estava passando por todo o processo doloroso do luto pela segunda vez.
O Angelo teve que ser contido pelo Maxim, pelo Enrico e por dois soldados para que o médico pudesse aplicar uma injeção sedativa nele.
Sabíamos que ele estava sob efeito de remédio e que só acordaria no dia seguinte, então saímos todos do quarto.
— Ele perguntou sobre a Alice — a Serena falou chorando copiosamente e foi abraçada pelo Marco. — Eu não podia mentir para ele.
— Sua estúpida — a mãe deles falou, irritada. — Olha o estado que o deixou.
— CALA A BOCA — gritei. — SE TEM ALGUÉM RESPONSÁVEL PELO ANGELO ESTAR NESSE ESTADO, ESSE ALGUÉM É VOCÊ.
— TUDO É CULPA MINHA? — ela esbravejou, me olhando com um olhar feroz. — FUI EU QUE DERRUBEI O HELICÓPTERO, TAMBÉM?
— VOCÊ NEGLIGENCIOU A VIDA DA ALICE — coloquei o dedo na cara dela. — TODOS OS TRAUMAS NA VIDA DO ANGELO SÃO POR PERDER A IRMÃ. A ALICE TE PEDIU AJUDA. COMO PÔDE VIRAR AS COSTAS PARA A SUA FILHA POR UM MALDIT0 PERVERTIDO?
— VOCÊ NÃO SABE DO QUE ESTÁ FALANDO? — ela ainda tentou argumentar.
— SEI QUE VOCÊ NÃO TEM O DIREITO DE SER CHAMADA DE MÃE — gritei, estava tudo entalado há tanto tempo.
— Vem, Aurora — a Fiorella me puxou para longe dela.
— Como ela pôde falar daquele jeito com a Serena? — perguntei, enquanto tentava me acalmar.
— Eu sei que é difícil, mas tenta manter a calma pelo bebê.
Quando voltamos para perto dos outros, ficamos sabendo que o Enrico tinha dado ordens para expulsarem a Lúcia do hospital.
— SE ALGUÉM FACILITAR A ENTRADA DAQUELA MULHER NA CLÍNICA, TERÁ QUE SE VER COMIGO — ele estava esbravejando, em alto e bom som para que todos pudessem ouvir.
A Serena estava sentada nas cadeiras da recepção. Ver o Angelo naquele estado a deixou muito abalada.
Eu fui até ela e a abracei.
— Ele ia ter que saber de um jeito ou de outro — falei. — Eu não teria mentido para ele, teria feito o mesmo que você.
— Não é justo ele passar por toda a dor novamente.
— Nem sempre as coisas são justas. Ele tem muitas pessoas que o amam e vão ajudá-lo a passar por tudo — falei, olhando para todos que estavam à nossa frente.
[...]
Eu e o Enrico, passamos a noite no hospital. O Don teve medo de me deixar sozinha com o Angelo. Não sabíamos em que estado ele iria acordar.
— Como será a partir de agora? — perguntei, o olhando dormir.
Apesar de estar sedado, seu semblante não parecia tranquilo. Sua testa estava levemente enrugada.
— Eu não sei. Eu acho que ele lembrou do que aconteceu. Não era só dor, nos olhos do Angelo, ele estava enfurecido, indignado...
— Verdade! A forma que tudo aconteceu foi que transformou o Angelo no Guepardo.
Nós comemos um pouco enquanto conversamos. Eu estava sem fome alguma, mas me forcei a comer pelo bebê.
— Você dorme no sofá e eu na poltrona — o Enrico falou. — Tenta descansar. Eu sei que aquela mulher não é nada fácil, mas se por acaso o Angelo permitir que ela se aproxime, eu não terei como impedir. Só tenta não se alterar. Você precisa de toda tranquilidade possível.
— Esses conselhos você tirou dos livros que leu quando a Fiorella estava grávida — perguntei, sorrindo.
— Sim — ele também sorriu. — Inclusive, vou reunir alguns para que o Angelo possa ler.
— Será que ele vai reagir bem com a notícia? Eu estou com medo, Enrico — confessei. — Medo dele rejeitar o filho, medo dele só querer assumir o filho ou de só querer ficar comigo pelo bebê.
— Ei, as coisas vão se alinhar. Eu sei que é difícil, mas precisamos ter paciência.
Eu estava tão exausta que acabei dormindo, mas pesadelos me atormentaram a noite inteira.
[...]
Na manhã seguinte, eu acordei e fui tomar um banho. O Angelo e o Enrico ainda dormiam.
Quando sai do banho, o Enrico havia acordado.
— Bom dia! — falei.
— Bom dia! — ele respondeu. — Conseguiu dormir?
— Sim. E você?
— Também dormi, a poltrona é bem confortável — ele falou e entrou no banheiro.
Eu estava penteando os meus cabelos, quando notei que o Angelo havia acordado. Ele estava me observando em silêncio.
— Amor, você acordou — falei, me aproximando da cama. — A cabeça ainda doe muito?
— Moça, não tem uma forma legal de dizer isso, então eu vou ser direto. A Serena me falou que nós somos casados, mas eu não tenho lembrança alguma de você, ou seja, para mim você é só uma estranha. Por isso, não tem sentido permanecermos casados. Pelo que entendi da conversa que tive com o médico enquanto fazia os exames, eu posso recobrar a memória de repente ou posso não recobrar nunca mais — só então ele me olhou nos olhos. — Por tudo isso, eu quero o divórcio.
— Ela está... — o Enrico tinha aberto a porta e escutou tudo. Ele estava prestes a falar do bebê.
— Enrico, não — falei, o impedindo. — Não faz isso, por favor — implorei, com a minha voz embargada.
Ele assentiu, se dando por vencido.
— Eu vou tomar um ar — falei, me retirando do quarto.
Eu não consegui dizer uma palavra sequer ao Angelo. Foi como se o meu mundo tivesse sido tirado de mim e eu não conseguia fazer nada para impedir.
Deixei o quarto, eu não sentia a minhas passadas no corredor, minha visão começou a ficar turva e só senti a pancada da minha cabeça batendo no chão.