– Mais um bacurinha pra mãe cuidar.
– Ela vai chiar. – Constatou Helen.
– Vai, e muito – Disse a irmã – Só te certifica de fazer esse filho e já apresentar a “fonte de renda” pra ela.
– Já tô até vendo eu apresentar a “fonte de renda” pra ela, e ela vim com moralismo pra cima de mim. Ela já não gostou quando ele me levou em casa.
– E já pediu pra ele o presente do Luan?
– Inda não. Mas calma que de hoje não passa. E daí, conforme as coisa for andando, ele mesmo vai me dar. Ficou fascinado pelo Luan, por que ele queria botar esse nome se tivesse um filho. – Mencionou Helen revirando os olhos de tédio.
Antes de irem embora, Karina comentou que o clima no escritório andava estranho. Dona Eliete havia viajado para o RJ para ver uns parentes, e não dava notícia há três dias.
Helen retrucou que se ela não dava notícias há três dias era melhor, pois assim ela e Hamilton tinham mais privacidade. Hamilton era o marido de dona Eliete, e dono formal do escritório onde Karina trabalhava. A bem da verdade era que no papel o cara era dono, mas o dinheiro era de Eliete. Era ela quem pagava o aluguel, ela quem autorizava ou não algum projeto maior, e ela quem era dona de tudo que havia naquela empresa.
Karina disse que isso não era bom, pois tudo ali dependia de Eliete, e ao relembrar isso ficou ainda mais preocupada. Além disso, o sumiço da velha não podia ser nada de bom.
Se despediram, e Karina voltou ao trabalho, já que estava em horário de almoço. Helen pegou um ônibus e foi para a loja, mas antes passou no supermercado onde Paloma trabalhava. Ao ver a patroinha correndo na frente de caixa ela pensou consigo mesma: “Isso. Corre bastante aí e não me atrapalha vadia.”
Por volta das 18 horas o movimento ficou fraco, mas isso já era de costume. Helen viu Lucas ir para a salinha e foi até a porta da loja. Virou a placa de “aberto” para “fechado”, trancou a porta e apagou as luzes da loja. Após isso foi até a porta da salinha.
– Oi Lucas.
Ele se virou rápido. Estava sentado num banquinho arrumando pares de tênis nas caixas, e se assustou ao ver que as luzes fora da sala estavam apagadas.
– Quem apag-...
– Shhh.
Ela caminhou até ele e lhe deu um beijo. Agitado com o que viria a seguir, ele interrompeu o beijo e a levantou. A diferença de altura entre ambos era evidente, e Lucas conseguiu levantar a garota do chão, erguendo-a no ar e a segurando pela b***a.
*
No dia 2 de Junho, assim que chegou em casa Paloma recebeu uma ligação. Era dona Terezinha, a proprietária do imóvel onde ficava a loja.
– Boa noite dona Terezinha.
– Boa noite Paloma. Eu liguei pro Lucas e ninguém atende.
– Ele deve tá trabalhando. Quem sabe liga de novo. – Falou querendo se desvencilhar, pois estava exausta.
– Eu já liguei três vezes. Olha filha, é que ele não me pagou o aluguel ainda, e o combinado é dia 30.
– Ué?! Mas eu deixei o dinheiro separado dia 29. Eu mesma fiz o balanço da loja.
– Mas ele não pagou.
– Eu vou ver com ele quando ele chegar.
– Mas vê mesmo filha, porque a Regina sempre pagou direitinho. – Falou a velha num tom de cobrança.
A mulher desligou e Paloma ligou para Lucas, mas ninguém atendeu. Suas pernas doíam, ela não tinha nem conseguido tomar banho ainda, e estava louca de fome. Ir até a loja agora não era uma opção.
Naquele mesmo instante Lucas e Helen estavam lanchando no motel da cidade.
Enquanto se banhava, Paloma lembrava do combinado com seus sogros antes deles irem embora: de que ela só sairia do serviço quando as coisas se ajeitassem, mas começou a repensar seriamente esse assunto.
***
Desde o dia 30, quando havia transado pela primeira vez, Lucas e Helen não se desgrudaram mais. Na primeira oportunidade foi na salinha mesmo, mas os outros dias foram no motel.
Eram 21:20 da noite quando ele chegou em casa. Paloma já estava dormindo, e ele foi direto para o banho. Estava cheirando a suor, misturado com o perfume de Helen.
Se lavou muito bem, caprichando até no cabelo, e ao sair do banho cheirou a roupa. Teria que lavar a camisa quando Paloma não estivesse.
Foi na cozinha e pegou uma sacola plástica, enfiou a roupa lá dentro e escondeu a sacola num canto do carro. Após isso foi ao quarto e se entupiu de perfume.
Como estava sem sono foi para a sala ver um filme. Pegou uma embalagem de Coca-Cola e a levou para beber enquanto escolhia o que assistir. No Telecine estava passando Instinto Selvagem, e ele decidiu ver este mesmo. Lembrou dos tempos áureos da adolescência, quando adorava assistir aquele – e outros filmes – para se divertir.
Saudades da adolescência, de quando não tinha responsabilidades, de quando o sexo era sem compromisso. Saudades de quando notava que seus pais estavam com problemas com orçamento da casa, mas nada daquilo era com ele. Saudades dos minutos antes de beijar Helen, quando ele não tinha arrependimentos.
E se Paloma descobrisse? Afastou aquele pensamento de sua mente, e procurou se concentrar no filme.
***
Paloma acordou cedo e preparou o café para ambos. Ela ainda estava atrapalhada com o fato de ter que cozinhar todas as refeições da casa, mas estava se esforçando pra melhorar. Quando Lucas levantou ela já emendou o assunto do aluguel.
O rapaz ficou nervoso, pois não havia calculado bem quanto gastou com Helen nos últimos dias, e não tinha o dinheiro de Terezinha.
Paloma viu que ele estava preocupado, mas não prolongou o assunto. Decidiu conversar com a irmã mais tarde, após sair do serviço.
Lucas foi para a loja, e assim que movimento deu uma acalmada ele telefonou para o pai.
– Oi meu filho.
– Oi pai. Tudo bem?
– Sim meu garoto. A que devo a honra da ligação, que vossa senhoria lembrou do pai?
– Pai, é o seguinte: lembra aquela guriazinha que eu contratei?
– Lembro. – Rogério já sabia o que o filho iria falar.
– Então, é que né, a gente tá saindo. Tô gostando mesmo dela, daí quis dar uma coisinha melhor. Acabei gastando demais. Tem como tu me emprestar 1,500?
– 1,500 Lucas? Onde que tu levou ela meu filho? O lá da faixa não é tão caro assim!
Rogério se referia ao motel que ficava nas margens da RS-239, que cortava o município de Sapiranga. De motel ele entendia, pois vivia traindo dona Regina.
– Não pai. É que eu gastei o dinheiro do aluguel, e também tem umas contas aí que eu não quero atrasar. Eu não sei se até o dia de vencer eu vou ter o dinheiro, e daí eu prefiro não arriscar.
A última parte era mentira. Lucas queria dinheiro a mais para comprar um presente para Luan, o filho mais velho de Helen, que iria fazer aniversário dali alguns dias. O pai concordou em mandar o dinheiro, mas pediu ao filho que lhe pagasse logo.
Paloma foi do serviço direto para a casa da mãe, e chegando lá abraçou dona Soraia. Fazia dias que mãe e filha não se viam. E qual não foi a surpresa da jovem ao saber que Beth não havia trabalhado naquele dia.
– A Beth taí?
– Não sei que que deu, mas foram lá, esperaram um tempão e nada. Nem o cara nem a mulher apareceram.
– O Hamilton e a Eliete?
– Isso! Ela chegou umas dez da manhã.
Paloma foi até o quarto que dividia com a irmã antes de se casar, e a encontrou deitada na cama.
– Não se trabalha mais? – Brincou.
– Quando os chefes não aparecem, não. – Emendou a irmã desanimada.
– Mas e a Karina não tem a chave?
Ao ouvir esse nome Beth fez cara de nojo, para em seguida responder.
– Ter tem né? O que que aquela p*****a desgraçada não tem? Só que aí que tá: nem ela apareceu.
Paloma se assustou, mas antes que esquecesse para que tinha ido lá ela mudou de assunto. Explicou que pensava em deixar o emprego para se dedicar totalmente à loja, e disse que estava cansada de se incomodar com clientes no mercado. Elizabeth lembrou a irmã do que ela havia combinado com a família anteriormente, e disse que caso o negócio não desse certo, ela e Lucas ficariam desempregados.
Mas, ao analisar a irmã, ela teve certeza de que Paloma já havia tomado sua decisão, e que dificilmente a ouviria.
Após encerrarem o assunto, Beth voltou a falar do escritório. Disse que estava preocupada com a ausência de dona Eliete, e que dias antes havia acontecido um rolo por lá.
– Que rolo? Me conta tudo! – Pediu Paloma.
– Foi assim: a megerinha – um dos tantos apelidos infames de Karina – humilhou uma funcionária. Guria nova, menor aprendiz. A guria foi queixar pro Hamilton, mesma coisa que nada né, e ele humilhou ela mais ainda. Disse que quem mandava lá era a Karina, que não adiantava ela inventar coisinha, por que era na Karina que ele confiava.
– Eita!
– A guria pediu demissão e colocou na justiça, só que antes de botar no p*u ela foi lá com a mãe e com o pai.
– Meu Deus!
– Foi com a mãe e com o pai, por que é menor de idade, e os três entraram pra falar com a dona Eliete. Depois que eles foram lá que o tempo começou a fechar. E fechou feio. Hamilton tá pulando miudinho, e a vagaba tá andando bem controlada.
Paloma parou por alguns segundos para tirar conclusões.
– Ela deve ter gravado ele falar isso. Mas a Karina não é gerente?
– É, mas quem tem que mandar lá é o Hamilton, não ela. E depois ela começou a chamar um por um de nós na sala, e perguntar como que era o dia a dia lá, e se o Hamilton tava indo trabalhar mesmo. Disse que não era pra ninguém mentir nem acoitar** nada.
** Acoitar: Encobrir ou esconder algo errado que outra pessoa fez.