Estou na aula de violoncelo e vejo que na porta está um homem que eu não sei quem é.
Eu toco o meu violoncelo com amor e paixão, fecho e abro os olhos enquanto toco, mas cada vez que os abro vejo o homem a fitar-me e de repente, ele vira as costas e sai da sala sem dizer uma única palavra.
Ele tem estado ali naquele mesmo lugar cada vez que eu venho à aula.
Recordo o que passei na outra noite na paragem e me arrepio de medo.
Saio da aula de violoncelo e a noite está fria. Fecho o meu casaco e vou para a paragem, óbvio que já não vou para aquela paragem onde nunca tem ninguém.
— Beatriz! — estremeço, ao ouvir alguém chamar o meu nome.
Olho para trás com medo, mas vejo que é o Alessandro.
— Alessandro, que bom que te vejo. — falo contente, não sei explicar mas sinto uma segurança fora do normal com ele.
— A sério? Gostas de me ver?
Eu rio.
— Claro que sim, não sabia como te agradecer pelo belo presente que me enviaste no dia a seguir àquele infeliz incidente na paragem do autocarro.
Vejo ele sorrir, o seu sorriso é bonito, os seus dentes bem branquinhos.
— Não precisas de agradecer, Beatriz, ofereci com gosto.
— Mas foi um dinheirão.
— Não tenho problemas em gastar dinheiro, o dinheiro foi feito para isso mesmo, para gastar, para rodar o mundo, é isso que ele faz, foi para isso que foi feito.
Caramba, quem me dera ter dinheiro assim, sem me preocupar com mais nada.
— De qualquer das maneiras agradeço muito, Alessandro.
Ele olha para mim profundamente e eu sinto o meu corpo arrepiar, os seus olhos tão azuis são uma perdição.
— Posso te convidar para jantares comigo? — ele me convida.
— Hoje? — pergunto surpresa com o seu convite.
— Se der para ti, seria muito bom.
— Não avisei a minha tia, por isso hoje é complicado. — falo nervosa.
— Ok, importas-te de me dar o teu telemóvel? — ele pede esticando a sua mão na minha direção.
Estranho aquele pedido mas lhe entrego o mesmo.
Ele escreve alguma coisa.
— Pronto, agora eu tenho o teu número e tu o meu, quando quiseres é só me ligar, para ti é a qualquer hora do dia ou da noite, Beatriz.
Engulo em seco com o que ele acaba de falar.
Porque para mim, é a qualquer hora do dia ou da noite?
— Vem ali o meu autocarro, eu depois ligo.
Dou uma corrida e apanho o bendito autocarro.
Já dentro do autocarro, olho para onde ele está, cinco carros pretos, com vidros escuros estão com ele e mais seis seguranças.
Acredito que dentro dos carros estejam lá mais seguranças.
Mas quem é este homem tão lindo e misterioso?
Eu não o conheço, não faço a mínima ideia de quem seja, mas ele me transmite uma elevada segurança.
Espero que o meu sexto sentido não esteja avariado.
Lisboa/Portugal
Estou na caixa do hipermercado onde trabalho e vou passando os produtos preguiçosamente e sem a mínima vontade.
Há dias que eu gostava de ficar em casa apenas a fazer ronha na cama, mas infelizmente a morar com a minha tia, não consigo fazer nada disso.
Ela faz barulho sem necessidade nenhuma, faz barulho porque acha que eu não devo descansar, faz barulho porque quer e pronto.
Ontem recebi o meu ordenado e ela obrigou-me a transferir quase todo o meu salário para a conta dela.
Estou tão farta de viver assim, na miséria, sem ter dinheiro para nada do que eu quero e necessito.
Vejo um homem de fato escuro chegar perto de mim e reparo que não trás compras.
— Peço desculpa, mas não pode sair pela caixa sem compras. — informo o cliente educadamente.
Ele pára na minha frente, coloca a mão na parte de dentro do seu paletó preto e me estica o que me parece ser um envelope.
— Beatriz Ferreira? — ele pergunta.
— Sim, sou eu. — respondo intrigada.
— Isto é para si, é um assunto sério, mas não podia passar pelas mãos da sua tia Adelina e por isso, vim entregar aqui longe dos olhos dela.
Eu encurto o meu olhar para o homem à minha frente.
— Mas o que é que se passa? Do que se trata esse envelope?
— Está aí tudo explicado. Com a sua licença.
E vai embora tão misteriosamente como chegou.
Olho para o envelope.
É de cor marfim e tem relevos, parecem trepadeiras, nunca vi um envelope tão chique assim, vem até selado com aqueles selos vermelhos, como se vê nos filmes do tempo dos reis.
Observo melhor o selo que tem um "S" perfeitamente desenhado.
Que envelope mais requintado.
Guardo o envelope, pois chegam clientes na minha caixa.