ANGELO
Eu já tinha feito uma revista pelo escritório e vi que embaixo da mesa tinha uma arma. A engatilhei e fui andando sorrateiramente, mas logo reconheci a voz da Aurora.
Ela estava com uma mulher e quatro homens.
— Aurora — falei, guardando a arma.
— Oi, Angelo — ela respondeu. — Você deve ter visto que tinham quatro homens fazendo a segurança da casa.
— Sim.
— Esses são os que vão assumir o próximo turno: Bruno, Daniel, Marcelo e Alexandre — ela falou, apontando para cada um deles. Essa é a Celestina, ela é a cozinheira da casa. Amanhã a Zita estará aqui, ela é responsável pela limpeza. Podemos ir até o escritório conversar?
— Claro.
Eu dei passagem para ela, que foi na frente.
Depois que entrei, a Aurora trancou a porta.
— Você tem um avançado sistema de segurança que detecta tudo a um raio de cinquenta metros. Tem que instalar o sistema no celular que o Enrico te entregou, o seu foi destruído no acidente.
Ela estava fria, distante e não me olhava nos olhos.
— Aqui — ela apontou para uma parede falsa, — Você terá acesso a um esconderijo subterrânea de emergência. Lá embaixo tem um quarto do pânico à prova de balas, só precisa encostar os seus olhos no sensor para que a porta se abra.
— Fui eu que implantei tudo?
— Sim.
Seus olhos encontraram os meus, mas dessa vez ela não conseguiu desviar. Eu também não, os olhos dela pareciam um ímã.
Depois de um tempo, o silêncio fez a atmosfera do escritório ficar tensa. Eu não queria que ela arrumasse uma desculpa para ir embora, então decidi quebrar o silêncio.
— Como você está? Como está o bebê? —
— Estamos bem — ela falou, se encaminhando para a porta. — Eu vou pegar alguns pertences lá no quarto. Se você tiver mais alguma dúvida sobre o funcionamento da casa, é só perguntar.
"Merd@, ela está fugindo."
— Pensei que tinha vindo para falar de nós.
— Não — ela respondeu, se direcionando para a escada. — Amanhã iniciarei a restauração da catedral que estou trabalhando. Como tenho que pegar algumas coisas que precisarei para o trabalho, vou aproveitar para pegar roupas e outras coisas pessoais.
— Quanto tempo pretende ficar na casa do Enrico e da Fiorella? — perguntei, a seguindo.
— Não parei para pensar sobre isso. Os meus próximos dias estão bem incertos, a restauração irá durar seis meses, é só o que sei.
Enquanto a Aurora colocava seus pertences na mala, eu fiquei encostado na porta.
Eu queria pedir que ela ficasse, mas não queria que criasse expectativas falsas.
Me resumi a ajudá-la a descer as escadas com a mala.
Seus olhos estavam marejados enquanto entrava no carro. Eu senti vontade de abraçá-la, logo eu que lembro de fugir de cada um dos abraços no velório da Alice.
O carro dela deixou a propriedade.
Ao mesmo tempo que a presença daqueles funcionários estavam me incomodando, a Autora deixou um vazio quando partiu.
[...]
Uma semana depois...
Nos últimos dias, eu me enterrei no trabalho, nos treinamentos e em reformas que quis fazer na casa para ocupar a mente.
Quis entender como funcionava os meus trabalhos, a Serena me ajudou com isso.
Ela se transformou em uma excelente hacker e tem me ensinado tudo que, segundo ela, eu a ensinei.
Ela também aprendeu sobre desenvolvedores na universidade.
Sempre que ela estava na minha casa, eu pedia para me contar sobre minha relação com a Aurora. É claro que muitas das coisas apenas eu e a Aurora vivemos, mas achei que saber um pouco de nós, poderia me ajudar a lembrar.
Me senti ainda mais culpado quando ela contou que estávamos todos esses anos tentando ter filhos.
"Um momento tão esperado, e, infelizmente, ela não está podendo viver plenamente por causa desse caraIho de amnésia."
[...]
A Serena chegou, eu percebi no seu semblante que ela queria falar alguma coisa.
— Desembucha — falei, ela me encarou.
— A Aurora pediu para te entregar isso — ela falou, me entregando uns papéis.
Eram os papéis do nosso divórcio.
— Ela está sofrendo. Não quer se agarrar a esperança de que você pode recuperar a memória a qualquer momento, porque ela tem medo disso nunca acontecer. Sem falar que na gravidez os hormônios ficam mais aflorados, tudo é muito mais intenso... — a Serena explicava, mas eu já não estava ouvindo mais nada.
— Avisa para a Aurora que eu vou ler e amanhã entrego — falei, me levantando.
Antes que a Serena pudesse falar qualquer coisa, eu saí do escritório.
Eu precisava treinar. Olhei para aqueles homens que estavam fazendo a segurança da minha casa, escolhi o maior deles.
— Você — apontei. — Quer treinar artes marciais? — ele me olhou, parecia ponderar.
— Pode ser, Sottocapo.
— Esquece que eu sou o Sottocapo, pode bater para valer. Você é o Marcelo, estou certo?
— Sim, Sottocapo.
Dez minutos depois, estávamos no ringue.
Eu dei alguns socos, levei outros, mas logo eu saí de mim, já não era mais eu que estava ali.
Não sei por quanto tempo eu bati naquele homem, só sei que senti algo me puxando.
— Que porr@ você está fazendo, Angelo? — o Maxim me tirou de cima do Marcelo, só então eu vi que o homem estava desacordado. — Quer matar o soldado, caraIho?
O Maxim foi até o homem que estava começando a acordar, o ajudou a se levantar e pediu que outro soldado o levasse para fazer os curativos.
— O que faz aqui? — perguntei.
— A Serena me ligou, parecia prever o que você faria com o pobre homem.
Eu me levantei, iria dar uns socos no saco de pancada.
O Maxim começou a tirar a roupa social que estava usando, ficou apenas de calça e colocou umas luvas.
— Bora lutar — ele falou.
Eu fiquei o analisando.
— Vamos vê se você ainda é pário para mim.
— Eu passo.
— Está com medo de perder para mim, como perdeu a sua mulher.
Após escutá-la falar aquela asneira, meu sangue ferveu.
Eu subi no ringue, nós começamos a lutar. Aquilo mais parecia duas feras se enfrentando do que dois homens treinando.
O Maxim tem socos precisos, eu estava gostando da dor que ele estava causando com o sangue que fazia jorrar do meu rosto.
A cara dele também já estava toda detonada, quando nos dois, já sem forças, caímos no chão.
O Maxim começou a rir, descontrolado.
— Que foi, caraIho? — perguntei, querendo voltar a socá-lo.
— Eu não acho que você perdeu a Aurora — ele ainda sorria. — Uma amnésia não é capaz de destruir um amor como o de vocês. Sem falar que, você precisa concordar comigo que mesmo que não se lembre dela, a Aurora ainda exerce muito poder sobre você. Foi só tocar no nome dela que a fera que tem aí dentro entrou em ação.
Eu me levantei todo dolorido, estava prestes a sair mancando daquele ringue.
— Ei cara — o Maxim chamou, me fazendo olhar para trás. — Agora vocês são uma família completa como sempre sonharam ser. Luta pela sua mulher. Você pode não lembrar agora, mas uma hora vai, e quando isso acontecer, não vai se perdoar se a tiver perdido.