O silêncio entre nós pesa e, de repente, noto que o carro já está estacionado em frente ao casarão onde Estela mora. É uma mansão imensa, num bairro nobre, com vista para o parque Municipal do Córrego. Tudo começa a fazer sentido. Leo me pegou antes porque ele queria me deixar aqui.
A mente começa a girar, a fazer perguntas. Como é possível que Estela e ele, tão diferentes, tenham se encontrado e se mantido juntos por tanto tempo? A diferença social entre eles é clara.
Mas, estranhamente, Estela o aceitou. Me sinto meio desconectada do que vejo. Um sentimento r**m se infiltra em meu peito, algo muito parecido com ciúmes. Mas eu tento afastar isso. Pare com isso, não tem razão para sentir assim.
Decido sair do carro antes que ela chegue, sem querer dar motivos para uma situação desconfortável. Abro a porta e vou para o banco de trás, não por ser algo errado, mas por saber muito bem qual é o meu lugar ali. E aquele lugar ao lado dele não é o meu. Infelizmente.
Estela surge do portão, radiante, com um vestido azul marinho que só pode ter sido escolhido pensando em Leo. O cheiro doce do perfume dela, provavelmente, é feito para seduzi-lo. Eu solto um suspiro, forço um sorriso sem nem saber se ele é sincero.
Ela entra no carro e senta-se ao lado dele, não sem antes lhe dar um beijo demorado, daqueles que fazem o mundo parar por um segundo. Ela olha para mim com uma expressão que não consigo ler, e quebra o silêncio.
— Vocês demoraram. O que houve?
Eu me ajeito no banco de trás, sem saber bem o que responder, e digo apenas:
— Eu... me atrasei. Tive uns problemas familiares e fiz Leo me esperar.
Leo, pelo retrovisor, me observa, mas não diz nada. E aí, as palavras dele saem sem que eu tenha tempo de me preparar.
— O ex dela está aí. O cara ficou milionário. E a intenção dos pais é reatar o romance deles.
Meus olhos se arregalam, surpresas, ao escutar aquilo. Não tinha pensado nisso, não dessa forma. Será que ele está certo?
Não, meus pais apenas gostam de Omar.
Estela vira a cabeça para me olhar, e o peso da sua pergunta cai sobre mim como uma pedra.
— Verdade? E você? Pretende reatar?
Eu não hesito. Respondo firme, sem deixar que nada me faça vacilar.
—Não —digo firme para ela e lanço um olhar para o retrovisor. Meus olhos se encontram com os de Leo que não diz nada e dá a partida no carro.
Leo parece estar mais relaxado agora com a presença de Estela. Ou ele está apenas tentando passar essa imagem, não sei. O que sei é que a sensação dentro de mim não é boa. Sinto um nó apertando no meu peito sempre que vejo Estela passando a mão nas coxas dele, com aqueles gestos insinuantes.
Desvio os olhos, incomodada. Pare com isso! Eles são namorados, é normal esse tipo de coisa.
Respiro fundo e tento me distrair com a iluminação colorida de Natal que brilha lá fora. As luzes piscando nas árvores tornam tudo um pouco mais tolerável, mas não o suficiente para afastar a sensação estranha que me invade.
Minutos depois, Leonardo estaciona o carro em frente à pizzaria.
— Você vai adorar a pizza daqui. Não é, Leo? — Estela diz, com um sorriso.
— Sim, é muito boa. — ele confirma, com a voz suave.
— Que ótimo — respondo, tentando disfarçar minha tensão. Finjo um sorriso, mas ele está mais fraco do que eu gostaria.
Descemos do carro, e Leo puxa Estela pela cintura, me fazendo sentir como se fosse uma espectadora de um filme que eu não queria assistir. Eu sigo atrás deles, observando-os abraçados. E, ao olhar para os dois, começo a entender o que Leo viu nela. Estela é linda, baixinha, magrinha... aquele tipo de mulher frágil, que faz o homem querer proteger.
Eu sou tão diferente. Tenho a mesma altura de Leo, sou do tipo "mulherão", mais forte, mais imponente. Não sou o tipo de mulher que ele precisaria proteger. E isso me deixa uma sensação amarga na boca.
Chegamos à mesa, e Leo, como um cavalheiro, puxa a cadeira para Estela se sentar. Eu, por algum motivo, me sinto deslocada, então ocupo a cadeira que fica de frente a ela. Tudo o que quero é evitar o olhar de Leo. Tento me concentrar no ambiente ao redor, desviando a minha atenção de Estela, que não para de olhar para Leo com um olhar apaixonado. Ela pega a mão dele e a beija.
Solto o ar, tentando me livrar dessa sensação sufocante que me acompanha.
O garçom chega com um sorriso no rosto e nos deixa os cardápios. Antes de ir embora, percebo o olhar dele sobre mim. Ele não disfarça a sua atenção voltada para os meus s***s, que ficam um pouco à mostra devido ao vestido preto. Uma corrente de prata com um pingente abstrato repousa sobre eles.
Fuzilo o garçom com os olhos, e, aparentemente, ele percebe, pois se afasta rapidamente, mas com um sorrisinho envergonhado no rosto. Respiro irritada, mas logo olho para Leo, e vejo que ele está observando o garçom com uma expressão séria, quase ameaçadora. Estela, alheia a isso, está completamente focada no cardápio. E eu? Eu fico cada vez mais inquieta. Leo olha para mim, os nossos olhos se encontram e, com o coração batendo forte, dou-lhe um sorriso sem graça, tentando esconder o que sinto.
O garçom volta minutos depois, e a tensão no ar é quase palpável.
— Já escolheram? — ele pergunta, com o sorriso de quem sabe que está sendo observado.
Eu o encaro, sérios olhos e tudo.
— Eu quero essa pizza de muçarela, mas com massa de couve-flor. — Digo, sem tirar os olhos dele.
Ele pisca para mim e, com um sorriso largo, anota o pedido, e se afasta.
— Massa de couve-flor? — Estela pergunta, rindo.
— Sim. Quero experimentar — Respondo, tentando parecer casual.
Estela olha para o cardápio, enquanto Leo a observa, dando-lhe um sorriso doce. Um sorriso tão doce que quase parece artificial.
Eu desvio os olhos, sentindo uma pontada de ciúmes, e tento me distrair com a rua lá fora, onde o movimento da cidade se desenrola.
— O que vão beber? — pergunta o garçom, ao retornar.
— Coca diet — digo, sem hesitar.
— Para mim, um chope. — Leo responde, com um tom mais ríspido.
— Eu também quero chope. — Estela diz, sem entender a tensão no ar.
Quando o garçom se afasta, Estela percebe o olhar de Leo. Ela o encara, curiosa.
— O que foi, Leo? Não gostou do garçom? — ela pergunta, com um sorriso nos lábios.
— Achei ele muito desrespeitoso. — Leo diz, sem rodeios, e dá um gole no chope, como se quisesse se livrar de algo.
Ela sorri, abraça-o e beija-o na boca, como se a situação estivesse resolvida. Eu, por minha vez, me seguro para não rir, e volto o olhar para a janela, tentando manter a compostura.