ANGELO
A Aurora está certa, a pancada na minha cabeça deve mesmo ter me deixado instável. Uma hora quero me divorciar para ficar na minha solitude e livre da companhia de uma estranha, outra hora estou tentado a beijá-la.
"Que porr@ está acontecendo comigo?"
Nós fomos interrompidos pela Fiorella, que entrou sem bater.
— Como você está? — ela perguntou, abraçando a Aurora. — Quando o Enrico falou que você tinha desmaiado, eu vim imediatamente.
— Estou bem — ela respondeu. — Pode perguntar ao médico se já podemos ir embora?
— Claro.
— Eu queria te perguntar outra coisa.
— Pode perguntar.
— Será que eu poderia passar uns dias na sua casa?
— Que pergunta, Aurora, é claro que você pode. Fique o tempo que quiser.
— Obrigada!
— Aurora... — chamei.
Eu queria dizer para ficarmos na mesma casa, para que eu pudesse acompanhar de perto o crescimento do bebê na barriga, cuidar dela e minimizar um pouco do dano que eu já causei, mas...
— Agora não, Angelo — sua resposta foi ríspida.
Eu me dei por vencido e sai do quarto.
Fui até o meu irmão, ele estava sentado em um dos sofás da recepção.
— Onde eu e a Aurora moramos? — perguntei.
— A cinco quilômetros de onde moro — ele respondeu. — Vocês também têm uma cabana em Roma.
— Eu ainda tenho a cabana de Grosseto?
— Sim. Você e a Aurora raramente vão lá, mas ela ainda pertence a você.
— Por que não me contou que ela está grávida?
— Por respeito aos sentimentos dela, já que você não parece se importar com eles.
— Eu não sabia que ela estava grávida — suspirei. — Com essa notícia, tudo muda.
— Aí é que tá, meu irmão — ele me encarou. — Um dos medos da Aurora era justamente esse: de você querer ficar com ela apenas pelo bebê.
— O que ela quer de mim? Eu não sei se irei recuperar a memória algum dia, não sei se serei capaz de amá-la, não posso dar garantias.
— É uma situação muito complicada para os dois, mas pedir o divórcio daquela forma, foi c***l.
Enquanto conversávamos, a Serena chegou na clínica.
— Você por acaso tem m£rda na cabeça? Qual a parte de "o amor de vocês é lindo, você não entendeu?" — ela perguntou, furiosa.
— Que droga, aquela mulher para mim é só uma estranha que conheci ontem. — esbravejei. — Eu acredito no que você falou, eu acredito no amor dela, mas aqui dentro — dei duas batidas na minha cabeça. — Aqui não tem nada, zero lembrança dela.
— Ainda assim, você é um i****a. Deveria ter se colocado no lugar dela — ela falou e saiu, sem me dar direito de respondê-la.
— Agora só nos resta torcer para conseguir recobrar toda a memória — o Enrico falou recostando a sua cabeça no encosto do sofá.
— Ela vai ficar na casa de vocês.
— E você?
— Eu estava decidido a ir para Grosseto, mas quero ficar por perto por conta do bebê, então vou ficar na casa que morava com ela.
— Eu vou te mandar a localização.
[...]
Eu e a Aurora tivemos alta ao mesmo tempo.
Ela foi embora com o Enrico e a Fiorella.
Eu estava prestes a entrar no carro com o motorista que trouxe a irmã dela, quando a Lúcia apareceu na minha frente.
— O que está fazendo aqui? — rosnei, com todo o ódio fervilhando dentro de mim.
— Já colocaram você contra mim? — Ela perguntou, com aquele cinismo tão característico dela.
— Não precisa. Você já faz isso muito bem — sorri, sarcástico. — EU QUERO VOCÊ LONGE DE MIM, DOS MEUS IRMÃOS, DA MINHA MULHER E DO MEU FILHO, ENTENDEU? — a essa altura, toda a paciência que eu já não tinha, havia se esvaído.
— Filho?
— Sim. Eu e a Aurora teremos um filho. Olha aqui, você passou ilesa por fechar os olhos para o que estava acontecendo com a Alice, mas eu não vou te poupar se você chegar perto da minha família.
— Você está me ameaçando? A sua própria mãe?
— Não é uma ameaça, é um aviso. Agora, vaza.
Virei as costas e entrei no carro. Não aguentaria passar mais um minuto perto daquela mulher.
O trecho da carta que a Alice me deixou, contando que a Lucia presenciou um dos momentos que aquele monstro deplorável fazia aquela atrocidade com ela, a certeza que a Alice tinha da Lúcia já saber do que acontecia naquela casa e mesmo assim se calou, me fizeram odiar essa mulher. Sem falar no pedido dessa maIdita para que a minha irmã não me contasse nada para que elas não perdessem a "boa vida" que tinham.
"Boa vida? A Alice estava vivendo o inferno na terra, e essa desgraçada vem falar de boa vida?"
"Minha vontade é matar essa escoria que se diz minha mãe."
Tudo poderia ter sido diferente, a Alice poderia está aqui comigo nesse momento, poderia ter conhecido os nossos irmãos, poderia conhecer o meu filho ou filha que está para nascer.
[...]
Cheguei endereço que o Enrico me mandou a localização.
Nunca me imaginei morando em uma casa com arquitetura colonial.
Desde que sai da casa da Lúcia, tenho morado em cabanas, quanto mais isoladas da cidade, melhor.
Na sala tinham alguns porta-retratos, a maioria de fotos minhas com a Aurora.
"Quando eu passei a gostar tanto de fotos?" Foi inevitável o pensamento.
"Uma coisa é inegável: ela é linda."
Subi para ver todos os cômodos.
O cheiro da Aurora, o mesmo cheiro que senti quando a peguei nos braços, estava em todo o quarto.
Mesmo sem ter lembranças da Aurora naquela casa, tudo me fazia lembrar ela.
A forma que ela abriu o seu coração naquela clínica ficou martelando na minha cabeça.
Dormi sentindo um vazio estranho, como se tivesse faltando algo.
Não consegui dormir mais do que três horas. Vi o dia clarear, me exercitei bem cedo, fiz um café da manhã e fui até o escritório.
Eu estava dando uma olhada no meu trabalho como hacker para o parlamento, quando escutei uma movimentação dentro da casa.