ANGELO
"Como eu posso não lembrar dos últimos onze anos da minha vida?"
"Eu tenho irmãos? No plural?"
"Eu entrei para a máfia?"
Tudo que a minha mãe falou ficou martelando na minha cabeça.
Após fazer os exames, eu voltei para o quarto empurrado em uma cadeira de rodas por uma enfermeira.
Olhei para todos aqueles rostos, um deles me chamou atenção.
Era idêntico a mim. Um pouco mais magro, o cabelo um pouco mais curto, mas era óbvio que éramos gêmeos.
— Que bom que voltou, cara — ele falou, pegando no meu ombro.
— Obrigado!
Ao lado dele, estava a mulher que se apresentou mais cedo como a irmã da tal Aurora.
— Bem-vindo de volta — um loiro grandão, falou.
— Valeu.
— Estamos todos felizes e aliviados com o seu retorno — uma moça loira que estava de mãos dadas com o loiro, disse.
— Obrigado!
Com exceção da Alice, da minha mãe e do Marco todos os outros eram estranhos. Apesar do meu irmão e eu termos o mesmo rosto, eu estava vendo-o pela primeira vez, então não deixava de ser um estranho.
— Filho — um homem de cabelos grisalhos falou. Logo deduzi que era o meu pai.
O Encarei. As palavras da minha mãe passando na minha cabeça.
Se o que ela falou tivesse sido dito por qualquer outra pessoa, eu já o condenaria de imediato, mas eu não perdi a memória de uma vida inteira, eu lembro muito bem o quanto a minha mãe é egoísta e cheia de artimanhas.
— Então você é o meu pai? — perguntei, levantando da cadeira de rodas e sentando na cama.
— Sim, eu sou o seu pai. Nunca tive tanto medo em toda minha vida, como tive ao te ver entre a vida e a morte.
— Que felicidade te vê consciente — a mulher de mãos dadas com o meu pai, falou. — Você nos deu um baita susto.
— Você é esposa do meu pai?
— Sim. Prazer, me chamou Nikoleta.
Eu apenas acenei.
— Eu posso ficar a sós com a Alice? — perguntei, todos ficaram olhando uns para os outros, em seguida foram se retirando do quarto.
— Angelo, não esqueça de tudo que te falei — a minha mãe falou, antes de fechar a porta do quarto.
Ignorei totalmente o que ela disse.
— Senta aqui — pedi a Alice, apontando para o meu lado na cama.
Ela sentou e segurou a minha mão.
— O que estão me escondendo, Alice? — perguntei.
— Angelo, você perdeu a memória dos últimos onze anos da sua vida. Aconteceram muitas coisas nessa última década, que você precisa saber. A começar, eu não sou a Alice, eu sou a Serena, irmã gêmea dela.
"Então a minha mãe teve quatro filhos?"
— Há cinco anos, você estava em um táxi com a Aurora, sua esposa.
— Aquela mulher é minha esposa?
— Sim — ela sorriu. — O amor de vocês é muito lindo.
"Eu me casei?"
— Como eu ia dizendo, vocês estavam em um táxi, você me viu passado pela rua e desceu. Você foi atrás de mim porque achou que eu fosse a Alice. Eu percebi que estava sendo seguida, atrai vocês para um beco e apontei a minha arma na sua direção.
— Uma arma? — sorri.
— Eu sou uma agente secreta, só estou te contando isso porque já não era mais segredo para você. Até então, nem os outros agentes sabiam da minha verdadeira identidade, mas você descobriu rapidinho.
"Quanto mais eu fico sabendo, mais eu acho toda essa história bizarra."
— E ele? O meu irmão gêmeo? Como ficamos sabendo sobre ele?
— Nós fomos confrontar a nossa mãe, que acabou confessando que tinha tido outro filho.
— Por que eu e a Alice não sabíamos da existência de vocês?
— Porque a Lúcia colocou a mim e ao Enrico em um orfanato, sem contar nada para ninguém.
— Por quê?
— O Enrico, foi porque ela estava com raiva do seu pai por ele amar a Nikoleta, aquela mulher de olhos claros e cabelos escuros que estava ao lado dele. No meu caso, ela contou que fez isso porque eu tinha um problema grave no pulmão. Segundo a nossa mãe, ela achou que eu fosse morrer e que não iria dar conta de cuidar de duas crianças.
— Bem típico dela — revirei os olhos. — Como encontramos o Enrico?
— Você é um hacker, o melhor da Europa.
— Eu o quê?
— Trabalha para o parlamento europeu. Acho que não existe nada que você não possa descobrir.
— Mas a nossa mãe disse que eu era da máfia. É claro que é mentira dela — conclui.
— Não é mentira. Você também é Sottocapo da máfia. As circunstâncias fizeram com que você e o Enrico entrassem para a organização. Por falar no nosso irmão, você descobriu o paradeiro dele, e dias antes do seu casamento com a Aurora, nós fomos resgatá-lo na Rússia com aquele loiro bonitão que estava aqui no quarto.
— Quem é ele?
— Ele é o Maxim, é seu amigo, foi você que nos apresentou a ele. Nós três, com outros três homens da agência de justiceiros, resgatamos o Enrico da mão de mafiosos russos.
— Agência de justiceiros? Mafiosos russos? Parece que você está me contando a história de outra pessoa.
— Até então, você ainda não fazia parte da máfia Siciliano, era apenas hacker do parlamento e um justiceiro.
— Eu? Um justiceiro?
— Sim. Você é o temido Guepardo.
"Eu sempre fazia desenhos de um guepardo quando era criança."
— Onde está a Alice? Eu quero vê-la.
Ela desviou o olhar e seus olhos ficaram marejados.
"Que porr@ está acontecendo?"
— Cadê a Alice, Serena?
— A Alice... Ela...
— CADÊ A ALICE? — esbravejei.
— A Alice morreu há onze anos.
Foi a última frase que consegui escutar. Depois disso, eu não ouvia e não enxergava mais nada a minha frente.
Memórias de quando encontrei o corpo da Alice, da carta que ela me deixou e de como eu matei o seu progenitor maIdito, o responsável pelo que aconteceu com ela, vieram tão claras na minha mente.
Eu senti uma dor tão forte e aguda na minha cabeça, que parecia que eu ia morrer.