De volta ao Interior

1013 Words
BRUNA Pra ir pra casa dos meus avós digamos que era uma viagem um tanto cansativa. A gente pegava um avião, um ônibus, um carro pequeno e em tempos de chuva as canelas também eram necessárias, com a alta da gasolina outro meio de transporte era a carroça. Sem aumentar, já andei tanto de carroça na minha vida que na popa da minha b***a tem os riscos do p*u que eu sentava (O p*u da carroça, é claro). Embarcamos nessa viagem cansativa que se tornou um pesadelo pelo fato de que quem foi sentado ao meu lado no avião era uma velha surda que só falava gritando. E o pior de tudo é que eu fiquei entre ela e seu marido. Na escala ranço de surdez eu não sabia quem era pior. Sei que ele esqueceu de deixar comida pra seu cachorro rex, ela esqueceu de tirar a tomada da tv e da geladeira e ele também não colocou o remédio de hemorróidas na mala. Acho que eu e todo mundo do avião ficou sabendo disso. Eu ainda me lembro porque foi um momento marcante na minha vida. Há noites em que os ecos das vozes deles surgem na minha mente. O mais assustador de tudo é que eles já devem estar mortos hoje em dia, o que me leva a necessidade de frequentar mais a igreja ou o psiquiatra, ou os dois. Depois da viagem de avião, nós pegamos um ônibus clandestino. O problema dos ônibus clandestinos é que eles são clandestinos. O caminho por onde percorrem é cabuloso, sem contar que troca de motorista toda hora e aquele maldito banheiro... Outra coisa que ficou tatuada na minha mente foi o fedor daquele banheiro. Tinha uma pessoa no ônibus. Ela levou uma marmita de peito de frango com farinha e como sobremesa doce de leite. O doce de leite... Ele não pegou bem na barriga do marido dela. Esse homem fez um estrago e eu tenho pena de quem andava de moto atrás desse ônibus clandestino. Acho que deve ter prejudicado por horas o olfato de todo mundo que passou por aquela rodovia. Mesmo com o vento levando, cada freada que fazia a porta do banheiro se abrir, trazia consigo também um vento que subia do buraco do vaso até nós. Com o aroma matador da cagada daquele maldito. Quando saímos daquele ônibus foi um alívio. Depois só pegamos um táxi. Táxi mesmo. Com taxímetro, carro branco e fitas vermelhas. Chegar de táxi no interior é mostrar o nível hard de riqueza. Riqueza esta que não tínhamos. A minha mãe nem tinha avisado a vovó que iríamos pra lá, então a alternativa do táxi foi o que deu pra gente. No caminho eu observada os olhos do motorista pelo retrovisor interno. Em certo ponto dava pra ver o quão arrependido ele estava por essa corrida (no trecho da cidade que tinha muitos buracos), e todo aquele valor enorme que ele cobrou agora talvez nem fosse o suficiente para pagar os possíveis danos que o carro poderia sofrer. No lugar onde vovó morava o prefeito concertava a estrada de ano em ano. No verão. Como era ainda inverno, as estradas só pioraram. Os p****s da minha mãe tremiam mais que velho com parkinson. Quando o táxi parou na frente da casa de vovó, ela logo apareceu enxugando as mãos no pano de prato. Nessa época ela só tinha uns 45, mas agia como quem tinha 60 e nenhum estudo. Ela era muito apegada a tradições dos mais velhos. A minha mãe abriu a porta do taxi e saiu. A vovó vendo isso abriu a bocona e começou a chorar. Parecia cena de "de volta pra minha terra". Eu fiquei até com receio de descer do carro, pra não sobrar pra mim a próxima cena emocionante. Nisso já tinha gente da vizinhança abelhudando. Pense num lugar com Maria fifi era ali, só hoje eu analiso e entendo o veneno que rolava naquele bosque. — Bruninha, minha netinha. — vovó olhou pra mim chorando e eu fui toda tímida até ela, receber seu abraço com lágrimas de felicidade. A minha mãe já tinha pegado o pano de prato da vovó e usava como lenço, enquanto isso o taxista a apressava pra tirar as malas e fazer o mais importante: pagar a bagatela que ele cobrou pra nos deixar ali. Hoje eu imagino que a minha mãe foi bem esperta quando entregou o dinheiro na mão do taxista e entrou dentro da casa da vovó arrastando as malas com pressa. Ela não queria ouvir que o cara não imaginava que a estrada era tão r**m e teria que cobrar mais uma taxa. A minha mãe sempre sendo uma mulher esperta. Vovó me levou nós braços para dentro de casa ( morrendo né, porque eu já era grande) e eu fiquei me achando a garotinha mimada. Enquanto a minha mãe explicava os motivos da nossa visita repentina, surgiu a minha tia Sandra e a minha prima Débora, que tinha mais ou menos a minha idade. Foi tão bom saber que tinha alguém semelhante a mim. Me fez me sentir em casa porque eu teria com quem brincar e se fosse de bonecas eu agradeceria mais ainda. — Oi. — ela chegou perto com um sorriso nada tímido, já eu, morrendo, parecendo bicho do mato, mesmo crescendo na cidade. — Oi. — sorri pra ela. — Bora lá em casa? — sugeriu logo ela de cara. Olhei para a minha mãe e a cara que ela faz foi de quem permitia que eu acompanhasse a minha prima. Em interior as coisas não são tão complicadas. Criança passa o dia todo na casa dos parentes que não tem problema algum. Eu acompanhei a minha prima até a casa dela e quando chegamos no seu quarto eu senti que ali nascia uma amizade daquelas. Aquelas amizades que marcam a adolescência da gente. Todo mundo tem um primo amigo. E ela foi a minha prima amiga. Aquela que aprontaria muito comigo. A que passaria pano pra tudo o que eu faria.
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