Ao ler o conteúdo do envelope, descobri que tinha sim uma preferência, pois meus olhos marejaram e eu já me imagino com minha filha.
-É uma menina.-Digo.
Sam se levanta e vem ao meu lado. Coloca a mão na minha cintura e me faz ficar de frente para ele. As escolas de samba combinam inveja do meu coração agora. Sinto a primeira lágrima descer no meu rosto e Sam a limpa. Logo vem outras, pois Sam está chorando e isso me emocionou. Encosto a cabeça no peito e ele mexe nos meus cabelos.
-Vamos ter uma linda menina.-Ele diz no meu ouvido.
Eu sorrio.
Ouço um barulho de uma rolha saindo da garrafa e vejo Tiago com champanhe. Ele serve todos, menos eu e Laura.
Vou até a cozinha pegar um copo de água. Ouço um barulho vindo do lado de fora. Vou até a janela apreensiva e vejo uma sombra. Derrubo o copo no chão e fico imóvel.
-O que aconteceu? -Sam diz entrando na cozinha.
Ele olha para os cacos no chão e vê que estou olhando fixamente para uma janela. Vai até lá, olha, e vem até a mim. Segura meus braços com um olhar preocupado.
-Você está bem?
-Para! Eu só achei ter visto uma sombra.-Digo me abaixando e juntando os cacos.
-Deve ser uma cachorra. Levanta, vai lá pra sala, eu limpo isso.
Me levanto.
-Tem certeza?
-Claro, eu posso cuidar de alguns cacos.
Assinto e vou pra sala.
Logo Sam se junta a nós. Ficamos conversando e rindo de Sam. Andreia reclamava que não tinha sobremesa porque eu comi o brigadeiro do pavê e Tiago, nesse exato momento, está com duas bananas ainda com casca enfiadas na boca por tentar fazer a piada do pavê.
Saudade é a palavra certa para descrever o que eu sinto agora. Saudade desses momentos. Já pararam para pensar que saudade é uma palavra que em outras línguas, não tem o mesmo significado? Quando falamos ela em outra língua, parece ser uma simples palavra, agora no nosso belo português, saudade é uma palavra carregada de sentimentos e emoções. É tão forte quanto eu te amo e eu te odeio.
Eu acho que brasileiro é assim. Não fazemos nada sem colocar sentimentos no meio. Ou talvez isso seja universal. Quem sou eu para julgar?
-Eu e o Júnior cansamos, boa noite. -Laura diz.
-Quer que eu suba com você, amor?-Tiago pergunta.
-É um favor que você faz a todos nós. -Digo com um sorriso.
-E por esse comentário, eu vou ficar.-Tiago diz colando a b***a no sofá.
-Não vai, não. Não fiz esse filho sozinha e se ele não me deixa ficar até tarde, você não vai ficar.-Laura diz.
Sam sussurra "p*u mandando" alto o bastante para todos ouvirem. Caímos na gargalhada e Rafa fala que Sam é o maior "p*u mandado" que ele conhece, pois ele tem tanto medo de mim que faz as coisas antes mesmo de eu pedir.
Logo um a um vão ficando cansado e vamos dormir.
☆☆☆☆☆☆
-ISSO FOI FALTA!- Grito.
Os garotos e a Andreia estão jogando futebol. Kaio e Andreia são goleiros, Sam e Rafa estão no time da Andreia e Dan e Tiago no time do Kaio. Eu queria jogar, mas não deixaram por causa do bebê, então sou juíza. Agora, Sam empurrou Dan e ele caiu. Pintamos dois cartões, um vermelho e um amarelo para mim.
Levanto o cartão amarelo para Sam.
-Sério?-Ele grita.
-Mais sério impossível.
O jogo continua. Tá zero a zero. As garotas estão assistindo no meu lado nada satisfeitas de ficar no sol.
-Vai amorzinho! Faz um gol pra nós! -Laura grita e faz uma careta de dor. Desde que acordou, ela tem reclamado de dor nas costas por ter dormido de m*l jeito. Ela disse que Tiago dormiu atravessado na cama e ela acordou toda dolorida. Coitada, Tiago é muito displicente.
Estão no típico time com camisa e sem camisa. O time da Andreia, logicamente, é o com camisa. Sam ficou desapontado, eu sei o quanto ele gosta de exibir seu físico.
A bola está com Tiago. Ele está quase no gol, então Sam da carrinho nele e Tiago cai no chão.
-EI! -Grito levantando o cartão vermelho.
-Você está me expulsando?-Sam grita incrédulo.
-Não, tô vendo se você é daltônico, é aí, que cor é? -Falo.
Ele vem furioso na minha direção.
-Não pode me expulsar! O time vai ficar desigual!
Uma corridinha não vai me fazer m*l? Não é?
-Não vai não. -Entrego os cartões a ele e vou em direção aos garotos.
-Você vai jogar?-Ele grita atrás de mim.
-Não, vou fazer uma dancinha de cheerleader.
Entro em campo. A partida começa e Tiago sai com a bola. Corro atrás dele, mas Rafa é mais rápido e tira a bola dele. Marco o Dan, para que Rafa consiga chegar até Kaio, mas Tiago entra no meio e ele joga a bola pra mim. Corro como nunca corri. Kaio está a poucos metros de mim. Então vejo Lessi correndo na minha direção e chuto a bola pro gol sem ver nada antes que a c****a me atinja.
Lessi pula em cima de mim e graças a Dan, não caio no chão. Logo sinto braços suados me abraçando.
-Pelo amor de Deus! Sou claustrofóbica, podem parar!-Grito.
Não sou claustrofóbica, apenas queria uma desculpa para tirar todos os sovacos fedorentos de perto de mim.
Deu certo. Todos se afastam e percebo que "todos", eram apenas Sam e Rafa. Parece que fiz o gol.
-Quero ver vocês ganharem da gente com a Luna no nosso time!-Andreia grita a Tiago e Dan.
-É uma vergonha pra vocês, um r**o de saia joga melhor do que um bando de marmanjos. O milagre do time infelizmente não vai poder ficar, pois ele está grávido e com fome.-Falo me retirando.
-Fale por nós duas.-Laura diz.
Entramos e vamos atacar a geladeira. Achei um pote de azeitona e uma lata de leite condensado. Laura achou uma caixa de aveia e está comendo pura.
-Isso não vai fazer m*l?-Ela pergunta se referindo a azeitona e o leite condensado.
-Só tem um jeito de saber.-Digo enfiando tudo na boca.
Laura ri.
-Ja decidiu um nome?
Na verdade, eu gostei de um. O que Kaio escolheu. Acho que combina bem para ser filha de Luna Santiago e Samuel Reis.
-Aham. Mas não vou falar.
-Louquinha.-Ela diz rindo.
-Louca é você, eu nunca sairia de casa com meus nove meses de gravidez para uma casa de campo a 60 quilômetros da cidade.-Falo.
-Minha gravidez tá atrasada. Já completei todas as semanas, o médico disse que o Júnior pode vim daqui a duas semanas ou mais. Não estou preocupada, eu levo uma bolsa com coisas esterializadas pra todo lugar que vou.
-Eu estaria.-Digo.
Laura se levanta.
-Não é como se eu fosse ter o bebê...Agora.-Ela fala a última palavra se contraindo. Ela solta a caixa de aveia no chão ao mesmo tempo que sua bolsa estoura.
-Me ajuda! Estourou! A bolsa estorou!-Ela grita.
Largo tudo e pego seu braço. Tento acalma-la até chegar ao carro, mas ela não para de repetir o nome do Tiago e gritar de dor.
-Tiago! TIAGO!-Grito ao mesmo tempo que Tiago e Dan aparecem.
Assim que Tiago nos vê, ele entende tudo. Se vira pro Dan e diz alguma coisa e depois corre em nossa direção. Ele coloca Laura no carro e vai pro banco do motorista.
-Eu vou com vocês.-Digo sentando ao lado e Laura que está deitada no banco.
Tiago está suando e tremendo.
-O que está esperando? Da partida no carro!-Grito.
-Pedi ao Daniel algumas toalhas. -Ele diz.
Laura está ofegante ao meu lado e aperta minha mão.
Dan chega e me entrega as toalhas. Tiago dá a partida no carro e vamos em direção a cidade.
Na metade do caminho, Laura está vermelha.
-Ele está encaixado. Não vou aguentar. -Ela tenta dizer entre os gemidos.
Checo a dilatação de Laura. Eu nunca pensei que fosse um dia enfiar minha mão dentro da v****a de alguém, mas cá estou eu. Eu não faço a mínima ideia de quantos centímetros está dilatado, mas uma coisa tenho certeza, eu toquei na cabeça.
Meus olhos se encontram com os do Tiago no retrovisor e ele está assustado. Pior. Está aterrorizado. É o filho deles que está em jogo.
Tomo a decisão mais espontânea da minha vida.
-É o seguinte, não vai dar tempo, então se quiserem que esse bebê sobreviva, vão ter que confiar em mim e me passar as toalhas.-Digo.
-O que você vai fazer?-Tiago pergunta.
Respiro fundo. Laura está suando e quase quebrando minha mão.
-O parto do seu filho.-Digo.
-Não. Não mesmo.-Tiago diz apertando o acelerador.
-Eu confio em você.-Laura diz.
Eu a olho. Consigo ver nos seus olhos o quanto ela esta com medo, mas não com medo de mim, ela tem medo de perder o filho. Minhas mãos estão tremendo. Nesse último mês, vi mil vídeos de partos, sei que não é como fazer um parto, mas pelo menos sei os procedimentos.
-Não Laura! Vamos chegar lá. -Tiago diz exaltado.
Laura aperta ainda mais minha mão.
-DA A PORCARIA DAS TOALHAS E A BOLSA PRA LUNA OU VAMOS PERDER NOSSO FILHO!-Ela grita.
Fico sem reação. A vida dessa criança depende de mim. Tento manter a calma. Um de nós tem que estar sã, e os outros não estão em condições.
Tiago parece ter se rendido ao apelo de Laura. Ele joga uma bolsa pra mim e as toalhas. Volta a sua atenção na estrada, mas me olha a cada 5 segundos no retrovisor.
Laura fica na posição.
Vasculho a bolsa e acho uma manta azul clara, uma tesoura esterilizada e luvas de dentista. Ela pensou em tudo. Faço um coque no meu cabelo e coloco as luvas. Cubro o banco do carro com toalhas e coloco a manta no meu colo.
-Vamos lá Laura, eu conto até três e você empurra.-Digo.
-Tiago, me dá a mão. -Ela diz.
Tiago diminui a velocidade e dá a mão para ela.
Respiro fundo.
-1...2...3.
Ela empurra.
-1...2...3.
Mais uma vez.
-1...2...3.
-Tiago, você nunca mais vai triscar um dedo e mim, eu não quero correr o risco de engravidar de novooooooo! Tira de mim! Pelo amor de Deus, tira esse negócio de mim!
-É isso aí! Eu tô vendo ele. Vamos la.-Digo.
Ela continua fazendo força e o bebê começa a chorar. Lembro o jeito que os médicos pegavam nos vídeos e tento imitar. Corto o cordão umbilical. Minha mão treme, mas consigo. Talvez seja a adrenalina da situação, faço tudo no automático exatamente como lembro dos vídeos.
Ainda chocada, enrolo o bebê na manta enquanto ele chora. Então eu olho pra ele e vejo algo errado.
Laura está ofegante. Seu rosto esta vermelho. Ela precisa de um médico.
-Gente, no exame, o que tinha sobre o bebê? -Pergunto.
-Menino, 3.200 gramas e 48 centímetros.-Tiago responde.
-Tem certeza?-Pergunto.
-Claro, por quê?
Laura me olha curiosa. Devo estar os assombrando com meu silêncio.
-Porque é uma menina.
☆☆☆☆☆☆
-...Então eu olhei pro Tiago e falei: Porque é uma menina.
Estamos na sala de espera do hospital. Tiago está com Laura e estou contando aos nossos amigos como fiz o parto do bebê. Até algumas enfermeiras e outras pessoas que estavam ali, pararam para ouvir e me parabenizar.
Após o bebê nascer, conseguimos chegar no hospital. Graças a Deus está tudo bem com Laura e sua filha. Fiquei na sala de espera até o pessoal chegar.
-Ainda não acredito que você fez um parto.-Sam diz.
-Eu fiz. E foi bem traumatizante e agonizante. Acho que quero ter minha filha dormindo, tem como?
-Você já passa dois terços do seu dia dormindo, aposto que consegue.-Sam brinca e dou língua a ele.
Uma médica vem em nossa direção. É a mesma médica a quem entreguei o bebê.
-Como elas estão?-Pergunto.
-A paciente está muito bem, o bebê está se alimentando agora. O pai pediu que vocês fossem para casa, ele vai passar a noite com elas aqui e ter alta pela manhã. -A médica diz.
-Obrigado, se não for incômodo, pode dizer ao pai que qualquer coisa, um mísero palito de dente que ele precisar, pode nos ligar.-Sam diz.
A doutora assente e sai.
Eu e Sam vamos para casa ainda chocados. Estou curiosa para saber o nome da filha da Laura. Falar nisso, tenho que decidir com Sam o nome da nossa filha.
Chegamos em casa e após um bom banho, sentamos no sofá agarrados. Inalo seu cheiro e o abraço como se fosse a última vez. Seu coração bate tão forte quanto o meu.
Eu amo Sam. Amo ter ele só para mim.
-Eu andei pensando no nome.-Digo.
-Eu também.-Ele diz.
Se não for o mesmo nome, isso vai dar em briga.
-Diz você primeiro.-Falo.
-Acho que Kaio deu a sugestão certa. E eu sei que foi o que você escolheu. Luna, a adoradora de estrelas.-Ele diz.
Eu sorrio.
-Estela então?
-Estela.-Ele diz.
Sam me beija. Me deita no sofá e vem por cima de mim. Uma mão está por debaixo da minha blusa e a outra na minha coxa. Ele tira minha blusa e sorri ao ver que estou sem sutiã. Quando sua boca abençoada pelos deuses, vem de encontro com meu seio, algum desocupado bate na porta.
Sam olha para mim como se dissesse sério?
Me levanto e visto minha blusa. Sam vem por trás de mim agarrando minha cintura me fazendo cócegas no momento em que abro a porta e me deparo com dois policiais fardados. E um mandato na mão