Quando se chega num lugar pequeno, principalmente se você não é uma pessoa que frequenta essa cidade, todo mundo olha você como novidade.
Foi só eu sair na rua com a Débora, que cada pessoa que nos via, fazia a mesma pergunta.
— E de quem é essa menina?
— Da Tia Mocinha, irmã da minha mãe. — Débora respondeu a todos da mesma forma.
Depois disso sempre vinha uma segunda pergunta. Esta vinha diretamente para mim, depois de um comentário de admiração.
— E Mocinha já tem uma filha desse tamanho?! Você tá aqui é de férias ou veio morar?
— Viemos morar. — eu respondi toda intimidada. Eu não sabia que era uma garota tão tímida até os olhos e bocas desse pessoal se voltarem para mim desta forma. As pessoas perguntavam sem medo, sem se podar. Era um rebanho de fofoqueiro dos infernos.
— E o que deu errado? Sua mãe separou? — esta era a pergunta que as mais curiosas faziam, mas a Débora era afrontosa e dava boas respostas.
— Isso não é da sua conta. Porque não vai cuidar da sua vida?!
Eu já comecei a gostar da minha prima pela atitude que ela tinha e que eu queria
ter.
Aparentemente eu só tinha coragem de afrontar os garotos que me importunavam.
Quando chegamos na casa da tia Sandra, já estávamos exaustas de tanto responder a mesma pergunta.
A casa dela era bonita, típica casa de interior. Portões de ferro, com grades bem abertas que davam pra ver tudo o que tinha na sala e garagem. E nessa garagem tinha uma bicicleta Houston vermelha, uma pop 100 laranja e um carrinho de mão com algumas palmas.
Na sala, dois sofás daquele estilo imperial, bem acolchoado, vermelho, com protetores artesanais brancos que tinham como se fosse franjas em todo o tecido. Cara, esse negócio era muito pesado. A minha tia devia penar pra lavar a desgraça.
Perto do sofá tinha 4 cadeiras de ferro, com assentos que se resumiam a uma tábua com uma lâmina finíssima de espuma e cobertura de tecido estampado. No meio delas, uma mesa de centro com 4 pernas e uma pedra de mármore que segurava no centro um jarro de flores artificiais em forma de lírios, que estavam implorando para serem lavadas, pois a poeira era demais.
Entramos na casa e mais surpresas típicas do interior. Um raque enorme na cor vinho, na prateleira maior havia uns 10 troféus de vaquejada, mais abaixo fotos de formatura, e uma hilária de 2001 da minha tia com o marido dela. Essa foto era muito engraçada. Ela usava uma calça cintura baixa, bem perto das cristas ilíacas, tinha brilhos e lantejoulas. O look era completado com uma blusa tomara-que-caia laranja, com uma aplicação de paetê que ficava bem entre os p****s dela, uma bota de couro com um salto quadrado e os cabelos com uma escova m*l sucedida.
Eu ri internamente.
— Quem é essa menina? — o meu tio apareceu na sala secando as mãos num pano de prato. Ele estava bem diferente da foto icônica de 2001. Antes ele não usava barba, agora parecia o Hosama Binladen, também tinha um acessório novo em frente ao corpo, sua pança.
— É a Bruna. Filha da tia Mocinha.
— Ah. Tá grande heim!
— É. — balancei a cabeça igual que nem uma lagartixa e fui atrás da minha prima no quarto dela.
Era um quarto bem bonito. Ela tinha uma cama grande e a gente sentou ali encima. Ela puxou um celular e se encostou em mim.
— Sabe, Bruna, eu tenho um namorado. — ela contou empolgada.
— Um namorado? — eu estranhei. Ela tinha a minha idade e tinha um pai!
— Sim. O nome dele é Manoel. Eu tenho uma foto dele aqui no meu celular. Quer ver? — ela mexeu o celular que estava com a tela mais ralada do que os meus joelhos.
— Quero ver. — eu fiquei curiosa e estiquei a cabeça para ver a tal foto.
Quando ela encontrou, em meio a umas 20 fotos de planta que provavelmente a minha tia havia tirado, eu pude ver o melequento.
Sabe aqueles moleques que tem cabelos claros mas andam tanto no sol que a cor da pele discrepa com os cabelos? Isso, desse jeito. E ele tinha cara de ser o menino mais insuportável da escola. Eu não gostei dele. Na foto ele estava fazendo um “legal” com o dedo, um sorriso malandro e usando um uniforme de jogo.
— Quem tirou essa foto dele?
— Fui eu, no dia do jogo de futebol que teve ali no campinho.
— E o que a tia Sandra acha disso?
— Ah... ela nem sabe. — coçou a cabeça. — E você? Tem namorado?
— Não! — pulei na cama. — Deus me livre!
— Porque “Deus me livre”? Ter um namorado é tal bom. Manoel já me deu 4 canetas. Uma vermelha, uma azul da bic, uma rosa e uma preta. E nenhuma tá falhando. — contou toda garantida.
— Eu não quero caneta de ninguém. A minha mãe já comprou um monte de caneta pra mim.
— Mas porque você não quer namorar com ninguém? A tia Sandra nem precisa saber. Nem o seu pai. — ela deu de ombros. — Todo mundo da minha escola tem namorado. Você vai ser a única solteira.
Eu era jovem, mas ali eu pensei: Se forem todos como esse Manoel... eu prefiro ficar solteira.
— Eu não gosto de garotos.
— Mas tem meninos que gostam de você, né? Nunca nenhum menino gostou de você? — ela ficou curiosa.
Eu logo pensei no desgramado do Isaac.
Ele disse que gostava de mim. E que gostava muito, mas eu tenho tanta vergonha de contar isso, principalmente para a Débora, que parece que entende do assunto.
— Tem né? Conte logo. Pela sua cara tinha alguém. — ela me pressionou toda animada.
— Só um menino véio... Da minha outra escola. Ele era chato. Nem gostava dele.
Com 10 anos eu definitivamente não queria papo com nenhum garoto, mas a Débora, essa estava longe de se conformar com o meu ponto de vista.
Dali pra frente, namoro seria o assunto que ecoaria pelos meus ouvidos. A minha prima era muito espevitada, já eu...