Eu não me sentiria bem de ir em outro horário, de tão perturbada que me sinto com ele. Por isso tenho ido quando sua namorada está por perto.
Nessas minhas idas frequentes, Estela foi se achegando, acho que por insegurança de me ver sempre lá.
Se o carro não tinha algo, inconscientemente eu arrumava algo para ele fazer, tipo trocar a palheta do limpa vidro, dar uma olhada no óleo...
Deus! Agora eu percebo que só foram pretextos para ir à oficina de Leo.
Que vergonha...
Por isso Estela começou a sair do escritório e marcar presença, e conversar comigo enquanto ele me atendia.
Ela está certa, se eu tivesse um homem como Leo, eu agiria da mesma maneira.
A semana passada foi um divisor de águas. O destino, como sempre, me pregando peças, fez com que eu cruzasse com Leo fora do contexto que já conhecia. Eu estava no meu intervalo, havia acabado de almoçar, e lá estava ele, na rua, com aquele olhar irresistível. O convite foi simples, direto, e, de alguma forma, casual, como se a ideia de sair para um sorvete fosse tão natural quanto respirar. Aceitei sem pensar duas vezes, apesar de saber que normalmente sou rígida com a minha dieta.
Leo estava com o macacão de mecânico, sujo de graxa, o que contrastava totalmente com minha saia lápis preta e blusinha branca, o look impecável de secretária bancária. A entrada na sorveteria foi desconfortável para mim, ou pelo menos deveria ter sido. O olhar de estranhamento dos outros clientes não passou despercebido, mas algo em mim, uma sensação de liberdade que eu não sabia que ainda tinha, me fez ignorar tudo. Percebi até alguns sorrisos curiosos de outras garotas. Leo é irresistível, até com o macacão manchado. Sim, ele tem esse poder.
Conversa vai, conversa vem, e algo em mim se abriu. Eu descobri que ele vive sozinho, que tem 33 anos, e que herdou a oficina de seu pai. A história dele me cativou profundamente, a maneira como falou sobre a oficina crescendo, o seu desejo de expandir, de comprar um terreno ao lado e montar aos poucos uma auto peças... Ele era apaixonado pelo que fazia, e isso conquistava-me. De repente, me vi tão à vontade que comecei a falar sobre mim. A minha idade, os meus 22 anos. A tragédia de perder o meu irmão. O meu trabalho. E, inevitavelmente, Omar.
Foi quando o tom da conversa mudou. Eu fiquei emotiva, e não sabia bem por quê. Falar sobre o fim de um relacionamento nunca é fácil, mas com Leo, parecia que as palavras fluíam como se ele fosse alguém em quem eu poderia confiar. Falei sobre a separação dolorosa. Como Omar, depois de um ano de namoro, decidiu me deixar para seguir um sonho que eu não fazia parte. As palavras saíam, e eu não conseguia parar de falar, como se aquele momento fosse uma terapia. E Leo me ouvia com a atenção de alguém que realmente se importa. Os olhos dele estavam ainda mais verdes, intensos, como se absorvessem cada pedacinho da minha história. Às vezes ele olhava sério, outras vezes sorria, e cada sorriso dele fazia o meu coração bater mais rápido. Lindo. Lindo demais. Eu precisava parar de pensar nele desse jeito, mas não conseguia.
Passo a mão nos olhos, tentando afastar novamente os pensamentos com Omar, mas sem querer, a minha mente começa a viajar em como tudo começou. A chuva torrencial. Eu voltando do trabalho e minha bicicleta quebrada no meio do caminho. Eu, encharcada, empurrando a bicicleta pelo meio da rua, e ele surgindo com um sorriso simpático e então me oferecendo ajuda. Naquela confusão de chuva e caos, não o reconheci de imediato. Mas, quando percebi que ele era o vizinho bonitão o meu coração deu um salto. O homem que eu via sempre de terno indo trabalhar, e que ocasionalmente me cumprimentava quando eu estava colocando o lixo para fora.
Ele foi gentil, colocou a minha bicicleta na traseira do seu carro, sem se importar com a chuva que molhava seu terno, e me levou até a minha casa. No dia seguinte, ele me procurou pelas redes sociais. E a partir daquele momento, as mensagens começaram a trocar e, com elas, a nossa amizade começou a se transformar em algo mais. Omar, com o seu sotaque marroquino encantador, seus 30 anos, começou a se fazer presente na minha vida. Eu tinha apenas 18, mas o fato dele ser mais velho e tão charmoso parecia algo mágico.
A história de vida de Omar, a luta de sua família, a adaptação a um novo país... Tudo isso me fascinou. E ele, com seu charme e sua dedicação ao trabalho, conquistou o meu coração. O namoro evoluiu rápido, e logo ele estava na minha casa, os dias mais felizes da minha vida.
A verdade?
Foram os dias mais felizes da minha vida. Eu realmente gostando do rapaz boa pinta, com um sotaque sexy e trabalhador.
Eu estava apaixonada.
Verdadeiramente apaixonada.
Bem, mas tudo isso agora acabou.
— Pensando nele?
A pergunta me chega de repente, e me sinto vulnerável, exposta, como se Leo soubesse o que se passa dentro de mim.
Eu pisco e encaro Leonardo. Que me dera que fosse apenas os pensamentos do passado que me afligissem. Mas não. O que me atormenta agora é algo bem mais recente, algo que eu mesma criei e ainda não sei bem como lidar.
Deus! O que foi que eu fiz? Hoje foi a primeira vez que eles me chamaram para sair com eles e eu o beijei.
Eu beijei Leo.
Não digo nada pois o arrependimento me assombra, mas ao mesmo tempo, uma sensação de calor invade meu peito. Eu gosto de Leo. Eu gosto dele mais do que deveria. Mais do que é seguro. Mais do que eu deveria sentir, considerando tudo o que está em jogo.