continuação..
Alvaro Narrando
Fiquei em silêncio por um momento, pensando. Enquanto a maioria das pessoas ao meu redor só falava de viagens internacionais, jantares caríssimos, ela tava feliz com um chope gelado num bar simples e um pagodinho. Era refrescante.
— Sabe que eu nunca fui num bar desses com música ao vivo? — confessei. — Sempre acabo em restaurante chic, evento empresarial, coisa formal. Tô perdendo algo?
Ela sorriu grande, os olhos brilhando.
— Tá perdendo muito! É uma delícia. Música ao vivo, gente rindo, compartilhando mesa, batendo papo sem frescura. É outra vibe, sabe? Tu esquece da vida, relaxa.
— c*****o, acho que tô precisando disso. — soltei, meio sem pensar. Ela riu do meu palavrão, e eu me liguei de que nem costumo falar assim perto do pessoal da empresa. Mas ela não pareceu se ofender, só achou graça.
— Seria engraçado te ver num lugar desses, seu Álvaro. Acho que a galera nem ia acreditar. Iam pensar que você é um sósia.
— Talvez eu devesse tentar. — brinquei, e a campainha da recepção soou. — Deve ser o nosso petisco. Vou lá buscar.
Fui até a porta pegar o pedido e voltei com um saco de papel cheirando a fritura e tempero. Ela já tinha empurrado o teclado pro lado, liberando espaço na mesa de reuniões do canto. Servi uns bolinhos de carne, uns pasteizinhos e duas latas de refrigerante.
— Toma, espero que goste. — ofereci a ela.
— Sério, seu Álvaro, muito obrigada. Não precisava, mas adorei a ideia. — ela pegou um bolinho e mordeu com prazer. — Tá uma delícia!
Me sentei ao lado dela, experimentando um pastelzinho. Realmente gostoso. Ficamos ali, mastigando, trocando umas ideias sobre a vida, o trabalho, contando umas histórias engraçadas do escritório. Ela me falou de um cliente que um dia pediu pra ligar pra 50 fornecedores diferentes, e no fim não quis fechar com nenhum. Eu contei do dia que um investidor veio de terno branco e tropeçou no tapete, derrubando café na roupa.
Aos poucos, fui me sentindo mais próximo, como se conhecesse ela há muito tempo. A diferença de classe, de rotina, tudo sumia. Era só eu e ela, duas pessoas dividindo comida e papo. A noite avançava, mas eu não tinha pressa. O relatório dela já tava quase pronto, e ela ainda ia encarar um busão lotado pra chegar em casa. Pensei em oferecer carona, mas temi parecer invasivo.
— Você vai mesmo pegar ônibus agora? — perguntei, preocupado. — Tá tarde.
— Tenho que pegar, né? — ela deu de ombros. — Assim é a vida. Mas pode ficar tranquilo que amanhã cedo eu estou aqui no mesmo horário de todos os dias.
— Gosto dessa tua forma de ver a vida. — falei, sincero. — Você faz as coisas com honestidade, sem reclamar. E olha que não deve ser fácil.
Ela deu um sorrisinho tímido.
— Se a gente ficar reclamando muito, a vida não anda. Tem que encarar, fazer o melhor e aproveitar o que dá. Tipo esse momento, comendo uns bolinhos com meu chefe, trocando ideia boa. Eu nunca imaginei isso.
— Eu também não. — admiti, rindo. — Mas que bom que aconteceu. Você me lembrou que a vida simples pode ser mais verdadeira que muita ostentação por aí.
— Fico feliz, seu Álvaro. — ela olhou pro relógio. — Acho que terminei o relatório, quase tudo pronto. Amanhã eu só dou uma revisada final.
— Tá ótimo. — levantei, recolhendo as latas vazias. — Vamos descer? Eu vou sair agora também, te acompanho até a porta.
Ela assentiu, guardando o pen drive no bolso, pegando a bolsa que usava pra trabalhar. Fomos lado a lado pelo corredor vazio, as luzes apagadas. Um silêncio confortável se instalou, sem aquela tensão de chefe e funcionária. Parecia mais amizade, respeito mútuo.
— Obrigada pela noite. — ela disse, enquanto entrávamos no elevador. — Foi inesperado, mas bem agradável.
— Eu que agradeço. Você me mostrou um lado da vida que eu andava esquecendo. — respondi, olhando pro andar acender no painel.
Chegando no térreo, abri a porta pra ela. Lá fora, a cidade ainda pulsava, faróis de carro, gente apressada na calçada. Ofereci carona, mais uma vez hesitando.
— Quer que eu chame um carro de app pra você? p**o aqui, sem problema.
Ela negou com a cabeça, gentil.
— Nada disso! Eu vou de busão. Não quero dar trabalho. Mas obrigada mesmo, seu Álvaro.
— Então boa noite, se cuida, viu?
— Pode deixar. Até amanhã. — ela deu um sorriso e se afastou
Fiquei parado alguns segundos olhando ela partir. Senti um calor no peito, um misto de respeito e interesse. Ela era diferente de tudo que eu conhecia, e isso me atraía. p***a, que surpresa boa a vida me trouxe. Voltei pro elevador e fui pegando me carro na garagem da empresa.