Narrado por Beatriz
Chego em casa já perto das 23h00 da noite.
Tento não fazer barulho, a minha tia Adelina já deve estar a dormir.
Espero que esteja, senão já sei que vai arranjar problemas.
Mas como a minha noite está péssima, m*l eu entro em casa ela está ali perto da porta.
— Desde quando tu tens dinheiro para apanhar um Uber, menina?
— Não fui eu que paguei, tia, tive um problema na…
Ela me interrompe.
— Então quem pagou a viagem? O que tu andas a fazer, para chegar em casa a esta hora da noite e ainda por cima alguém te pagou a viagem do Uber? No que tu andas metido, Beatriz? — ela me acusa assim na lata.
— Tia, tu ouviste eu falar que tive um problema! — a lembro.
— Problema? Problema começa com 9 meses e se torna um problemão dos diabos, eu disse isso à tua mãe e olha no que deu? Eu é que tenho que criar o problemão dela.
Ela vira as costas a resmungar me deixando ali.
Bufo chateada e vou para o meu quarto.
Arrumo as minhas coisas e volto a sair do quarto para ir à casa de banho tomar um banho, tenho que tirar do meu corpo a sensação nojenta das mãos daqueles garotos porcos.
Não quero sequer imaginar, o que teria acontecido na certa se o bonitão do Alessandro não tivesse aparecido e acabado com aquilo.
Estremeço dos pés à cabeça, só de pensar em como eu estaria agora.
Acabo o meu banho e vou-me deitar.
Olho para o meu violoncelo e sinto-me tão triste.
E agora? Como eu vou ensaiar sem violoncelo?
Suspiro desanimada.
A minha chance de conseguir entrar na orquestra e assim poder viajar o mundo a tocar o que eu mais amo, acabou.
Os meus sonhos foram destruídos e tudo por um bando de delinquentes.
Viro-me para o lado e depois de muito esforço, acabo por adormecer.
Tia Adelina
Narrado por Beatriz
Depois de estar preparada para ir trabalhar, saio de casa.
Graças a Deus que nem vi a minha tia Adelina.
Vou a pé para o trabalho, que fica a uma distância de 5 minutos. Chego lá, vou direta ao meu cacifo e visto a minha farda.
Calças azuis escuras, camisa branca e um lenço no colarinho da camisa azul escuro com uma risca verde.
Trabalho num hipermercado, há 4 anos e até gosto de aqui trabalhar, não é um emprego de sonhos, mas dá para pagar as minhas contas.
A minha tia Adelina fica com a maior parte do meu dinheiro, mas enfim.
O dia passa sem muitos sobressaltos, como moro aqui perto conheço a maior parte dos clientes que aqui vêm, um hipermercado que mais parece a mercearia do bairro, todo o mundo aqui vem.
Chega a hora de eu sair do trabalho e me bate uma tristeza, porque agora eu ia para o meu ensaio.
Entro em casa e a minha tia Adelina vem logo da cozinha.
— Então mas tu hoje não vais para o ensaio da porcaria que andas a ensaiar com aquele monstro que andas sempre com aquilo às costas? — ela diz desdenhando das minhas coisas.
— Aquilo não é um monstro, tia, é o meu violoncelo. — falo chateada — E não, não vou para o ensaio porque o meu violoncelo está partido.
— Como está partido? — ela pergunta histérica — Um dinheirão que deste por aquela porcaria e nem dura um mês? Ah não, — ela fala abanando as mãos no ar freneticamente — nem penses que vais gastar outra fortuna numa porcaria daquelas.
— O dinheiro é meu, tia, sou eu que o ganho, com o meu trabalho, eu é que sei se gasto ou não! — falo firme.
Ela me olha com os olhos a faiscar de raiva.
— Olha aqui, sua ingrata, — ela diz ríspida e me apontando o seu dedo indicador — eu gostaria de ver tu pagares renda de casa, água, luz, gás e comer apenas com esse teu salário de merda. Tu sem mim não és ninguém, sua jumenta cheia de ingratidão.
— Eu não me apetece discutir com a tia. — falo cansada.
— Se não queres discutir porta-te como deve de ser. Onde já se viu, cuspir no prato onde come!
Ela vai na direção da cozinha a barafustar como já é habitual.
Ao menos quando estou no ensaio não estou aqui a ouvir as lamúrias dela.