Nobre e raivoso

1237 Words
Eu fiquei na banheira até os nós de tensão do meu corpo se relaxarem, e depois, até os dedos ficarem enrugados. A imagem do olhar do Victor não sai da minha cabeça, e o amargo daquele olhar permanece na minha língua. Ele se deu conta de que eu era o símbolo de tudo o que destruiu a família dele e que ele não deveria sentir desejo por mim? Que isso seria a pior traição e desonra pela morte do pai? Eu deveria ter me coberto, assim que ele entrou, e evitado toda essa confusão. Só que eu me sentia tão dona de mim mesma na presença dele que agi sem pensar. Eu queria sentir de novo o que senti antes, eu queria desesperadamente os lábios dele nos meus, descendo pelo meu pescoço de novo… Afundei na banheira, a água já fria, para acalmar os meus nervos. Fiquei ali, prendendo o ar até sentir os pulmões arderem e assumirem o primeiro lugar da minha lista de prioridades. Puxei o ar com força, desanuviando os pensamentos e me dei conta que ele poderia facilmente me odiar, assim como eu deveria odiá-lo. As ações da família Romano me tiraram a chance de ser feliz, de ser livre em algum nível. Tirou a minha mãe de mim e me condenou a momentos perversos nas mãos dos homens ao meu redor. Essa sombra sempre iria pairar em cima de mim. O que mais me assustava em tudo isso, é que quando eu estava com ele, ou até mesmo quando pensava nele, isso não me assombrava. Eu não conseguia culpá-lo. E eu nem queria tentar entender o motivo. Trancei o meu cabelo, ainda molhado, depois que eu o desembaracei e vesti um vestido simples, a única peça no armário que me chamou atenção. Ele era vermelho vibrante e acinturado; Eu não sabia o que esperar depois da forma que ele saiu do meu quarto, mas ele deixou claro que voltaria para falarmos… Antes, ele me disse isso antes de me olhar com raiva, de reconhecer em mim a verdadeira ameaça que eu era. Uma batida na porta me fez pular, saindo do emaranhado de confusão que eu estava. - Entre. - O meu coração deu um salto no peit¢ quando a porta abriu, mas não era a porta do quarto anexo. Uma moça me encarou, os olhos frios e a expressão dura. - Senhorita. - Eu levantei da penteadeira e encarei a moça. - Sou a Valéria, a governanta da família Romano. - Eu assenti. - Eu sou a Lara. - Ela sorriu, um sorriso que não chegou aos olhos. - Eu sei exatamente quem você é. - Ela me observou com cautela, os olhos apertados, enquanto me avaliava. - Vamos trazer o jantar… O Senhor Victor vai acompanhá-la. - Eu assenti, um incômodo estranho crescendo no meu estômago. - Obrigada! - Eu consegui falar, antes que ela entrasse com o jantar. Ela organizou rapidamente a mesa e sem mais nenhuma palavra saiu, me deixando incrédula, enquanto eu encarava os pratos cobertos na minha frente. Me dei conta que eu estava com fome, mas o meu apetite tinha sumido completamente. Outra batida na porta, dessa vez, todo o meu ser gritou que era ele. - Entre Victor. - Eu respondi e ele assim o fez. Ele tinha tomado banho, o cabelo molhado provava isso. Ele tinha feito a barba, e o rosto dele estava pálido em contraste com as roupas pretas. Ele se vestia com simplicidade, camiseta e calças de algodão pretas, mas era possível ver poder em cada centímetro do corpo dele. Ele me olhou, uma expressão nova nos olhos, mas não perdeu o olhar no meu corpo dessa vez. Foi nos meus olhos que ele fixou o olhar, como que avaliando as minhas emoções. - Venha, vamos comer. - A voz dele era calma, mas poderosa. Eu me movi sem falar nada, sentei e esperei; ele me avaliou de novo, a expressão confusa. - Não está com fome? - Eu assenti. - Estou esperando que você se sirva primeiro. - Ele levantou as sobrancelhas, demonstrando uma confusão que eu não entendi. - Pode se servir primeiro. - Foi a minha vez de ficar confusa, talvez um pouco amedrontada. Era uma armadilha, eu sabia. O meu avô fez aquilo muitas vezes, para me testar. “ Coma!” - O meu avô dizia. E assim que eu tocava na comida, antes dele, eu era punida. Às vezes ficava dias sem comer nada além de pão e água, e outras vezes ele me ajoelhava nua no escritório e me batia. Dependia de quanto tempo eu levava para entender que tinha caído na armadilha. “O homem deve comer primeiro, você deve assistir em silêncio, e depois, você come o que sobrar.” Por tanto, eu não tocaria na comida, enquanto ele não tivesse acabado. Eu era refém ali, e eu me comportaria como tal. - Lara? - Eu não tinha percebido que tinha fixado o olhar no prato vazio. - Se sirva. - Olhei para ele, o medo apertando a fome dentro do meu estômago. - Eu vou esperar… - Ele apertou o olhar de novo. - Comerei quando você terminar. - A surpresa invadiu os olhos dele. - Não é necessário. - Eu não me movi, e ele parecia um pouco horrorizado pelas minhas palavras. Ele se moveu, destampando os pratos, que estavam prontos e a minha boca salivou. Um bife com legumes brilhantes era um dos meus pratos favoritos. Ele serviu uma taça de vinho em seguida, e depois outra pra ele. - Coma, agora! - Desviei o olhar do prato e encarei os olhos dele, estavam mais pretos do que eu me lembrava. - Você não vai me punir? - Ele abriu a boca, pronto para discutir, mas mudou de ideia. Respirou fundo e negou com a cabeça. - Coma, você deve estar com fome. - E eu estava. A minha barriga estava doendo, e o meu apetite voltou de uma vez, assim que vi o prato. Peguei os talheres e cortei com calma, enquanto ele imitava o movimento. Comi devagar, respirando a cada mastigada, me deliciando no sabor amanteigado… - Lara? - Olhei para ele de novo. - Está apreciando o sabor? - Eu assenti. - Ótimo. - Ele tentou sorrir, mas a expressão dele estava dura demais para conseguir. Comemos mais um tempo em silêncio, até que ele levantou a minha taça, me oferecendo o vinho. Bebi também com calma. Eu normalmente não tomava vinho. Era mais uma das regras que eu seguida, com medo de uma punição. Apenas beberiquei, diante do olhar dele, que avaliava cada movimento meu. Coloquei a taça na mesa, e voltei a comer, ainda com receio que ele estivesse pensando em me punir. O meu avô já tinha feito aquilo também. Deixado eu comer com tranquilidade, para depois me estapear. - Tenho uma pergunta. - A voz dele me tirou dos meus pensamentos e o meu sangue se tornou gelo. Pronto, ele mudou de ideia. Eu sabia que não esperar ele comer era um erro, um erro terrível. - Diga. - Eu respondi, com a voz baixa, escondendo o meu medo no fundo do coração. - Quem, exatamente, maculou o seu corpo com punições? - Eu prendi o ar. - Por que? - Eu consegui perguntar. - Me dê um nome, e vou garantir que essa pessoa nunca mais veja a luz do dia.
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