Itália, aqui vamos nós!

1201 Words
Não vou mentir, passei várias noites em claro estudando para a prova e decorando as regras do programa, mas em nenhum momento me permiti desanimar. Estudava o dia inteiro, aproveitando cada segundo, até mesmo enquanto cuidava das crianças mais novas. Durante essas horas, lia trechos da Bíblia ou praticava as orações. Sorte a minha estar em um orfanato católico, porque as crianças nem perceberam que eu estava treinando. Li com atenção todas as orientações do projeto. Um alívio tomou conta de mim ao descobrir que a igreja organizaria tudo: passaporte, passagem, hospedagem e alimentação. E, além disso, ainda receberíamos uma ajuda de custo. Era um sonho! Claro que, para me tornar freira de fato, haveria um processo. Primeiro, a formação inicial, que duraria alguns meses. Depois, o noviciado, seguido pelos votos temporários, até chegar aos votos solenes e permanentes. Meu plano era claro: descobrir o que precisava sobre minha família e executar minha vingança antes que a primeira etapa terminasse. Eu tinha três meses. Os dias passaram voando, uma mistura de estudos intensos e planejamento meticuloso. Quando me dei conta, estava sentada na diretoria, pronta para encarar a prova. A freira me observava enquanto colocava o papel na mesa. — Boa prova. — Ela disse, com uma frieza calculada. — Obrigada. — Respondi, tentando afastar a ansiedade e focar na prova diante de mim. Algumas questões me pareciam escritas em outro idioma, mas outras eu consegui responder com facilidade. A última, no entanto, me deixou sem palavras: "O que te levou a escolher esse caminho de entrega para sua vida?". Não havia uma resposta certa. Eles queriam entender quem eu era, o que me motivava. A verdade, claro, estava fora de questão. Eles jamais me aceitariam se soubessem que meu objetivo era me vingar da minha família. Então, fiz o que sempre soube fazer: menti com maestria, tecendo pedaços da verdade de forma que soassem convincentes. — Terminei. — Disse, entregando a prova sem muita confiança. Sabia que havia deixado muitas questões em branco. O tempo foi c***l, e eu não consegui aprender tudo que precisava. — Faremos a correção e enviaremos o resultado por carta. Agradecemos seu interesse. Que Deus abençoe sua vida. Tenho certeza de que há um propósito em tudo o que acontece. — A freira acariciou minha cabeça antes de sair. Será que ela já sabia que eu seria reprovada? Voltei à rotina: acordar cedo, ajudar a arrumar as crianças, levá-las à escola e depois ajudar nas refeições. Mesmo aos 18 anos, eu continuava ali, como uma espécie de voluntária. Não era remunerada, mas tinha direito à comida, cama e teto. Não podia reclamar. Ao menos, não fui jogada na rua ao completar a maioridade. Era grata por isso. Cerca de 45 dias se passaram desde que fiz a prova. Não vou mentir, já estava desanimada, pensando em um plano B, procurando emprego para tentar ir à Itália por conta própria. Mas não estava tendo muito sucesso. — Jenny! Tem uma carta para você! A diretora mandou entregar e pediu que você a procurasse depois de ler. — Uma das meninas me trouxe o envelope, antes de sair correndo para brincar com as outras. Reconheci o remetente imediatamente. Era da igreja. O tom do envelope, puxado para o marrom, e os símbolos estampados eram inconfundíveis. Respirei fundo antes de abrir. Meu coração batia tão forte que parecia ecoar nos ouvidos. Sentia que todo o meu futuro dependia daquela carta. "Jennifer Moretti, temos o prazer de informar que você foi selecionada para o programa 'Preparando Meus Votos na Itália'. Parabéns! Embora sua nota tenha ficado abaixo do padrão exigido (6.5), seu texto emocionou toda a equipe. Por isso, conseguimos incluí-la no programa como uma indicação especial de nossa paróquia. Temos grandes expectativas em relação a você. Estaremos em oração para que alcance todos os seus objetivos. Que Deus abençoe." Abaixo, havia todas as informações sobre o programa e a data da viagem. Eu não conseguia acreditar no que estava lendo. Estava mesmo indo para a Itália! — Itália, aqui vamos nós! — Gritei, descendo as escadas eufórica. Não via a hora de contar à diretora e cobrar o prêmio da nossa aposta. Afinal, ele seria uma peça crucial para colocar meu plano em prática. Eu não vou mentir, meu coração batia acelerado, quase saltando pela boca, enquanto a diretora apertava minha mão com aquela mistura de carinho e desespero. No fundo, eu sabia que ela só queria o meu bem, mas isso não tornava a decisão menos difícil. Tudo ao redor parecia em câmera lenta: o burburinho das pessoas ao redor, os avisos do aeroporto soando ao fundo, e o portão de embarque à vista, como se fosse a porta para o meu destino — ou a perdição. — Jenny, você realmente tem certeza? — A voz da diretora tremia, como se ela pudesse, com essas palavras, me fazer mudar de ideia. — A Itália pode não ser tudo o que você espera. E a sua família... talvez as respostas que você procura sejam mais dolorosas do que você imagina. Eu só quero que você tenha certeza. Não precisa se colocar em risco por algo que pode não te trazer a paz que você está buscando. Eu respirei fundo. Ela não entendia. Ninguém entendia. Não era só sobre encontrar minha família, era sobre me libertar das correntes invisíveis que me aprisionavam desde o dia que fui abandonada naquele orfanato. Aquela viagem não era só uma escolha, era a única saída que eu conseguia enxergar. — Eu sei que parece loucura, diretora — comecei, com um sorriso que tentava ser leve, mas havia um peso em cada palavra que eu falava. — Mas eu sinto que essa é a única forma de entender quem eu sou de verdade. Não posso viver sem saber o que aconteceu, sem buscar essas respostas. E, se isso significa me passar por freira e jogar o jogo deles, eu vou fazer. Porque no final das contas, é a minha vida que está em jogo. Eu vou descobrir a verdade, e se tiver que quebrar algumas regras no caminho... — soltei uma risada curta — você sabe que eu sou boa nisso. A diretora me olhou com aqueles olhos cansados, mas cheios de preocupação, e suspirou. Seu rosto, que já havia visto tantas crianças irem e virem, mostrava que ela sabia que eu não voltaria atrás. — Eu só espero que você não se perca no meio desse caminho, Jenny — ela murmurou, soltando minha mão lentamente. — E que, quando encontrar as respostas, elas sejam o suficiente para te trazer paz, não mais dor. — Eu vou ficar bem, prometo. E quem sabe, talvez eu até volte com uma boa história para contar, ou com um novo prato italiano para te surpreender na cozinha. — Tentei descontrair, mas a verdade é que a tensão não me deixava. Ela riu, mas havia tristeza no seu riso, como se soubesse que essa poderia ser a última vez que nos veríamos assim, face a face, antes que tudo mudasse. Com uma última troca de olhares, virei-me em direção ao portão de embarque. O futuro, incerto e cheio de perigos, me aguardava na Itália. Era agora ou nunca.
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