Chapter 04.

1848 Words
Palermo, Itália. Pérsia, 19 anos. — Meu Deus, Deméter vai matar a gente! — Petúnia estava nervosa. Eu não a julgaria. Eu também estava. Se tratando de desobedecer às ordens de minha mãe, todas nós ficávamos. Era meu aniversário. Minha décima nona primavera, e conforme cada um dos anos se passavam, Deméter parecia se tornar ainda mais rígida com a segurança, não só a minha, mas a de todas nós. Rosa costumava dizer que o ar tinha cheiro, e era por ele que se podia farejar mentiras e medos, eu dizia que era loucura, mas acho que conforme os anos foram passando, a falta de compreensão das atitudes de minha mãe se tornaram cada vez maiores, e querendo ou não, eu podia sentir o cheiro em torno dele e eu sabia que havia algo a mais, havia um cheiro peculiar que parecia intensificar toda vez que seus olhos se apertavam quando eu não conseguia entender suas ordens. Aquele cheiro de algo a mais escondido em algum lugar. A noite fria de Palermo se dava pelos ventos litorâneos, e as roupas que Rosa havia escolhido, não me escondiam do frio, e muito menos os arrepios de minha pele diante dos olhares avulsos nas ruas. — Não, Deméter não vai nos matar. Talvez ela faça das nossas vidas um inferno por alguns dias, mas nada que um pouco de bajulação não resolva. — Rosa ajeitou seu vestido colado no corpo. — Deméter vai saber que estivemos aqui — Petúnia insistiu. — Se reclama tanto, deveria ficar em casa — a ruiva reclamou. — Amanhã vão comentar da filha enjaulada de Deméter que estava nas orgias de Dionísio. Rosa parou no meio da rua com a mão na cintura, na beira do cais vazio, com seus olhos pintados, cerrados e impacientes com a insistência de Petúnia. — Hoje é o aniversário de 19 anos dela. — Suspirou firme. — Deméter a mantém trancada naquele putei… — Jardim do Éden. — Azalea, a mais nova das meninas me abraçou pelos ombros, dando um beijo suave em minhas bochechas enquanto retificava o que eu sabia exatamente que Rosa incitaria a dizer. — É, no Éden — a ruiva concordou. — Além do mais, Pérsia sabe que vai estar encrencada quando sua mãe descobrir que saímos escondidas com ela, e se ela própria não se importa de ser punida, quem somos nós pra falar por ela? Afinal, alguém, senão Deméter, precisa ajudá-la nas escolhas erradas da vida. — Faz parte — Azalea murmurou. — O que seria da vida sem alguns caminhos m*l escolhidos? Eu puxei os cabelos para as costas tentando tirá-los dos pelos dos meus cílios cheios de tinta para alongá-los. — Precisava disso tudo? — eu perguntei, me referindo à roupa e à maquiagem. Eu de fato estava linda, mas acho que a falta de costume fazia tudo se tornar esquisito e incômodo. — Ah, florzinha! Quando te vi pela primeira vez, entendi o porquê de Deméter te esconder. — Rosa riu. — Se você trabalhasse como nós, ficaria com todos os clientes, e se fosse tão livre quanto uma mulher normal, haveria uma fila de homens por você. — Ela rodopiava na rua, enquanto o vento marítimo agitava seus cabelos de fogo no meio da escuridão da rua que lampejavam pouca iluminação pelos poucos postes. — Vocês também são lindas. — Eu devolvi o elogio. — Uma mulher quando descobre do poder que tem, se torna mais poderosa do que qualquer homem. E você ainda vai descobrir o seu, Pérsia. — Azalea era dois anos mais velha que eu, seus cabelos loiros e curtos davam uma certa luminosidade em seu rosto. Acho que melhor do que a maioria das meninas, ela era a que melhor se comunicava entre as outras e seu poder de persuasão era sem igual. — Estou nervosa. — Eu não estava mentindo, pois mesmo diante do frio, minhas mãos suavam e meus dedos tremiam. — É normal pra quem nunca saiu de casa pra brincar — Rosa proferiu, abraçando Petúnia por trás da sua cintura enquanto caminhava. — Vai estrear em grande estilo. Não é qualquer um que é convidado para as festas de Dionísio. — Azalea apertou mais os meus ombros em uma tentativa de afastar a friagem. Dionísio não era um homem qualquer. Ele era o dono das maiores e mais famosas vinícolas de toda a Itália, que ficavam na Sicília. Suas festas regadas a esbórnia, vinho e mulheres eram muito famosas, e embora muitas pessoas quisessem ser convidadas, ele se limitava apenas aquelas que diziam trabalhar por baixo dos panos italianos. As revistas especulavam que havia muito mais do que apenas sensualidade e mulheres em suas festas, especulava que havia muito mais do que uvas e álcool em seus vinhos, mas acredito que nem mesmo os que estavam lá poderiam dizer. O que quer que tivesse lá, os faziam voltar para o próximo fim de semana já que as confraternizações aconteciam semanalmente. Era disso que Dionísio vivia, de festas e vinho. — Encontre uma boca para aquecê-la — Rosa me aconselhou. — Mas fique longe das salas secretas, elas não são pra você, Pérsia. Ao menos, não agora. — Sala secreta? — perguntei. — São as salas que ficam fora do salão principal. As salas secretas são onde as coisas acontecem de forma mais… perigosa. — Petúnia riu. — Vocês sempre vem à essas festas? Rosa tornou a me encarar novamente, ajeitando seus fios vermelhos bagunçados pelo vento. — Quase sempre — a ruiva pontuou —, mas a sua será a primeira e última. — Paramos diante de uma pequena porta, diferente da entrada magistral que eu achei que nos aguardava, um homem alto, de terno preto e justo, nos olhou de cima a baixo, Rosa deu nosso nome e ele liberou a entrada retirando seu enorme corpo da única passagem para o lado interno. O final do corredor dava exatamente em um elevador espaçoso, com um enorme espelho em seu fundo de aço. — Preparada? — Para o quê? — Meu coração estava concentrado apenas no que meus olhos poderiam ver a partir dali. — Para a jaula dos leões, Pérsia. Foram exatamente oito andares acima, de forma lenta, que eu pude sentir cada um deles sobre a minha cabeça à medida que a música ia se tornando mais presente entre cada uma de nós. Rosa foi a primeira a me olhar com um sorriso no rosto quando as portas do elevador se abriram. Ela jogou os cabelos pelos ombros nus, deu alguns tapinhas sobre seus lábios para tirar o excesso de gloss e lançou-me um beijo de despedida, andando para fora junto de Petúnia. — Vejo vocês no fim da noite — a ruiva quase sussurrou ao sumir de nossa vista. Azalea foi a única que não saiu de meu lado quando não dei um passo sequer para fora da caixa de aço. — Não vamos ficar todas juntas? A loira riu, apertando seu brinco de pérolas na orelha. — Você queria liberdade, Pérsia, então vai ter um pouco dela por uma noite inteira — ela me prometeu e eu me enchi de fôlego e alegria. — Para onde devo ir? Ela pegou minha mão. — Pra onde você quiser. — Saímos do elevador. — Vou apresentar o salão pra você primeiro. — Eu respirei fundo e como se uma chuva de luzes fortes tivessem sido jogadas diante de meus olhos. Passamos pelo arco de folhas sobre o porcelanato do salão, com um cheiro tão doce que retorcia meu estômago, estranhamente, parecia ter um copo de vinho diante do meu nariz, mesmo que o garçom tivesse acabado de me oferecer uma taça de champagne, na qual eu não hesitei em aceitar. Deméter me oferecia taças de vinho quando estávamos todas nos jardins de casa fazendo nossas comemorações, então eu conhecia o gosto, o cheiro e a textura muito bem, mas champagne fora a primeira vez. Tinha um gosto doce, refrescante e talvez um pouco frutado. Eu gostei. — Isso é… bom — eu murmurei para Azalea que me encarava por minhas expressões fiéis de uma nova bebida alcoólica adicionada ao meu cardápio favorito de bebidas. — Mas não se engane, nem todos os champagnes são bons — ela me advertiu. — Afrodite está aqui — ela murmurou, sorrindo com seu olhar longe. Quando a segui para ver o que chamava sua atenção, encontrei Afrodite em seu vestido de alças soltas extremamente decotado até o umbigo, o tecido de camurça vermelho ia até suas coxas em banhadas a óleo, revelando o brilho exagerado de sua pele rosada. Ela, de fato, era linda. Seus cabelos eram tão dourados como linho de ouro ou feno, mesmo que ela fosse mais velha, sua idade parecia não condizer com sua aparência. Hefesto estava ao seu lado, com suas mãos grandes e pesadas que passeavam sobre o corpo dela, mas ainda que o casal estivesse em impecável entrosamento, não impedia Afrodite de olhar para o outro lado do salão, onde sua atenção repousava sem pausa. Era um menino mais novo, que alisava seu peito na tentativa desesperada de atrair muito mais do que o olhar de uma das mulheres mais desejadas e belas da Itália. — Ela é mais linda pessoalmente — elogiei. Azalea levou um pouco de sua bebida aos lábios, limpando com a língua o líquido sobre seu batom. Ela olhou para um lugar mais distante. — Está vendo aquele lá? É o mais velho dos três maiores irmãos da Itália. — Aquilo desencadeou mais coisas do que eu poderia descrever. Aquele sentimento de nostalgia, o cão no meio do nevoeiro e principalmente, aquela silhueta em que pouco consegui enxergar. Ela apontou para um homem de blusa branca, que aparentava ter mais de 35 anos, um corpo grande, rodeado de mulheres que lhe sorriam admiradas enquanto ele virava toda sua bebida nos lábios, logo depois, exibindo seus dentes em um sorriso formidável. — Aquele é Pedro, dizem que ele é o dono de toda Veneza. É o filho mais velho de Christian Romano. Ele controla os portos, tudo o que sai e tudo o que entra. — Azalea diminuiu o tom de voz a cada vez que olhava pra ele. Seus olhos castanhos rolaram pelo salão, percebendo depois de um tempo que atraíamos alguns pares de olhos curiosos. — Aquele é… Zyon. O mais novo dos três. — Ela fez uma pausa dramática. — O mais egocêntrico de todos eles. Ele realmente acha que é um deus, e pelo que falam, ele é dono de Milão. Tem incontáveis esposas e, mesmo assim, nunca é o bastante. Ele está sempre levando mulheres para sua mansão. Já foi acusado de estupro, assédio e… muitas coisas. — Bebeu o restante do líquido de sua taça. — Fique longe dele, se ele olhar pra você, corte o contato. — Camélia havia dito que o segundo irmão mais velho era o pior deles. Se o mais novo havia sido acusado de estupro, o que era o segundo irmão mais velho, denominado por ela como o pior de todos eles?
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