24. Alessandra

1504 Words
Alessandra Narrando Meu nome é Alessandra, 45 anos, mulher nascida e criada no subúrbio do Rio. Não tenho frescura, não sou de ficar esperando a vida cair no meu colo. Sempre fui assim, meio caxias, meio certinha, mas não aquela chata sabe? Só gosto de fazer as coisas direito. Acho que foi isso que me fez chegar onde cheguei na empresa, mesmo sem nenhum sobrenome de peso, sem conhecer gente importante. Moro sozinha num apartamento simples, pequeno, mas arrumadinho, que comprei depois de muito economizar. Sou do tipo que guarda dinheiro na poupança, que faz planilha de gastos, pra não perder o controle. Não sou rica, nem tô perto disso, mas tenho tudo o que preciso. Minha cama confortável, um fogãozinho que me ajuda a inventar uns rangos gostosos, TV pra assistir minha novelinha e um sofá que me acolhe quando chego cansada do trampo. Dali dá pra ver a janela de outros prédios simples, gente na labuta, a vida real rolando. Gosto dessa vibe. Me lembra de onde vim e do que conquistei. Trabalho desde cedo, acho que desde os 16. Já passei por cada perrengue! Já fui vendedora em loja de bairro, já servi café em escritório, já segurei call center com voz de moça paciente – quando na real minha vontade era mandar uns clientes chatos pra p**a que los pariu. Mas sempre me mantive firme. Sou estudiosa, terminei o segundo grau, fiz uns cursos técnicos, uns cursinhos livres pra aprender Word, Excel, e me dei bem com isso. Cada diploma, cada certificado, eu guardava com orgulho. Não pra esfregar na cara de ninguém, mas pra me lembrar que eu podia mais. Dessa dedicação veio a chance de trabalhar na empresa do seu Álvaro, um empresário poderoso, dono de um império que eu ouvia falar desde que era piveta. Entrei lá no administrativo, humilde, só atendendo telefone e cuidando de planilhas básicas. Mas fiz meu nome, conquistando a confiança do pessoal. Sou aquele tipo de funcionária que o chefe adora porque não precisa pedir nada duas vezes, e a equipe curte porque eu sou parceira, ajudo quem tá perdido, dou dicas, ensino o que sei. Não sou de panelinha, não olho pra ninguém de cima. Sempre andei na linha, sem fazer fofoca, sem invejar o outro. Isso abriu espaço pra eu crescer. Há algumas semanas, pintou a vaga de secretária pessoal do Álvaro. A antiga secretária saiu pra ir morar fora do país, e a gerência precisava de alguém de confiança pra assumir o posto. Cara, quando me chamaram, quase não acreditei. Eu? Secretária do dono da p***a toda? Pensei que fosse piada. Mas o gerente me garantiu que era sério. Disseram que meu nome surgiu porque eu era empenhada, honesta, comprometida. Aceitei na hora, lógico. Uma oportunidade dessas não rola todo dia. É verdade que, até então, seu Álvaro nunca tinha me dado muita bola. Ele é o tipo de homem poderoso, milionário, cheio de compromissos, vive em reuniões e jantares de alto nível. m*l aparecia no administrativo. A comunicação com ele era sempre por telefone, e quando vinha à empresa, passava direto, trancado na sala dele, falando com diretores e gente de alto escalão. Eu ficava lá no canto, anotando tudo, atendendo ligações, organizando a agenda. Não vou mentir: no começo senti um frio na barriga. “Será que vou dar conta?” pensei. Mas respirei fundo e encarei. A vida que levo é simples. Acordo cedo, tipo umas 5:30 da manhã, pra pegar o ônibus. Demoro quase uma hora e meia pra chegar na empresa. Mas não reclamo, faz parte. No ônibus eu leio, escuto música, observo as pessoas, penso na vida. Às vezes, já vou mentalizando as tarefas do dia. Gosto de chegar com tudo planejado, já sabendo que relatório tenho que entregar, que reunião tenho que agendar. Não gosto de improviso, sou metódica mesmo. O salário é muito bom, é o melhor do que eu já ganhei antes. Consigo pagar minhas contas, guardar um troco, e de vez em quando me dar um presentinho, tipo um jantar fora ou comprar um vestido novo. Não sou de luxos exagerados, mas curto um agrado pra mim mesma, afinal ninguém é de ferro. Aos 45 anos, já passei da fase de querer impressionar todo mundo. Tô numa idade que sei o que quero. Não tenho filho, não casei, e não tenho peso na consciência por isso. Foi escolha minha, sabe? Focar na carreira, ter minha independência. Rolou uns namoros, mas nada que fosse além. E tô bem com isso. Se um dia aparecer alguém maneiro, legal. Senão, continuo do meu jeito, tranquila. Na empresa, o pessoal me respeita. Não sou chefe, mas tenho moral. Se o gerente precisa de algo, sabe que pode contar comigo. As meninas do RH me pedem ajuda com relatórios, o pessoal do financeiro sempre elogia minha organização. Sou prestativa, se vejo alguém enroscado com uma planilha, vou lá e ajudo. Não sou do tipo que guarda o segredo do Excel só pra se sentir superior. Quanto mais a equipe cresce, melhor pra todo mundo. Eu me orgulhava disso, mas faltava uma coisa: criar uma ponte de confiança direta com seu Álvaro. Não pra bajular, mas pra mostrar que eu era mais que uma voz ao telefone. Sabia que ele era um homem atarefado, cercado de gente querendo arrancar algo dele. Eu não queria nada além de trabalhar direito e ser reconhecida. Só que o destino sabe ser doido. Outro dia, nem acredito, terminando um relatório tarde da noite, quem aparece? Ele mesmo. Seu Álvaro. Nunca imaginei que o homem fosse ficar ali, conversando comigo, pedindo uns petiscos, me oferecendo pra comer junto. Foi bizarro e, ao mesmo tempo, incrível. Fiquei meio sem graça, mas gostei da situação. Ele parecia interessado no meu ponto de vista. Não tava falando de dinheiro, de viagem internacional, mas sim da minha rotina, do busão que pego todo dia, dos meus gostos simples. Ele riu quando contei do meu bairro, do botequinho com pagode que curto de vez em quando. Disse que precisava viver algo assim, que tava preso num mundinho de luxo e ostentação que já não fazia sentido. Isso me deixou ainda mais à vontade. c*****o, o patrão, o dono do império, achando graça das minhas histórias simples. Me senti valorizada, não como empregada, mas como pessoa. Aquela noite, fiquei pensando: será que é a primeira vez que ele escuta alguém falar tão abertamente de uma vida sem glamour? Talvez sim. E isso o impactou. Mas não me iludo. Ele é meu chefe, e minha realidade não muda: continuo acordando cedo, pegando busão, fazendo o meu. Só que agora sinto que minha presença na empresa ganhou um novo peso. Não sou mais a invisível, a que só responde “sim, senhor” e “não, senhor”. Agora ele sabe meu nome, meu jeito, um pouco da minha história. Isso pode ser útil, sim, mas também pode ser só um momento passageiro. Não vou criar expectativa. A verdade é que eu tô feliz do meu jeito. Conquistei minhas coisas na raça, sem depender de ninguém. Se surgir algo mais, seja uma promoção, um projeto, ou até mesmo uma amizade inusitada com o patrão, eu tô aberta. Mas não vou mudar quem eu sou pra agradar. Se ele gostou de mim assim, pé no chão, ótimo. Se não, paciência. Eu não pretendo virar patricinha ou negar minhas raízes. Trabalho é trabalho, e eu amo trabalhar. Às vezes penso em fazer uma faculdade, mesmo com 45 anos. Por que não? Nunca é tarde pra aprender mais. Talvez gestão de negócios, talvez algo na área de logística, sei lá. Sigo sonhando com novos passos. Sonhos movem a gente, e eu não tenho vergonha de sonhar, de planejar. O pessoal no escritório gosta de mim, sinto isso no clima. O dia que fiquei até tarde, no outro dia vieram perguntar se eu dormi bem, se precisava de ajuda. Sou do tipo que recebe elogio sincero. A galera fala “Nossa, Alessandra, se não fosse você, o chefe não ia ter aquela planilha pronta”. Essas coisas me fazem sorrir e dão motivo pra continuar nesse corre. Nunca precisei passar por cima de ninguém pra chegar aqui. Vou no meu ritmo, com honestidade e boa vontade. E isso já me deu muito mais do que imaginei. Hoje sou a secretária do dono da empresa, o que por si só já é um degrau enorme. Tô confortável, bem resolvida. Acho que é isso que me define: pé no chão, cabeça erguida, e um sorriso sempre pronto. Nunca fui de ostentação, nem de ficar chorando miséria. Sou daquelas que olha a vida com leveza, entende as dificuldades e faz o melhor possível. E é assim que pretendo seguir, seja convivendo com gente importante, seja dando força pros colegas, seja apenas voltando pra casa depois de um dia longo, com a consciência limpa e a certeza de que tô vivendo do meu jeito, e isso pra mim é o maior luxo que existe.

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