Rafael enfiou a mão direita no bolso da calça jeans procurando as chaves da Pensão. Tão logo tirou o objeto do bolso, virou o pulso da mão esquerda confirmando o tardar da hora no relógio de pulso. Passava das duas da manhã e sete horas ele tinha um carro para entregar na oficina mecânica em que trabalhava. Estava exausto, desde o acidente de Eduardo ele m*l conseguia dormir de tanta preocupação até a alta do amigo, além disso, estava trabalhando dobrado e com a volta às aulas, m*l teria tempo para recuperar o sono.
Fechando a porta atrás de si, ele adentrou com cuidado, pisando de leve para não acordar a proprietária. Tia Glória era um amorzinho, mas os puxões de orelha que ela distribuía entre os rapazes era algo que ele adoraria evitar.
— CREINDEUSPAI! — Gritou Rafael, ao cair para trás com o susto que levou ao se deparar com Eduardo sentado em uma cadeira no meio do saguão. — Mano, virou vampiro, agora? O que está fazendo aqui sozinho a essa hora e no escuro?
Eduardo fechou os olhos com uma careta quando Rafael acendeu a luz do cômodo. Estava sentado no degrau da escada com a perna esticada e o pé apoiado sobre uma pequena caixa de madeira.
— Estava te esperando.
— A mim? — Rafael ergueu as sobrancelhas surpreso. — Por que, aconteceu alguma coisa?
Rafael se aproximou do amigo, olhando para a perna esticada, com se pudesse enxergar algum problema nele, ao mesmo tempo em que esticava o braço para o aperto de mãos típico do g***o.
— Nada... eu só estava preocupado e não consegui dormir pensando no que aconteceu na calourada-
—Ah! Ficou sabendo da briga? Nem te vi quando saí da confusão, espero que não tenha dado r**m para você, mano, sei que o diretor está na tua cola...
— Eu vi quando já estava acabando, nem cheguei a me meter, os outros botaram os pela-sacos para correr sem precisar de minha ajuda.
— Ah! muito bom! Detestaria te encrencar por minha causa, mas tenho certeza que em meu lugar você faria o mesmo pela garota.
— Você não acreditaria...
— Eu sempre curti essa coisa da gente, sabe mano, meio que proteger as minas. Quer dizer, a gente não presta, né mano...— Rafael sentou-se ao lado de Eduardo no degrau, cutucando ele com o cotovelo enquanto exibia um enorme sorriso nos lábios. — A gente sai com geral mesmo, gosta de um r**o de saia, de uma briga... mas tem que respeitar as garotas. E esse Fábio, Edu, você sabe como ele é, sujeitinho pegajoso e fedorento...
— Fedorento?— Eduardo ergueu uma sobrancelha.
— Sei lá, estou meio sem xingamentos criativos, usei tudo quanto foi nome e palavrão, mas ainda não tinha mencionado o bafo de c**ô dele. Pensei que todo Mauricinho gastasse uma grana com dentista, dentes hollywoodianos e tal... Mas o cara parece que comeu m***a no jantar e não escovou a caçapa!
Para a própria surpresa, Eduardo riu das palavras do amigo. Uma angústia fez o riso cessar... Antes de Rafael chegar, Eduardo estava remoendo vários sentimentos negativos em r*****o a ele, motivado pelo gigantesco ciúme e insegurança, mas ter o amigo de longa data ali tão à v*****e, fez o rancor evaporar, deixando em seu lugar a angústia da culpa e do desalento.
Um instante de silêncio se seguiu com Eduardo passando inconscientemente a mão pela perna avariada, pensando em como perguntar o que de fato queria saber, e Rafael olhando para os pés com uma careta, incomodado com a sujeira de barro nos tênis novos. Pigarreando forçosamente Eduardo tomou coragem.
— Então... soube que você saiu de lá com uma garota...
— Ah... sim — Rafael sorriu orgulhoso. — Mano do céu, você não faz ideia... a mina é ex do Fábio e mano...mulherão de comer em prato fundo e de colher, que cabe mais! — Eduardo soltou um grunhido de desgosto que Rafael ignorou. — Além de gostosa, ela é maneira pra caramba, e ainda estuda enfermagem... sabe a tara que tenho por enfermeiras, né?
— Então... Você e essa garota..
— Bianca. O nome dela é Bianca, bonito né? E engraçado, porque ela é morena e não bran-
— Tá, Rafael, já entendi! — Eduardo interrompeu o amigo bruscamente. — Vocês estão namorando ou o quê?
— Não... Você me conhece, mano, eu não sou de namorar ninguém, mas ela é um mulherão, sabe, daqueles que faz um homem repensar a vida?
Eduardo fechou os olhos agradecendo aos céus. Não estavam juntos, ele ainda tinha chance!
— Como se conheceram?
— Interessante você perguntar, Edu! Foi a coisa mais estranha... Sabe o dia do teu acidente? — Eduardo fez que sim com a cabeça. — Então, nesse mesmo dia ela estava vindo para cá e ia ficar aqui na pensão! Tinha ligado para Tia Glória e tudo, mas quando foi pegar o trem, descobriu que houve um acidente com a família do maquinista, diretor, sei lá o que. Daí o trem atrasou tanto que o pai dela ligou dizendo que a irmã dela... hm... nunca lembro o nome de garotas... Letícia? Marisa?
— Luíza, Rafa, o nome da irmã de Bianca é Luíza!
— Isso mesmo, mano, você é bom nisso, como adivinhou?
Eduardo revirou os olhos e fez sinal para que o amigo prosseguisse.
— Onde eu estava? Ah, sim! A irmã dela tinha ligado e ficou sabendo dos planos dela de estudar na U.C.C. e ofereceu vaga no quarto dela para Bianca, daí ela não veio para cá.
— Isso ainda não explica como vocês se conheceram, Rafa...
A paciência de Eduardo estava por um fio. Ele não conseguia apagar da mente a culpa por aquela situação. De alguma forma, o universo decidiu pregar uma peça nele, e o d****o mais i****a do mundo se realizou. Ele desejou centenas de vezes ganhar na loteria, mas não.. O destino tinha que ouvir a porcaria de um d****o i****a que ele fez quan-
— ... E quando passei de moto vi o carro deles enguiçado e já dei aquela moral! Ganhei conceito com o pai dela... Márcio? Não...Carlos?
— Tanto faz, Rafael, pelamor!
— Assim não dá para te contar as coisas, Edu, se vai ficar com esse mau humor! Além do mais, está tarde e preciso dormir, não quero ficar com olheiras!
— Ok! Foi m*l, mano! Me ajuda a levantar e conte o resto enquanto seguimos para nossos quartos.
— Está beleza, já estou acostumado com esse jeito Casmurrento! Mas voltando a história, foi só isso, ajudei eles, coloquei o carro para funcionar. Não era nada demais, só um probleminha com a ignição... daí enquanto eu mexia no carro, batemos um papo, pois o pai dela ficou ouvindo uma luta de boxe no rádio. Confesso que demorei uns minutos a mais remexendo em absolutamente nada, só para passar mais tempo ali. Foi só isso.
— E ela não é tua namorada?
— Não...
— Já que ela é tão maneira, traz ela aqui, apresenta para o pessoal!
— E pra que eu faria isso, mano? Ela nem é minha mina...ainda...
— Então está pensando em namoro com ela? — Eduardo sentiu um frio na espinha.
— Ah... não sei... Beijar aquela boca eu quero, e chegar naquelas carnes então, mano, aquela bun-
— c*****o, Rafa, já chega! Amanhã a gente continua. Minha perna está doendo demais!
— Ok, então... se precisar tenho Ibuprofeno no meu quarto...
— Não, não... por tudo que há de mais sagrado, Rafael, Boa noite!
— Ok, mano... Boa noite! Ah, e valeu por me esperar todo preocupado, isso é bem maneiro mesmo! — Rafael abraçou Eduardo com dois tapinhas nas costas, que Eduardo revidou com um pouco mais de força do que necessário.
— Não esqueça de armar um dia para conhecermos essa Bianca!
— Claro... — Respondeu Rafael meio confuso com o surpreendente interesse de Eduardo em conhecer a garota por quem ele estava interessado. — Vou armar uma boa para nós, falar para ela levar umas amigas, quem sabe você não se interessa pela irmã dela e viramos cunhados? Ou é concunhados que fala? Seria legal, não acha? A gente pode arrumar umas para o Val e para o-
— Boa noite, Rafa!— Disse Eduardo batendo a porta do quarto.