Lívia narrando
O movimento na loja tava daquele jeito: gente entrando, saindo, experimentando roupa, sacola indo pra lá e pra cá. A música ambiente era até gostosa, mas depois de horas parecia que o mesmo beat ficava repetindo na minha cabeça. Quando deu uma brecha, me joguei no sofá do provador e chamei as meninas. Precisava desanuviar.
— Eai meninas, tá todo mundo trabalhando igual condenada, vambora organizar alguma coisa pra desestressar! — falei, esticando as pernas.
Letícia, que sempre tinha uma opinião pronta, veio com o maior sorriso.
— Amiga, já é! Final de ano tá aí, e a gente merece. Essa equipe arrebenta. Passou da hora de fazer um festão pra comemorar as metas.
— Só se for mesmo! — completou Raquel, outra vendedora. Ela tava dobrando umas peças, mas largou tudo pra entrar na conversa. — Só esse mês a gente vendeu como se o shopping fosse fechar pra sempre.
A galera começou a se animar. Até a cliente que tava no caixa deu uma risadinha quando ouviu a ideia.
— Tá, mas onde vai ser isso? — perguntei, já me imaginando tendo que organizar mais uma coisa. — Porque se depender de vocês, eu vou ter que bancar tudo, né?
Letícia virou os olhos, teatral como sempre.
— Logico, nossa patroa é você e outra coisa, a gente merece e você sabe muito bem. É só a gente achar um lugar bacana. Tá um calor do c*****o, não vai rolar nada em ambiente fechado.
— Vai dizer que tu prefere botar a gente numa laje? — zoei, gargalhando.
Raquel entrou na onda.
— Que laje, garota! A gente tá falando de festa, estilo, glamour... e, se pá, até piscina.
— Piscina? — franzi a testa, rindo. — Vocês querem o quê? Alugar um hotel agora?
— Não, melhor ainda. — Letícia parou, fazendo suspense. — Uma lancha! Varias fotos de biquini com meu silicone, oh, gostosa de garota amor
A loja inteira explodiu de risada. Até a cliente no caixa não se aguentou. Eu tava chorando de rir, quase caindo do sofá.
— Vocês tão de s*******m, né? É sério que eu vou ter que alugar uma lancha pra esse bando de louca?
Raquel tava com as mãos na cintura, já se achando.
— Ué, Lívia, não foi você que disse que queria uma festa f**a? Então, pronto. Lancha é o básico.
— Básico pra quem, minha filha? Pra Anitta? — retruquei, ainda rindo.
Letícia levantou a mão, como se fosse dar a palavra final.
— Olha só, a gente faz o seguinte: cada uma ajuda com uma parte, tipo divisão de tarefa. Você cuida da lancha porque, né... chefe rica e poderosa. E a gente resolve o resto.
Fiquei olhando pra cara delas, incrédula.
— Vocês são um abuso, sabiam? Mas beleza, vou pensar no caso.
Aí começaram os papos de quem ia levar quem. Raquel tava toda animada falando do namorado.
— Ah, o Leozinho vai amar, certeza. Ele adora essas vibes de festa na água.
— Claro, né? Deve tá achando que vai aparecer num clipe de funk. — brinquei, revirando os olhos.
Letícia já entrou no embalo.
— Meu boy também vai. Certeza que ele vai querer pilotar a lancha, porque homem tem essa mania, né? Nem sabe, mas quer pagar de piloto.
As duas rindo, e eu só ouvindo. Foi quando Raquel virou pra mim, maliciosa.
— E aí, Lívia? Quem tu vai levar?
Suspirei, já sentindo o golpe vindo.
— Ninguém, né? Vou ficar segurando vela pra vocês, pelo visto.
A Letícia deu aquele grito exagerado que só ela sabe dar.
— Qual é, amiga! Não é possível que tu não tenha um bofe na manga.
— É, ué, tá solteira esse tempo todo por quê? Tá escolhendo demais? — provocou Raquel.
— Escolhendo demais nada! É que não aparece ninguém que preste, c*****o. Só uns caras com papo furado ou que acham que vão me impressionar com carrinho rebaixado e som alto.
Elas caíram na gargalhada.
— Ah, amiga, então tu tá andando nos lugares errados. Tem que vir comigo pra uns rolês. Tu vai ver só os gatos que aparecem.
— Gatos pra tu, né? Porque pra mim só vem os vira-lata. — brinquei, jogando a almofada do sofá nela.
— Ó, mas presta atenção. — Letícia mudou o tom, como se fosse dar um conselho sério. — Quando rolar essa festa, vou levar uns amigos do meu boy. Quem sabe um deles não te interessa?
— Que? Amigos do Guga? Aham Leticia, cala boca. Eu prefiro ficar na minha, tá ligado?
— Ah, tá bom, prefere nada. Só tá falando isso agora. Mas espera até tu ver um dos amigos dele tirando a camisa na lancha.
Eu revirei os olhos, rindo. Elas não largavam o osso. Mas no fundo eu sabia que elas só queriam me ver bem, e eu valorizava isso.
A conversa continuou, e aos poucos a ideia da festa foi tomando forma. Apesar de eu reclamar, já tava começando a pensar que seria divertido. Afinal, final de ano merecia um brinde diferente. E quem sabe, talvez, eu encontrasse alguém legalpelo menos pra da uns beijos, não mata né?
A conversa tava boa, e agora o papo já tinha mudado completamente. Era só o que faltava: elas já tavam imaginando as fotos que iam tirar na tal festa na lancha.
— Tá, mas vamos combinar. — Raquel levantou o dedo, como se fosse fazer uma declaração muito séria. — A gente tem que arrasar nos looks. Tô falando de biquíni, saída de praia, chapéu, óculos... o kit completo!
— Ih, lá vem ela! — brinquei, rindo. — Já tá pensando na estética do i********:.
— Óbvio, né? — respondeu, sem nem piscar. — Não vou perder a oportunidade de tirar foto pra postar. É lancha, p***a!
Letícia entrou na onda.
— Então já vou avisando: meu biquíni vai ser aquele fio-dental que o boy gosta. Quero ver geral babando.
— Credo, Letícia! — Raquel fingiu indignação, mas começou a rir. — Tá achando que é clipe de funk agora?
— Se for, eu sou a estrela. — Letícia piscou, cheia de confiança.
Eu só observava as duas, balançando a cabeça.
— Vocês são uma peça, sabia?
— E você, Lívia? — Raquel me cutucou. — Já tem biquíni em mente ou vai usar um desses que vende aqui na loja?
— Ah, me deixa, vai. Não tenho cabeça pra isso agora.
— Como assim? — Letícia cruzou os braços, como se tivesse ouvindo uma blasfêmia. — Tá dizendo que vai pra uma festa na lancha e não vai pensar no look?
— Sei lá, gente. Qualquer coisa tá bom.
As duas quase morreram de desgosto.
— Lívia, pelo amor de Deus! Ela ja é acostumadas a esse tipo de rolê, por isso nem fica tão feliz Leticia — Raquel jogou as mãos pro alto. — Paroa, a gente tá falando de uma oportunidade única. Tu tem que caprichar!
— Beleza, então. Depois vocês me ajudam a escolher.
— Isso aí. — Letícia bateu palmas, como se fosse a diretora de estilo. — E já aviso que a gente vai fazer um ensaio fotográfico digno.
— Ensaiado ainda? — perguntei, gargalhando.
— Claro, né? A gente combina as poses, a luz, o ângulo... tudo! — Letícia disse, toda empolgada. — Foto espontânea é só pra amador.
Raquel concordou.
— Verdade. E tem que ter aquela clássica: a gente no deck da lancha, com o marzão ao fundo, segurando uma taça de espumante.
— Vocês tão viajando. — Revirei os olhos, mas já tava começando a me imaginar na cena.
— Imagina só: o sol batendo no cabelo, aquele brilho na pele... — Letícia já tava quase sonhando acordada. — E, claro, com os boys ao fundo pra dar aquele toque especial.
— Ah, não. Já tão querendo me arrumar um par de qualquer jeito.
— Vai por mim, Lívia. Essa festa vai ser um divisor de águas na tua vida amorosa. — Letícia piscou, cheia de confiança.
Eu só conseguia rir delas. Mas, no fundo, tinha que admitir que a ideia de curtir uma festa diferente, com as meninas e talvez um bom drink, tava começando a me empolgar. Afinal, depois de tanto trabalho, a gente merecia.