Era apenas mais um dia, somente mais um dia que eu não sabia qual a hora de acabar, pedir para que terminasse logo seria em vão, o dia seguinte começaria logo após o terminar este. Acordei cedo mais uma vez, olhei em volta do quarto, a cama vazia, Robson não estava na cama, passei a mão no rosto, espantando toda preguiça que havia, era mais um dia de luta.
Com esforço levantei da cama, a mesma rangeu em agradecimento por sair dela, de madeira já conheceu tanto momentos bons, agora conhece os ruins, segui para o corredor. Caminhando, sem lavar a cara, sai chamando os dois meninos, é dia de escola eles não podem faltar de jeito nenhum, já basta quando adoece, quando tem invasão, e sem estudo aqui já basta eu que quebro a cara todos os dias na lida.
Passei pela cozinha, peguei a jarra de alumínio, enchi de água barrenta que misturada ao excesso de cloro, parece leite. Acendi o fogão, coloquei a água no fogo. — bom dia mãe! — Meu mais velho Adailton veio me abraçando, apoiou a cabeça nos meus p****s, a camisola velha surrada cheia de buraco, ainda assim me senti melhor, era o meu melhor momento no dia, depois do que Robson me aprontou no outro dia, não tive uma boa noite de sono, só dormir de madrugadazinha e nem foi sono, foi uns cochilos de leve.
Ser mãe de dois meninos não é fácil, morar na favela faz a gente temer pelos futuros deles, sem nem conhecer o futuro, se não viram aviãozinho, se tornam qualquer coisa menos alguém de bom, isso quando não aparece morto baleado num chão qualquer, no meio do mato cheio de bicho no corpo, por aqui coisas estranhas acontece e ninguém ver.
— Bom dia Daí, vamos menino se ajeita vamos corre, pra não chegar tarde na escola. — Bato de leve nas costas do moleque que corre sorrateiro pra o banheiro, após suspirar fundo, passo a mão no rosto. — Deus meu pai me dá coragem! — Peço genuinamente, o dia é grande, e pra piorar é daqui pra ali, pode ter tiro de repente, qualquer coisa de r**m pode acontecer.
Caminho pra a pia, pra lavar algumas coisas, faço o café, bebo alguns goles sem escovar os dentes. Não demoro a estar pronta pra mais um dia de trampo, é pesado, tudo é pesado na minha vida, desde os olhares das pessoas na rua, agora além de gorda sou chifruda, acho que todo mundo, já sabia menos eu. — Bom dia colega! — Não preciso nem olhar ao sair de casa, sei que é Claúdia, graças a ela, tenho um trabalho, mas também sei que todo mundo tá informado da minha vida por ela, mantenho a minha relação de amor e ódio no dia-a-dia.
— Bom dia Claúdia, tem café. — Aviso pegando a bolsa de Dal. — Vi tu ontem rodando aí tava atrás do traste? — Não respondi, tem coisas aqui que não precisa se responder, todo mundo já sabe mesmo. — Adianta Dal, se eu não eu vou perder o busu menino. — Chamo alto, mas quem surge é Dadai. — Mãe pode ir eu levo ele. — Afirmo com a cabeça. — Tá bom, ver se não se atrasa pra escola, Adailton.
A vida não estava sendo fácil para mim, mas logo cedo ao chegar no ônibus não precisava de muito para saber que não era fácil pra ninguém,todo mundo sempre reclama de alguma coisa, se chove da chuva, se faz sol do calor. — Já te falei tantas vezes gorda, tua vida estaria bem melhor sem aquele imprestável, tava aí tarde a noite cheirando as porcarias deles pelos cantos. — Bate em seguida meu ombro. — Tu se livrou colega. — Entrei no ônibus pra mais um dia, as olheiras pesam embaixo dos olhos. — Bom dia!
As lágrimas quer descer a todo custo, mas eu tenho que dizer pra mim mesma que não sou mais uma adolescente de novela, pra chorar por besteira. Bato no rosto devagar querendo despertar. —Tudo bem Zaya? — Balanço a cabeça que sim,quando o motorista me caça com os olhos pelo reflexo do espelho. — Tá abatida, parece que não dormiu. — Não respondo, minha cara diz por mim mesma, cheguei no trabalho calada, quieta. — Bom dia Zaya e ai como de aniversário? — Flávia me segue deixo a bolsa, no armário levando apenas o celular comigo.
— Vai me conta. — Olho para a garota loira, dezoito aninhos, cursa administração a tarde, magrinha, olhos verdes. — Um disgraça amiga. — Explode em riso ao me ouvir, ao perceber que não brinco, para com a mão no peito. —Espera, o que houve? — Lhe conto tudo como aconteceu. — O que? Ele saiu de casa depois disso? — Afirmo sentando na cadeira, o telefone já toca, atendo em seguida, ela ainda me olha perplexa até pegar a sua tabela pra ligar, começar as cobraças.
Quando desligo toca o meu braço. — Então ele foi embora? — Afirmo olhando novamente. — Graças a Deus, mete na justiça pede pensão, já que ele não ajuda na despesa. — Reviro os olhos, enquanto disco pra outro número desta vez. — Alô senhor Gerson Oliveira Moraes ... — Passamos parte da manhã fazendo ligação e falando da minha vida, depender de Flávia, entro na academia hoje mesmo, saio daqui pra a mesa de bar, beber e distraí, mas quem cuida da casa? Dos meninos? Eu nem bebo gente.
Ninguém iria querer o que eu me tornei, passei o almoço todo sem comer, sem fome, entrei no ônibus pra ir desta vez pra outro emprego, entre ir trabalhar e chorar no meu local de trabalho da tarde ninguém podia saber, são diferentes da manhã. Mas a cada ligação as lágrimas desciam, cada sentimento, cada palavra que fica reprimida dentro da gente, cintilavam sem parar pelo meu rosto.
Cheguei em casa, pra minha surpresa tudo estava arrumado, a medida que eles sabiam fazer, meus dois filhos ficaram pra aliviar a bagunça que se torna a minha vida. Sentei no sofá, e logo me lembrei da janta, já era tarde, Dal não me disse nada sobre comer, enquanto Dadai não saiu da tv. Preparei uma sopa, com as sobras da galinha, eles tomaram alguns prato, eu não tive fome.
Quando entrei no quarto, a cena me veio a cabeça, fiquei parada na porta do quarto, revivendo tudo que vi no outro dia, era diferente de tudo que eu tinha vivido, doloroso, mas tudo era meu, minha dor, minha suplica, eu o perdoaria se ele ficasse, tentaria emagrecer se esse fosse o problema, eu nunca conheci outro homem na cama como ele, foi o único que tive. Toda aquela dor era minha, mas nem sabendo o que fazer com ela, eu sabia, só descer as lagrimas.
Tomei banho, mas queria mesmo era sair de mim. — Mãe não vai comer? — A voz de Dadai me chamou, fazendo despertar, quem precisava comer na minha situação. — Estou sem fome filho, escova os dentes e vai dormir, seu irmão onde esta?— Dadai ainda me olhando com os dois olhos esbugalados, meu filho esta crescendo, fazendo o que eu deveria fazer, ele esta cuidando de mim, acariciei a sua cabeça. — O Dal já dormiu, ele tá com um espinho no pé mãe. — Assenti. — Amanhã eu vejo Dadai, vai dormir filho.
As batidas na porta, junto ao chamado me fizeram acordar, ele correu pra porta pra abrir em seguida, fiquei parada na porta do banheiro até esperar quem quer que fosse, na ansiedade de que fosse Robson arrependido voltei para a entrada de casa, olhei com o coração acelerado pra porta.