Arcanjo Narrando
A noite tava densa, cheia de um silêncio que só era quebrado pelo som de funk distante e os passos rápidos dos muleques no corre. Eu tinha acabado de sair da casa do Guga, mas minha cabeça tava longe, longe demais pra dormir. Cheguei na minha e fui logo tacando fogo no baseado. Traguei fundo, deixando a fumaça encher meus pulmões enquanto tentava montar um quebra-cabeça que nem eu sabia se valia a pena.
Lívia. Só o nome já me fazia perder o rumo. Aquela mina mexeu comigo de um jeito que eu não sabia explicar. Peguei o celular e comecei a fuxicar tudo o que dava sobre ela. Só que, p***a, a mulher era esperta, não deixava rastros. O i********: dela era fechado, sem foto que entregasse muito. A única coisa que dava pra ver era a loja dela, cheia de roupa que eu nem sabia pra que lado vestia. Entrei no site, fiquei lá, olhando os modelitos e imaginando ela dentro de cada um. Que loucura. “c*****o, tô obcecado nessa mina”, murmurei, soltando a fumaça devagar.
A noite passou arrastada, e o dia começou a clarear. Decidi que ia dar o bote de novo. Se a Lívia tava difícil de achar, eu ia atrás da Letícia, amiga dela. Sabia que a mina tava na casa do Guga, então era pra lá que eu ia.
Bati na porta do Guga antes das sete. Ele demorou pra abrir e, quando apareceu, tava só de cueca, com cara de sono e uma carranca que dava até medo.
— Coé, Arcanjo? Tá tendo invasão no morro, p***a? — reclamou, coçando a barriga e me olhando como se eu fosse doido.
— Cala a boca, viado. — Passei por ele sem cerimônia, empurrando a porta. — Cadê a Letícia? Chama ela aí. Preciso trocar ideia com essa mina.
Guga bufou, fechando a porta enquanto me seguia.
— Tá maluco, mano? Tu acordou cedo só pra isso?
— p***a, tu acha que eu tô aqui pra tomar café contigo? Vai logo, chama a p***a da Letícia.
Ele revirou os olhos e gritou pela mina.
— Amor, o Arcanjo tá aqui. Se não descer, ele vai fazer plantão na sala!
Enquanto esperávamos, ele se jogou no sofá, ainda irritado.
— Qual foi, Arcanjo? Tá assim por quê?
— Porque eu tô, p***a! — acendi outro baseado, tentando me acalmar. — Tô com um bagulho na cabeça e só ela pode me ajudar.
Logo depois, Letícia desceu, ainda de pijama e com cara de quem não entendia nada.
— Arcanjo? O que foi agora? Tu sabe que horas são?
— Sei, p***a, sei. Mas o papo é reto, Letícia. Tu precisa me apresentar a tua amiga, a Lívia. Preciso trocar ideia com essa mina.
Ela cruzou os braços e me olhou como se eu fosse um ET.
— Tá de s*******m, né? Que ideia é essa agora?
— Não é ideia, é necessidade. — Soltei a fumaça e dei um passo na direção dela. — Aquela mina... sei lá, não sai da minha cabeça.
Guga riu alto do outro lado da sala.
— Olha só, o Arcanjo apaixonadinho! Que p***a é essa, mano? Tá todo bobo por uma mina?
— Cala a boca, Guga! — rosnei, apontando o baseado pra ele. — Não é paixão, é... é curiosidade.
Letícia suspirou, ainda desconfiada.
— Tá, mas e aí? Tu quer que eu faça o quê? Que eu fale pra Lívia que tem um maluco doido atrás dela?
— Não, c*****o! — revirei os olhos. — Só fala que tem um amigo teu que quer conhecer ela. Não precisa entrar em detalhe.
— Tu acha que ela vai cair nessa, Arcanjo? — Ela me encarou, cética. — A Lívia não é dessas meninas aqui do morro não cara
— Quem disse que eu quero impressionar? — sorri, confiante. — Só quero a oportunidade. O resto é comigo. Eu tenho lábia Leticia, bandido tem lábia po, não é atoa que tu caiu na labio do guga po.
Depois de mais alguns minutos de debate, Letícia finalmente cedeu.
— Tá bom, vou ver o que posso fazer. Mas não garanto nada. A Loira ali não suporta bandido, ela morre de medo e não suporta nem tocar no assunto
— É isso, p***a! Sabia que podia contar contigo. — Dei um tapinha no ombro dela antes de sair pela porta.
Enquanto caminhava de volta pra minha casa, o sol já alto no céu, me peguei pensando em tudo aquilo. Tava jogando alto, mas era assim que eu gostava. Lívia era diferente de qualquer outra mina que eu tinha conhecido, e eu tava disposto a apostar tudo pra chegar nela.
Ao chegar em casa, larguei o corpo no sofá e fiquei encarando o teto. O cheiro da rua ainda tava em mim, misturado com o da erva que eu acendi de novo. A mente rodava, cheia de planos e possibilidades. Uma coisa era certa: aquela mulher não ia sair da minha cabeça tão cedo.
E eu não ia descansar até entender o que ela tinha que me deixava assim. Eu fiquei encarando o teto, tentando montar um plano.
— Qual foi, Arcanjo, vai mandar o quê? “Oi, sou o Arcanjo, mas não liga pros boatos, só vendi uns bagulhos na favela?” — murmurei, dando risada sozinho. É óbvio que não, p***a.
Levantei de um pulo, comecei a andar pela sala, falando comigo mesmo, como se ela já estivesse ali na minha frente.
— “E aí, Lívia, beleza? Te vi por aí e achei que podia trocar uma ideia contigo. Curti teu estilo.” — Parei, fazendo cara feia. — Não, tá genérico demais. Papo de babaca.
Mudei o tom, tentando outro caminho.
— “Então, Lívia... ouvi falar da tua loja, achei da hora. Tu tem um bom gosto pra c*****o, sabia?” — Dei um sorriso de canto, mas depois revirei os olhos. — Não, tá forçado por que é loja de mulher. p**a que pariu, mano!
Me joguei no sofá de novo, com as mãos no rosto, rindo da situação. Nunca tinha passado por essa merda antes. Todas as outras minas vinham fácil. Uma piscada no baile, um sorriso na viela, e já tava resolvido. Mas com a Lívia? A parada era diferente. Ela não era do meu mundo. E se ela soubesse da real, era certeza que ia dar o pé.
— Tá, foco, c*****o. Não posso inventar muito também, senão a mina vai sacar que tem treta. — Peguei o celular, abri o site da loja dela de novo. Olhei os vestidos, os blazers, as fotos chiques das modelos. — Essa mina é do outro lado do muro, Arcanjo. Tu vai ter que ser ligeiro.
Fiquei ensaiando por horas, testando frases, trejeitos, até gestos. Não podia parecer que eu era só mais um moleque do morro querendo papo. Tinha que chegar com postura, mas sem parecer playboy, porque aí ia ser pior ainda.
No meio da tarde, saí pra dar um rolé pelo morro. Passei na casa do FP, um dos moleques que sempre andava comigo. Ele tava na varanda, com uma Brahma na mão e o som tocando alto.
— Coé, Arcanjo? Qual é o papo de hoje? — ele perguntou, dando aquele sorriso malandro.
— O papo é que eu tô numa missão, mano. Preciso conquistar uma mina que não pode nem desconfiar que eu sou traficante.
Ele quase cuspiu a cerveja de tanto rir.
— Tá de s*******m! Tu, o Arcanjo, o dono da p***a toda, agora tá aí treinando fala pra mulher?
— Fala baixo, ô desgraça! — Dei um tapa na cabeça dele. — E é isso mesmo. Tu acha que essa mina vai querer papo com um cara da favela? Nem fudendo.
— Mas aí, tu vai mentir pra ela, então? — ele perguntou, mais sério agora.
— Não é mentir, p***a. É... omitir umas paradas. Tipo, não preciso falar tudo logo de cara, tá ligado?
Ele ficou me olhando, pensativo, depois deu um gole na cerveja.
— Tá, mas qual é o plano? Tu vai se passar por quê? Empresário?
— Sei lá, mano. Tava pensando em falar que eu trabalho com eventos, sabe? Tipo organizar umas festas, uns shows. Isso é perto da real e ainda soa maneiro.
— Hm... até que não é r**m. Mas cuidado, hein? Se ela descobrir, vai ser do c*****o.
Ri, mas no fundo sabia que ele tava certo. Se a Lívia descobrisse a real antes de eu ganhar a confiança dela, era game over.
Voltei pra casa com a ideia martelando na cabeça. Agora eu precisava treinar como ia me portar. Liguei o som, botei um rap pra tocar e fiquei na frente do espelho, ajustando a postura, arrumando o boné, testando olhares.
— Fala sério, Arcanjo... tu tá aí parecendo um moleque de escola treinando pra falar com crush. — ri sozinho, mas continuei.
Cada frase que eu testava parecia ou boba demais, ou séria demais. No fim das contas, só tinha uma coisa que eu sabia: quando eu encontrasse a Lívia, eu tinha que ser firme, mas sem forçar. Tinha que ser eu, mas uma versão de mim que ela pudesse aceitar.
E se ela me desse uma chance, porra... aí o jogo ia virar. Porque o Arcanjo nunca deixava passar uma oportunidade.
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